França e mais 9 países pedem ‘rótulo verde’ para energia nuclear

Liderados pela França, dez países da União Europeia assinaram na segunda-feira (11) um pedido de que a energia nuclear seja considerada verde e incluída entre as fontes priorizadas e incentivadas pelo bloco durante a transição para a chamada neutralidade climática —emissão zero de gases que provocam o aquecimento global.

Dos 10 signatários da carta, 8 têm usinas nucleares e 4 contam com essa fonte para ao menos 20% da energia consumida —França, Eslováquia, Bulgária e Eslovênia.

Ainda não produtoras, a Polônia, que planeja abrir seu primeiro reator em 2033, e a Croácia, sócia de uma usina que abastece a Eslovênia, apoiam o pedido francês, no qual os dez países listam motivos tanto ambientais como econômicos e geopolíticos.

Passeata com muitas pessoas em que uma delas segura cartaz defendendo a energia nuclear
Manifestantes com cartaz em defesa da energia nuclear, em megamarcha contra a mudança climática em Bruxelas – Ana Estela de Sousa Pinto/Folhapress

Os governos da Bélgica e da Holanda, em que ao menos 20% da energia também vem de fonte nuclear, não assinaram o documento, e Alemanha e Espanha, também produtoras, lideram um grupo de países contrários às usinas, ao lado de Áustria, Dinamarca e Luxemburgo.

Esses cinco países também enviaram uma carta à UE em junho, pedindo o oposto: que o bloco caminhe para abandonar essa forma de geração de energia.

A oposição de concepções aparece também entre entidades da área, entidades ambientalistas e pessoas preocupadas com a mudança climática. Em marcha ambiental que reuniu dezenas de milhares de pessoas em Bruxelas neste domingo (10), havia cartazes tanto condenando quanto defendendo a fonte nuclear de energia.

Do lado de proteção do clima, a carta assinada pelos dez países menciona o mais recente Relatório de Mudanças Climáticas do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), que em agosto descreveu um quadro de emergência.

O IPCC reforçou a tendência crescente de eventos extremos, como tempestades, enchentes, furacões, ciclones, secas prolongadas e ondas de calor e alertou que a meta estabelecida pelo Acordo de Paris —de não permitir que a temperatura média global deste século fique mais que 1,5° C acima dos níveis pré-industriais— não será cumprida se não houver um corte drástico nas emissões nos próximos oito anos.

Outro argumento citado pelos países é o aumento dos preços da energia —no bloco europeu, o preço da eletricidade no atacado triplicou, na comparação com o ano passado— e o quanto ele indica a importância de “reduzir a dependência energética de países terceiros o mais rapidamente possível”.

A principal preocupação política é com a Rússia, maior fornecedora de gás natural para a Europa, que importa 90% do que consome desse produto.

“Os problemas de abastecimento se tornarão mais frequentes e não temos escolha a não ser diversificar o abastecimento. Devemos ter o cuidado de não aumentar a nossa dependência das importações de energia de fora da Europa”, afirma o texto encaminhado à Comissão Europeia, Poder Executivo do bloco.

Centrais nucleares geram mais de 26% da eletricidade produzida na União Europeia, e cerca de 13% da energia total (considerando também a energia térmica), segundo os dados mais recentes do bloco, divulgados em 2020.

Essa fonte não foi incluída na “taxonomia de energia verde”, um guia técnico para investidores e governos sobre que projetos se encaixam nas prioridades de transição energética da UE. No documento, publicado pela Comissão em abril, estão listadas fontes como solar, eólica, geotérmica, hidrogênio, hidrelétrica e bioenergia.

Segundo o órgão europeu, é necessário mais debate sobre a energia nuclear. O problema é que, assim como entre cientistas e entre grupos ambientalistas, os governos do bloco europeu não têm consenso sobre se ela é limpa ou suja.

Do ponto de vista de emissões de gases de efeito estufa, a fonte é limpa —relatórios técnicos da própria UE , da Agência Internacional de Energia e do Departamento de Energia dos EUA consideram seu impacto no clima comparável ao da geração eólica ou de hidrelétricas.

Mas há poréns, como o lixo nuclear, alto custo, uso intensivo de água e o risco de acidentes. Foi por causa da tragédia nuclear em Fukushima (Japão), em 2011, por exemplo, que a Alemanha, antes líder na produção de energia nuclear na Europa, decidiu fechar todos os seus reatores até 2022 e faz hoje a maior pressão contrária às usinas.

Já os países liderados pela França afirmam que fontes renováveis não são suficientes no momento para suprir a demanda do bloco, o que justifica o investimento em uma energia “limpa, segura e inovadora” —a carta menciona novas tecnologias que permitem construir os SMR (sigla em inglês para pequenos reatores modulares), de menor custo e menor risco.

Há mais que interesses ambientais, porém, nessa disputa. A própria carta pró-usinas cita a criação de “empregos altamente qualificados para mais de 1 milhão de trabalhadores europeus”, mas também estão em jogo contratos valiosos.

A República Tcheca, por exemplo, deve licitar a ampliação da usina nuclear de Dukovany, e a francesa EDF está entre as favoritas para vencer o certame. Os dois países ocupam a presidência rotativa do Conselho da UE no próximo ano, e devem colocar o tema na pauta do bloco.

A Croácia, que recentemente comprou aviões militares da França, também discute um acordo de cooperação com os franceses em energia, transporte e proteção ambiental.

O que é energia nuclear

A energia nuclear é em geral obtida atualmente por meio da divisão de átomos de urânio. No processo, chamado de “fissão nuclear”, várias reações em cadeia acontecem dentro do reator nuclear.

Quando o átomo é dividido, ele se torna dois átomos menores e mais leves, e a energia liberada é usada para aquecer a água em vapor, que move turbinas que geram a eletricidade.

Além de urânio, é possível gerar energia com plutônio, e pesquisadores estudam o tório como combustível nuclear. O mineral é mais abundante que o urânio e gera menos resíduos. A Índia pretende começar a produção com o tório em 2025.

A energia nuclear fornece hoje mais de 10% da eletricidade mundial, quase o dobro da eletricidade gerada por fontes de energia solar, eólica e das marés combinadas.

Quais as vantagens da energia nuclear?

Baixa emissão – Segundo a Associação Mundial Nuclear, usinas nucleares emitem em média 29 toneladas de gás carbônico por gigawatt-hora (GWh) de energia produzida. O número é semelhante às 26 toneladas produzidas por geração eólica e menor que as 85 toneladas da geração solar. Essas fontes limpas são muito menos maléficas que combustíveis fósseis como carvão (888 toneladas por GWh) ou linhita (1.054 toneladas por GWh).

Menos terreno – Ocupam área menor que a de outras fontes renováveis, principalmente fazendas eólicas e solares. Uma usina nuclear com capacidade para produzir 1.000 megawatts de eletricidade ocupa 2,59 quilômetros quadrados, enquanto um parque solar precisaria de quase 200 quilômetros quadrados, e um eólico, mais de 930 quilômetros quadrados, segundo o Departamento de Energia dos EUA.

Fornecimento contínuo – Enquanto a energia solar e a eólica dependem das condições climáticas (se está ventando, se o céu ficou nublado), usinas nucleares geram 24 horas por dia, a uma taxa relativamente constante, o que as torna fontes ideais para eletricidade de base —o nível mínimo de demanda de energia na rede ao longo de um período de tempo.

Menor custo de operação – A quantidade de energia liberada em uma reação de fissão nuclear é estimada em 10 milhões de vezes a liberada na queima de carvão. Uma usina nuclear consome menos combustível que as baseadas em combustíveis fósseis e geram energia a custo menor. Segundo cálculos do governo americano, o custo de operação de uma usina nuclear é de 33% a 50% do de uma usina a carvão e de 20% a 25% do de uma geradora a gás.

Quais as desvantagens da energia nuclear?

Risco de acidente – Mesmo com medidas de segurança, usinas nucleares podem sofrer vazamentos, como ocorreu em Fukushima, após terremoto e tsunami que atingiram o Japão em 2011. Não houve mortes imediatas provocadas pelo acidente, mas 154 mil pessoas foram evacuadas e um número indefinido desenvolveu sequelas mentais e físicas, como câncer.

Em 1986 ocorreu o mais grave acidente nuclear até hoje, em Chernobil (ex-URSS), em que uma explosão matou duas pessoas imediatamente e deixou 136 feridos, dos quais 28 morreram nas semanas seguintes. Outras 100 mortes são atribuídas à contaminação radioativa, e a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) estabeleceu um número de 4.000 mortes projetadas em longo prazo. Cerca de 117 mil pessoas foram evacuadas.

Lixo nuclear – Uma fração do resíduo da geração nuclear é bastante radioativa, permanece tóxica por centenas de anos e pode provocar catástrofes ambiental e de saúde. Estima-se que o mundo produza por ano cerca de 34 mil metros cúbicos de lixo nuclear, o equivalente a 14 piscinas olímpicas. Há inúmeras formas de manejo em estudo, mas nenhuma é considerada definitiva ou totalmente segura por enquanto. Muitos países optam por depósitos a centenas ou milhares de metros abaixo do solo, mas há receio de contaminação de águas subterrâneas.

Fonte não renovável – A energia nuclear é hoje gerada a partir de minérios, como urânio, plutônio ou tório, que existem em quantidades limitadas na Terra; quanto mais explorados, maior o custo de extração, além do risco de exaustão. Estima-se que o urânio do planeta seja eficiente para gerar energia por ao menos mais 70 anos; embora finito, o prazo é maior que o de combustíveis fósseis (cerca de 30 anos para o petróleo, 40 anos para o gás e 67 para o carvão).

A energia nuclear só se tornará renovável se for desenvolvida tecnologia para obtê-la da fusão nuclear, em vez da fissão.

Construção cara – Além de complexos, reatores nucleares exigem a construção de uma forte estrutura de segurança, o que aumenta o custo de novas usinas.

Poluição indireta – Além da questão dos resíduos, há outros impactos indiretos da geração nuclear, como os processos de mineração e de enriquecimento de urânio. A mineração a céu aberto de urânio pode causar erosão, poluir fontes de água e deixar partículas radioativas. A mineração subterrânea pode expor os mineiros a radiação.

Segurança estratégica – Por seu potencial radioativo, usinas nucleares podem ser alvos potenciais de ataques terroristas, o que exige segurança redobrada.

Fonte: Folha de S. Paulo