'Caiu a ficha do aquecimento global para o setor elétrico', diz diretor do ONS

RIO –  Na maior crise hídrica dos últimos 91 anos, o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), Luiz Carlos Ciocchi, ressalta a importância de se considerar os impactos do aquecimento global e das mudanças climáticas como parâmetro para as avaliações dos modelos de planejamento na expansão do setor de energia.

Para ele, a crise hídrica obriga o setor elétrico a enfrentar o tema ambiental. Em entrevista ao GLOBO, ele levanta a hipótese de impacto em outras fontes, como a eólica, se o clima alterar, por exemplo, o regime de ventos. E defende o emprego intensivo da ciência para prever fenômenos como os decorrentes do aquecimento global.

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O remédio, para Ciocchi, está na diversificação de fontes de energia. O Brasil atualmente tem mais de 60% da energia elétrica produzida por usinas hidrelétricas, cujos reservatórios no centro-sul estão em níveis muito baixos.

O gestor afasta risco de racionamento de energia. Mas contou que está em estudo a criação de “benefícios econômicos” para a indústria alterar seu horário de maior consumo e evitar sobrecarga do sistema em horários de pico. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.

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Há perspectivas de os reservatórios de hidrelétricas chegarem a 10% no fim do ano, mesmo com acionamento de termelétricas. Qual é a previsão?

Desde setembro do ano passado tínhamos alguma sinalização de que o período chuvoso de 2021 não ia ser bom. Começamos a despachar mais térmicas, mas com a expectativa de que as chuvas chegassem.

A climatologia é uma ciência difícil, pois há muitas variáveis. Então, hoje, a previsão mais firme é de uma semana e a mais ou menos firme é de duas semanas. Depois, é com os modelos dos grandes institutos.

As chuvas vieram atrasadas, em dezembro último e não em setembro. E em março já não tivemos quase nada. Então, estava claro que era um período de escassez. Esse ano as chuvas devem vir em novembro e não em outubro.

Como o tema aquecimento global é inserido nesses modelos e previsões?

Para o setor elétrico caiu a ficha de que a gente deve considerar aquecimento global e mudanças climáticas dentro das nossas avaliações de análises. Você não vai achar nenhum sistema elétrico no mundo que tenha isso como um parâmetro.

Acredito que as próximas versões (dos modelos) devem reforçar esse sentimento, não incorporando isso diretamente como poderíamos imaginar, mas criando salvaguardas maiores para que soframos menos com essas mudanças.

Ter mais chuva ou menos já se fala. E a falta de vento? E se as mudanças climáticas afetarem os ventos? É um tema que deve se tratado com muita ciência. Na dúvida, eu recomendo a diversificação de fontes.

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Mas o problema desse cenário é só falta de chuvas? O que faltou?

Na transmissão houve problemas. Há projetos que estão sendo entregues agora, após o episódio envolvendo a licitação vencida pela Abengoa. Isso faz falta desde 2019.

Temos que lutar para ter flexibilidade. O Sistema Interligado Nacional é muito grande e precisa ter alternativas para serem utilizadas em caso de falhas, como linhas de transmissão e geração distribuída.

As energias alternativas não trazem flexibilidade mas têm atratividade econômica, social e ambiental. Vai ser difícil reverter esse caminho, mas não deveríamos ter abandonado as usinas hidrelétricas com reservatórios.

Deveríamos voltar a pensar nisso, enquanto não temos mais mecanismos para armazenar energia. Talvez não reservatórios gigantescos.

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E as usinas com reservatórios podem de novo entrar na pauta?

Espero que sim. A Empresa de Pesquisa Energética (EPE) vem estudando junto com a Secretaria de Planejamento de Energia oportunidades  para avaliar usinas com armazenamento. Os estudos iniciais devem contemplar o nascedouro e as questões ambientais, o que pode aumentar as chances de (isso) ser aprovado.

Além de acionar as usinas termelétricas, o ONS tem alterado a vazão de água de algumas usinas hidrelétricas. Essa iniciativa vai ganhar espaço?

Sim. Tínhamos algumas vazões mínimas muito altas de água em usinas como Jupiá e Porto Primavera (ambas no Rio Paraná) e reduzimos  para preservar a água e conseguir ter espaço para acionar usinas termelétricas.

O setor elétrico ao longo de sua história construiu as usinas para o uso da energia elétrica. E esses reservatórios passaram a ter outros usos, como abastecimento humano, agricultura, transporte e turismo. 

Para mim, não existe um conflito por esse uso. E temos essas discussões com Furnas. Desde que era presidente de Furnas, o interesse de todos é que o reservatório fique cheio. 

Em Furnas, como é um reservatório de cabeceira, se eu fechasse ela, os outros reservatórios abaixo iriam secar. Então, tenho que ter uma vazão mínima para que ela abasteça  outros reservatórios.

Lá há captação de água para outras atividades. A questão regional tem uma perspectiva diferente da nacional.

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Mas, então, vai ter mudança na vazão em Furnas?

O ONS não decide isso sozinho.  Estudamos muito juntos com a Agência Nacional de Águas (ANA) para definir faixas de vazão para as usinas. Então, agora, reduzimos a vazão em Jupiá e Porto Primavera e em Furnas. Neste momento, estamos tirando um pouco mais de água  para fazer o equilíbrio e logo a seguir vamos voltar a ter vazão mais controlada para guardar essa água na cabeceira do Rio Grande.

Em São Francisco, em 2014 e 2015, a hidrelétrica foi a quase 2%. Com a política que foi feita, o reservatório recuperou e hoje estamos poupando água lá. A caixa de água do Brasil está em São Francisco. No Nordeste, que durante tanto tempo teve problema de escassez, a água hoje esta lá. E isso será importante para o atendimento de ponta e no fim de ano.

Mas isso é suficiente?

Estamos sendo cautelosos, usando como entrada para esse modelo a chuva do ano passado, que foi a pior em 90 anos, e que cairá em um solo bem mais seco.   E assim a gente consegue atravessar o ano de 2021 sem déficit.

A situação é tranquila? Não. É preocupante? É preocupante, mas temos a convicção de que conseguimos atravessar o ano de forma bastante segura.

E que fatores preocupam?

São vários. Estamos lidando com fenômenos que não temos controle. A água chega esse ano em que intensidade? E como vai ser? Como entramos em 2022? Estamos fazendo esses movimentos e modificações das vazão para ter a garantia que em 2022 tenhamos mais tranquilidade. Ficamos monitorando isso dia a dia.

O Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE) tinha reunião mensal e passou a ter encontros técnicos semanais para ver se as ações que estão sendo planejadas estão surtindo efeito.

Além da questão das vazão, quais outras sugestões do ONS estão em curso?

É um conjunto de ações. Uma recomendação que demos é a previsibilidade para utilizar combustíveis fósseis nas termelétricas seja gás natural, óleo diesel e óleo combustível.

Cada um desses combustíveis tem uma logística. Estamos falando com a Petrobras, a BR Distribuidora e outros agentes privados para garantir que a partir de agosto a gente tenha combustível para acionar as termelétricas.

Houve ainda aumento dos limites de transmissão de energia das linhas entre Nordeste e Sul.  Há ainda resposta da demanda, com os grandes consumidores industriais em  programa voluntário para que eles adaptem sua linha de  produção para que seu horário de pico não coincida com o pico de demanda.

Ou então que as empresas possam utilizar outros recursos em vez da rede. Se ele tem uma usina termelétrica como back up, ele tem que ter um incentivo econômico para não ficar pendurado na rede.

Como assim incentivo econômico?

Isso está sendo estudado agora. Pode ser por energia ou por potência, em determinado horário. Tem que ter uma regra. Se a empresa reduzir mais que o que disse, por exemplo, terá um benefício.

A sinalização como isso será feita está sendo discutida, já que o custo de produção de energia acaba indo via CDE ou outro encargo. O problema é que nunca fizemos o uso disso tudo junto de forma estruturada. Também há uma campanha de uso consciente de energia.

Existe algo em curso para dar desconto para o consumidor residencial que consiga reduzir sua conta?

Todo mundo precisa de um sinal econômico. Da mesma forma que o grande consumidor industrial precisa de um sinal econômico, as famílias também precisam.

Isso já foi feito no passado tanto com energia como água. Não há nada engatilhado que eu saiba. A parte mais sensível é o bolso. É uma possibilidade, mais trabalhosa.

E qual é o cenário de 2022? Existe risco de algum tipo de racionamento no ano que vem?

Não existe. Há todas essas ações que permitem  chegar no fim do ano com segurança. Vai ter ainda a entrada de 10 Gigawatts  em geração e tem a entrega de obras de transmissão para permitir a máxima integração do Nordeste para o Sudeste.

O fato de o Senado ter que aprovar os diretores indicados para o ONS é prejudicial, como prevê a MP que permite a privatização da Eletrobras?

Ficamos surpresos. O ONS é uma entidade de direito privado.  Apesar de a indicação de três diretores partir do ministério (de Minas e Energia), isso é aprovado pelo Conselho e Assembleia (do ONS).

Quem aprova é a Assembleia. Não conseguimos entender direito como vai funcionar. Acho que ainda há espaço para reflexão e consequências jurídicas. Acho que isso pode passar por alguma revisão e ser revertido.   

A  construção das termelétricas previstas na MP da Eletrobras podem ajudar ou não?

Elas não foram planejadas para serem dessa forma. Localidade e  tipo de combustível não foram discutidas. A entrada delas vai demandar estudos adicionais para ver como essas térmicas serão demandadas. Elas não nasceram de um planejamento.

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