por Ricardo Fraga Gutterres
Introdução
A tecnologia nuclear tem provido inestimáveis recursos para a sociedade contemporânea, salvando vidas na área de saúde, principalmente no enfrentamento das patologias oncológicas; na preservação de alimentos e bens culturais; na instrumentalização do desenvolvimento industrial; e no atendimento à crescente demanda por energia, que está diretamente associada ao desenvolvimento social.
A tecnologia nuclear também tem se mostrado um poderoso instrumento de suporte para a implementação das ações de preservação do meio ambiente, por exemplo, por meio de sua utilização para mapear contaminantes, para combater a presença de microplásticos nos rios e oceanos ou ainda como alternativa robusta para descarbonizar a matriz energética de diversas nações.
Notamos que esta tecnologia se desenvolve em um ambiente fortemente globalizado, em que as regras para o seu pleno acesso e parra o seu desenvolvimento são definidas em tratados, acordos e convenções e são baseadas, fundamentalmente, nos compromissos do uso pacífico e seguro da tecnologia nuclear e dos materiais e fontes associados.
Os pilares fundamentais desses compromissos são conhecidos com “3s”, safegards, safety e security, ou seja, os compromissos de não proliferação e uso pacífico, de segurança e proteção da sociedade e do meio ambiente contra os efeitos indesejados das radiações, e da segurança física do material nuclear e radioativo. Somam-se aos 3s um quarto pilar, o da responsabilidade civil por dano nuclear, ou seja, as garantias de que haverá reparação em caso de acidente nuclear severo.
O Brasil é signatário de diversos acordos e convenções que abrangem estes temas e que dão as credenciais ao País para compartilhar a tecnologia nuclear e cooperar no âmbito internacional para seu desenvolvimento. Citamos mais especificamente:
- O Tratado sobre a Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP)
- A Convenção de Segurança Nuclear
- A Convenção Conjunta para o Gerenciamento Seguro de Combustível Nuclear Usado e dos Rejeitos Radioativos
- A Convenção sobre a Proteção Física do Material Nuclear e sua emenda
- A Convenção de Viena sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucleares
Estes instrumentos cobrem em grande parte os elementos 3s e a responsabilidades civil e, em conjunto com outros instrumentos e recomendações internacionais, referenciadas essencialmente nos standards de segurança da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), constituem a base para a infraestrutura nacional de regulação nuclear.
A Regulação Nuclear
No Brasil a regulação nuclear está a cargo hoje da Comissão Nacional de Energia Nuclear, que estabeleceu um amplo conjunto de Normas e Resoluções, instrumentalizando a execução dos compromissos assumidos pelo País na área de segurança, e abarcando os elementos 3s. Esta tarefa estará em breve a cargo da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear, órgão já crido por Lei.
As 67 normas e resoluções incluem hoje os seguintes tópicos:
- licenciamento de instalações nucleares e radiativas;
- controle de materiais nucleares, minérios e minerais nucleares
- proteção física e proteção contra incêndio;
- proteção radiológica;
- transporte de materiais radioativos,
- certificação e registro de pessoal especializado;
- rejeitos radioativos; e
- atividades de descomissionamento (encerramento de atividades).
Este marco regulatório tem sido desenvolvido e maneira consistente com a legislação e os compromissos internacionais e de maneira harmonizada com as principais referências internacionais, em especial com os Standards ou Padrões de Segurança da AIEA.
Regulação e Monopólio
O monopólio da União sobre atividades nucleares é estabelecido pela Constituição Federal e expresso em diversas leis, em geral conectadas com a execução das atividades sob esse monopólio e a constituição de empresas e órgãos responsáveis por essas atividades.
As convenções e tratados supracitados não estabelecem distinção entre operadores estatais ou privados, dado o seu caráter generalista. Na legislação que trata de rejeitos radioativos há definição entre responsabilidades a cargo de órgãos do estado e responsabilidades dos operadores, mas não há distinção entre operadores estatais ou privados. Semelhante situação é identificada na lei de responsabilidade civil por dano nuclear.
Em decorrência desse tratamento geral, não especificado na legislação, dispensado aos operadores estatais e privados, e ainda, em decorrência do fato de que as referências internacionais para nossas Normas também não fazerem distinção entre operadores estatais ou privados, não identificamos tratamento diferenciado entre estes operadores no âmbito da regulação.
Finalmente, observamos que nas últimas duas décadas têm sido introduzidas na legislação alterações que flexibilizam o monopólio, notadamente na área de produção de radioisótopos para uso médico e pesquisa e na de mineração de urânio. Embora tais alterações mudem a rotina da atividade regulatória, muito em razão da ampliação do número de operadores, não foi identificada necessidade de alteração da regulação quanto ao tratamento específico dado a atores estatais, simplesmente porque não há ou não havia este tratamento na regulação nuclear.
Conclusão
Em um momento que se discute a flexibilização do monopólio da União sobre as atividades nucleares como instrumento de ampliação do acesso aos benefícios da tecnologia nuclear, concluímos que a regulação nuclear não faz distinção entre operadores estatais e privados, notando que há setores em que estes operadores atuam lado a lado e são tratados de igual maneira pela regulação.
As mudanças introduzidas nos últimos anos em nossa legislação, no sentido da flexibilização do monopólio, não produziram alteração no marco regulatório vigente embora possam implicar em aumento de demanda de operadores privado quanto ao licenciamento nuclear.
Por fim indicamos que a segurança e o uso pacífico da tecnologia nuclear são elementos indissociáveis e que os objetivos relacionados com a regulação nuclear somente serão assegurados com o fortalecimento do órgão regulador, independentemente das características dos operadores licenciados, sejam eles estatais ou privados.