O potencial das redes de aprendizagem de eficiência energética, por Paula Scheidt

Crises são também oportunidades. Oportunidades para se reinventar, fazer diferente. Por isso, muito se fala em estabelecer uma retomada verde da economia, para assim lidar não apenas com a crise econômica causada pela pandemia como também com o desafio das mudanças climáticas. Quando as contas estão apertadas, ficamos mais atentos em como gastar menos com itens que são essenciais. A energia é um bom exemplo disso. Mas e se, para economizar, alguém lhe dissesse que você deveria gastar? Ou melhor, investir. Investir em equipamentos mais eficientes, sistemas de gestão de energia e otimização de processos. 

Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), mais de 40% das reduções de gases do efeito estufa ligadas à energia que são necessárias para a proteção climática nos próximos 20 anos viriam de medidas de eficiência energética (EE).  Mas como fazer com que empresas, indústrias e órgãos públicos considerem ações de EE como estratégia de recuperação econômica de seus negócios se ainda não têm consciência sobre os potenciais existentes na sua instituição? Sem conhecer as medidas que podem ser aplicadas, fica difícil vislumbrar os benefícios que poderiam ser alcançados. Por isso, a EE ainda não é vista como prioridade e muitas instituições perdem a oportunidade de reduzir sua demanda energética ou otimizar o uso porque nem sequer conhecem o seu consumo de energia. E algumas medidas são relativamente fáceis e rápidas de serem alcançadas, além de custarem muito pouco ou nada, como mudanças comportamentais.

Um dos caminhos possíveis para superar tais barreiras é a colaboração entre diferentes atores por meio de uma rede de aprendizagem, pois permite tanto trazer conhecimento sem precisar “reinventar a roda” quanto promover o acesso à informação e capacitação técnica com trocas entre as instituições.  Além disso, as redes ajudam a fomentar a inovação, já que novas ideias podem surgir a partir da inspiração de medidas empregadas por outros participantes. 

O conceito de Redes de Aprendizagem em EE surgiu na Suíça, nos anos 90, quando algumas empresas decidiram colaborar com o propósito de melhorar seu desempenho energético. Nos anos 2000, tais experiências se expandem para a França, Áustria e Alemanha. Na América Latina, a Cooperação México e Alemanha implementou quatro redes de aprendizagem a partir de 2015. No Brasil, a Cooperação Brasil e Alemanha para o Desenvolvimento Sustentável inicia uma rede de aprendizagem no nível municipal para elaborar Planos de Gestão de Perdas de Água e Energia em 2017 no escopo do Projeto de EE em Sistemas de Abastecimento de Água (PROEESA), executado conjuntamente pela Secretaria Nacional de Saneamento do Ministério de Desenvolvimento Regional (SNS/MDR) e a Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH, por incumbência do Ministério Federal da Cooperação Econômica e do Desenvolvimento da Alemanha (BMZ).  

Em 2020, inicia-se uma segunda edição e outras duas redes de aprendizagem são iniciadas no âmbito de outro projeto, o Sistemas de Energia do Futuro, executado conjuntamente pelo Ministério de Minas e Energia (MME) e pela GIZ, também por incumbência do BMZ. Uma delas foca em EE e Geração Distribuída (GD) em edifícios públicos (RedEE – Edifícios Públicos), e a outra, em gestão energética nas indústrias (RedEE – Indústria). 

Inicialmente desenhada para promover encontros presenciais mensais, a RedEE – Edifícios Públicos teve seu conceito adaptado com o início da pandemia e os encontros passaram a ser on-line e semanais. Ao longo dessas reuniões, representantes de 17 instituições públicas de diferentes setores têm recebido capacitações sobre temas como energia fotovoltaica, automação predial e programa de eficiência energética (PEE) da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). Além disso, há troca de conhecimento sobre diversos aspectos ligados ao consumo de energia e implementação de projetos. Juntas, as edificações dessas instituições representam um consumo elétrico de mais de 50GWh por ano.  

A coordenação oferece suporte técnico às instituições participantes para que, ao longo dos 12 meses do funcionamento da RedEE, possam realizar um diagnóstico energético e preparar um projeto de EE para ser submetido a alguma fonte de financiamento. Uma delas é o PEE das distribuidoras, para a qual algumas das participantes estão preparando projetos com o apoio da RedEE. 

Em 2019, os prédios públicos responderam sozinhos por 4,9% do consumo total no mercado regulado de energia elétrica (ARC), ou seja, 15,5TWh, sem contar os imóveis alugados pela administração pública. Assim, cortes nos gastos com energia representariam oportunidades de recursos extras para serem investidos em outras áreas do setor público. Por isso, a ideia da RedEE – Edifícios Públicos é ser um piloto para replicação posterior em diferentes esferas: federal, estadual e municipal. 

A RedEE – Indústria, por sua vez, apoia 13 indústrias de São Paulo na realização de auditorias energéticas, com enfoque em sistemas de gestão de energia e ISO 50.001. O setor industrial consome aproximadamente um terço da energia final no país, segundo a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Mas, por outro lado, tem grande potencial para economia, podendo aplicar medidas de EE especialmente em melhorias nos processos térmicos e demanda de eletricidade para motores elétricos, ar comprimido, sistemas de refrigeração, bombas, entre outros. 

Aqui a ideia é, a partir da experiência nesse piloto, impulsionar futuras redes de colaboração industrial, especialmente no estado de São Paulo, uma vez que é ali que se concentra o maior número de indústrias do país. Segundo o IBGE, São Paulo tem o maior PIB industrial do Brasil, com 33,4% do total. A operação da rede está a cargo da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-Alemanha de São Paulo, que trabalha em parceria com o IREES GmbH, especialista em redes de eficiência energética da Alemanha, e a Mitsidi, que atua como especialista em energia. A iniciativa é desenvolvida também no âmbito da Parceria Energética Brasil-Alemanha. 

Finalmente, considerar investimentos em EE como estratégia de uma retomada verde terá impacto não apenas nas empresas, indústrias e órgãos públicos que encabeçarem tais medidas. Eles irão refletir também no mercado de trabalho. De acordo com o Plano de Recuperação Sustentável da IEA, divulgado em junho de 2020, ações de recuperação econômica com foco em EE poderiam criar 4 milhões de empregos adicionais globalmente no setor público e privado. 

O Brasil tem o desafio de triplicar, até 2030, o número de profissionais atuando no setor se quiser alcançar a meta de 10% de ganhos de eficiência no setor elétrico – com a qual se comprometeu na sua Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), no Acordo de Paris. Esta é uma das conclusões do estudo “Potencial de empregos gerados na área de Eficiência Energética no Brasil de 2018 até 2030”, segundo o qual, em 2018, 30 a 60 mil profissionais atuavam nesse setor.  

Com as experiências desenvolvidas pela Cooperação Brasil-Alemanha com redes de Aprendizagem, espera-se contribuir para que mais instituições conheçam os benefícios de ações de EE e encontrem os melhores caminhos para aplicá-las no seu contexto. O resultado seria mais economia e, para o país, redução nos investimentos em geração elétrica, com a consequente contribuição para a mitigação dos efeitos das mudanças climáticas. 

Paula Scheidt é gerente de projetos em Energias Renováveis e Eficiência Energética na Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH. Este artigo representa a opinião da autora e não necessariamente da Deutsche Gesellschaft für Internationale Zusammenarbeit (GIZ) GmbH. A autora é responsável por seu conteúdo.

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