Para ex-presidente da Eletronuclear, Rio larga na frente na corrida por nova usina nuclear nacional

Com planta nuclear prevista no Plano Decenal de Expansão de Energia do Ministério de Minas e Energia (MME), estados como Pernambuco e Maranhão decidiram entrar na disputa pelo empreendimento. Em conversa com a Sputnik Brasil, Leonam dos Santos Guimarães, ex-presidente da Eletronuclear, explicou por que o Rio de Janeiro tem vantagem nessa corrida.

Há pelo menos duas décadas o Brasil discute a expansão do seu parque energético nuclear. Entretanto, com o acidente de Fukushima, no Japão, em 2010, o debate foi deixado de lado e o país passou a priorizar outros tipos de energia limpa, investindo na construção de usinas eólicas, em especial no Nordeste, e na expansão de suas hidrelétricas.

O assunto foi retomado neste ano, quando o governo de Jair Bolsonaro (PL) apresentou o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) com o planejamento de construir uma nova usina nuclear no Brasil, com início de operação previsto para 2031. O medo de acidentes como os de Three Mile Island, Chernobyl e Fukushima ficou no passado, pois a tecnologia atômica, de lá para cá, avançou muito na prevenção de desastres.

O retorno do interesse brasileiro e global pela energia nuclear, além dos problemas que o continente europeu enfrenta com produção de energia, passa também por uma decisão da comunidade europeia de classificar a energia nuclear como verde, uma mudança fundamental do ponto de vista do caráter ambiental.

Diante dessa cadeia de circunstâncias, em que pese a importância de se garantir um parque energético soberano e diversificado, o governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), já demonstrou que seguirá com os planos de construção de uma nova usina nuclear. A questão agora é o local que abrigará suas instalações.

Muitos estados decidiram entrar na disputa, principalmente no Nordeste, dada a proximidade do futuro presidente com a região.

Como explicou Leonam dos Santos Guimarães, ex-presidente da Eletrobras Eletronuclear e atual assessor especial do comando da estatal, em razão de um plano antigo, lançado em 2006, também pelo PT, que previa a construção de quatro usinas, sendo duas no Nordeste e duas no Sudeste.

“Quando saiu esse planejamento [de 2006], fizemos [a Eletronuclear] um trabalho para identificar potenciais locais onde essas usinas poderiam ser instaladas. Foram identificadas 44 áreas e oito sítios onde poderiam ser feitos estudos mais amplos”, disse Leonam dos Santos Guimarães, que também é membro da Academia Nacional de Engenharia.

Ele aponta que é com base nisso que os governos estaduais do Nordeste pleiteiam, neste momento, abrigar o novo empreendimento atômico do Brasil, mirando investimentos federais e a geração de empregos. Mas há problemas com essa lógica, e por isso, aponta ele, o Rio de Janeiro larga na frente para ter o empreendimento.

“É importante notar que todos os estados brasileiros tinham potencial para abrigar centrais nucleares, e o Nordeste era o local mais indicado no antigo plano, mas o Nordeste mudou”, disse o presidente.

Ele aponta que, de 2006 para 2022, a região ganhou um forte parque eólico, deixando de ser uma importadora de energia e passando a exportar para o resto do país.

Além disso, existe uma questão envolvendo as novas tecnologias atômicas, que, ao invés de um grande reator, como era no passado, passaram a se basear em diversos pequenos reatores. Os novos estudos para a construção da usina nuclear, com base no Plano Decenal de Expansão de Energia do MME, divulgado neste ano, indicam mudanças nesse sentido no planejamento de 2006: o Brasil projeta a produção de até 10 gigawatts (GW) a partir de novas usinas nucleares até 2050 e “o estudo que está sendo retomado inclui a variável nova, os pequenos reatores modulares”.

O modelo novo de usinas, com reatores menores, também chamados de “small modular reactors”, causam consideravelmente menos impacto ambiental, além de ter um custo menor. Essa novidade é uma das explicações que reduziram o excesso de pressão da sociedade e dos ambientalistas contra a instalação de novas usinas no país. Com o sinal verde aceso, o Rio de Janeiro ganha força como candidato.

Embora reconheça que a nova usina pode ser instalada em praticamente qualquer região do país, o presidente da Eletronuclear, ao ser questionado sobre qual seria o local ideal, disse que “certamente seria no Sudeste, e um dos locais deve ser Angra dos Reis, no Rio de Janeiro”.

Vista geral das obras da usina termelétrica nuclear Angra 3, em Angra dos Reis (RJ) - Sputnik Brasil, 1920, 02.12.2022
Vista geral das obras da usina termelétrica nuclear Angra 3, em Angra dos Reis (RJ) | © Divulgação Eletronuclear

“É o local onde se teria a maior facilidade, pois é o mais licenciado, com todos os estudos de impacto ambiental já feitos, e as instalações de apoio à usina também estão lá”, respondeu.

Além das três usinas (duas operando e uma em construção), o Rio tem três das maiores empresas da área no país, no caso a Eletrobras Eletronuclear, a Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. (Nuclep), de construção pesada, e a Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB), de enriquecimento de urânio. A cidade de Angra dos Reis já teria toda a infraestrutura de terrenos e transportes para uma nova usina.

O Brasil é privilegiado também na oferta de urânio, combustível necessário para as usinas nucleares, e domina toda a tecnologia do ciclo, desde a mineração até a montagem. Com duas usinas (Angra 1 e Angra 2, em Angra dos Reis), a matriz nuclear responde atualmente por menos de 3% de toda a energia gerada no país. Angra 3 deve começar suas operações comerciais em novembro de 2026, com a planta em plena capacidade no ano seguinte.

Turbinas da usina nuclear Angra 2, em Angra dos Reis (RJ) (foto de arquivo) - Sputnik Brasil, 1920, 02.12.2022
Turbinas da usina nuclear Angra 2, em Angra dos Reis (RJ). Foto de arquivo | © Folhapress / Luciana Whitaker

De acordo com o ex-presidente da Eletronuclear, uma nova usina atômica confirmaria que “o Brasil é pioneiro na geração de energia verde e nuclear também, além de garantir a diversificação da matriz enérgica do país, fundamental para suprir as demandas da economia e de crescimento”.

Nesse sentido, o especialista aponta que a Rússia poderia ser um parceiro estratégico para o desenvolvimento da nova planta, pois “o governo russo sempre participou dessa troca tecnológica, com memorandos de entendimento, desde a década passada, entre empresas brasileiras e a Rosatom [empresa estatal russa do setor nuclear]”.

Vale lembrar que, em outubro deste ano, a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional S.A. (Enbpar, empresa dirigente da Eletronuclear) e a Rosatom assinaram um memorando de entendimento para aprofundar a cooperação em áreas como construção, operação e descomissionamento de novas usinas nucleares de alta capacidade baseadas em tecnologias russas no Brasil.

Durante o Fórum Internacional ATOMEXPO, na cidade russa de Sochi, o presidente da Enbpar, Ney Zanella dos Santos, disse que a recente revisão do marco regulatório das atividades nucleares brasileiras, que abriu espaço para o setor privado, possibilitará uma expansão mais rápida do setor.

Fonte: Sputnik Brasil