Principal tendência para a energia nuclear, os pequenos reatores modulares avançados (SMR, na sigla em inglês) já possuem custo de geração mais próximo ou até abaixo das térmicas a gás natural, o que torna esses equipamentos viáveis em uma eventual retomada da expansão dessa fonte energética no Brasil, pretensão manifestada algumas vezes no passado recente. No entanto, o avanço da modalidade requer vontade política, avanços no processo de licenciamento ambiental e regulação específica.
Os SMR incluem modalidade de construção segundo a qual as peças podem ser transportadas para os locais de instalação como se fossem módulos pré-fabricados. Usinas nucleares SMR possuem potência instalada entre 50 megawatts (MW) e 300 MW. As unidades têm sido vistas no mundo como uma alternativa adicional para a transição energética diante dos altos preços do gás natural no mercado externo, por causa da guerra entre Rússia e Ucrânia, e devido à dependência dos países europeus do gás russo, um dos principais produtores do insumo no mundo.
O presidente da Associação Brasileira para Desenvolvimento das Atividades Nucleares (Abdan), Celso Cunha, diz que uma usina de 300 megawatts (MW) pode ter custo de geração de R$ 440/MWh, que foi o preço médio das térmicas a gás natural que contrataram energia no leilão de 2 GW realizado em outubro deste ano, o chamado leilão das térmicas “jabutis”, cuja contratação é obrigatória de acordo com a Lei 14.182/2021. Se forem incluídas na análise as usinas do leilão emergencial de energia, conhecido pela sigla PCS, para socorrer o sistema elétrico contra a crise hídrica, o preço médio de energia das térmicas vencedoras foi de quase R$ 1.600/MWh, aproximadamente quatro vezes mais.
A constatação da viabilidade dos SMRs foi possível, segundo Cunha, porque uma empresa, cujo nome não revelou, apresentou, em julho, ao ministro de Minas e Energia, Adolfo Sachsida, projeto para a construção de usina de 300 MW de capacidade instalada, a primeira do país na modalidade SMR. O MME não respondeu à Abdan sobre o projeto. A empresa asseguraria financiamento para a construção e buscou no país a participação da Eletronuclear no projeto. Por lei, a União detém o monopólio da geração de energia nuclear. A empresa buscou ainda a entrada no projeto da Indústrias Nucleares do Brasil (INB), para o fornecimento de combustível nuclear, e da Nuclep, para desenvolvimento e construção de equipamentos.
Uma nuclear SMR com 300 MW de potência exigiria investimentos da ordem de US$ 1,2 bilhão, prazo de construção de cerca de seis anos e teria como vantagem um uso de menor quantidade de água para resfriamento dos reatores, o que amplia as opções para a construção dessas usinas, disse Cunha. Uma usina nuclear tradicional tende a ser construída em regiões de litoral, mais populosas, para poder usar a água do mar para resfriar os reatores. É o caso das usinas de Angra dos Reis (RJ). No caso das usinas SMR, as áreas remotas podem ser consideradas como alternativa para a construção. “Pode-se, por exemplo, colocar uma usina lá no meio da Amazônia”, disse Cunha.
No entanto, o avanço da energia nuclear requer soluções para alguns impasses como a melhor comunicação com a sociedade sobre o uso dessa fonte. Outro desafio passa pelo licenciamento ambiental das usinas, sobretudo por causa dos rejeitos radiativos, que demandam a construção de locais apropriados para o armazenamento desses resíduos.
A resistência da sociedade sobre a fonte nuclear tende a aumentar após acidentes nucleares, como o da usina japonesa de Fukushima, em 2011, quando a central foi atingida por um tsunami após terremoto de mais de 9 graus na Escala Richter. O desastre de Chernobyl, na Ucrânia, em 1986, nunca foi esquecido. Agora a guerra na Ucrânia voltou a reviver os temores de um acidente nuclear depois de a usina de Zaporizhzhia, em território ucraniano, ser alvo de ataques.
Leonam Guimarães, ex-presidente da Eletronuclear, afirmou que se ocorrer um acidente em Zaporizhzhia, “todo um trabalho de 30 anos [de evolução tecnológica] será perdido”, ameaçando qualquer plano de descarbonização. Ele fez a referência no evento “Nuclear Legacy 2022”, em comemoração aos 35 anos da Abdan.
No Brasil, os projetos de usinas nucleares tradicionais enfrentaram problemas, historicamente. Angra 3, por exemplo, teve paralisações das obras como resultado das investigações da Lava-Jato, o que afeta planos de expansão. “No mínimo, é preciso concluir Angra 3”, disse Cunha. As obras da usina foram retomadas este mês, com previsão de início de operação comercial em 2028.
No passado, houve planos ou manifestações favoráveis do governo para a expansão da oferta nuclear. O ex-ministro de Minas e Energia Edison Lobão chegou a anunciar a intenção de desenvolver plano para construir 50 usinas nucleares em 50 anos, meta tida na ocasião como impossível. Em 2015, o ex-ministro Eduardo Braga estimou a construção de um conjunto entre quatro e oito usinas nucleares até 2030, chegando a 15 unidades até 2050.
O ex-ministro Bento Albuquerque sinalizou em sua gestão, por meio do Plano Nacional de Energia (PNE) 2050, a inserção de uma capacidade instalada entre 8 gigawatts (GW) e 10 GW em novas nucleares até 2050. O PNE 2050, anunciado no ano passado, reconhece a necessidade de aprimorar o marco regulatório da energia nuclear, de flexibilizar o monopólio da União e aprimorar a cultura de segurança nuclear, entre outros pontos, para viabilizar essa nova capacidade instalada.
Fonte: Valor