O novo presidente da Coreia do Sul, Yoon Suk-yeol, não perdeu tempo em comprometer seu governo a ressuscitar o setor de energia nuclear do país. Isso marca uma dramática reversão da política de seu antecessor, cuja abordagem contraditória era condenada por ambos os lados do debate sobre energia atômica.
Yoon esteve recentemente na Europa para as cúpulas do G7 e da Otan, onde realizou reuniões para promover a tecnologia de energia nuclear sul-coreana. A questão foi discutida com os líderes da Polônia e da República Tcheca – ambos no processo de selecionar empreiteiros para suas novas usinas nucleares – enquanto Reino Unido, Romênia e Holanda também são vistos como potenciais clientes.
“Faremos tudo para ganhar encomendas de usinas nucleares”, disse a repórteres em Madri Choi Sang-mok, secretário-chefe da presidência para assuntos econômicos, nesta semana.
Posição contraditória
“Nos últimos cinco anos, vimos uma situação contraditória em que, em casa, tentávamos ficar livres de energia atômica, mas no exterior incentivamos exportações de usinas nucleares”, disse Choi à agência de notícias Yonhap News, referindo-se à política do governo anterior, de Moon Jae-in, que renunciou em maio.
“A indústria nuclear estava praticamente à beira do colapso, mas agora planejamos retomar as exportações de energia nuclear”, acrescentou Choi.
Moon foi eleito em 2017 com uma plataforma de desmantelamento dos reatores nucleares do país, devido a preocupações crescentes de segurança. Uma vez no poder, no entanto, sua firme oposição à energia atômica enfraqueceu, e ele até se pronunciou fortemente a favor da venda de know-how nuclear coreano para o exterior – uma posição que lhe valeu o rótulo de hipócrita.
No entanto, a relação da Coreia do Sul com a energia nuclear é complicada, diz Daul Jang, analista para o setor, na sucursal do Greenpeace em Seul.
“A Coreia do Sul obteve seu primeiro reator nuclear em 1978, sob a ditadura militar de Park Chung-hee, mas houve oposição desde o início entre os moradores próximos à usina, temendo um acidente. Além disso, desde então há a longa questão de como descartar resíduos nucleares de alto nível”, disse ele à DW.
A Coreia do Sul montou seu setor doméstico de energia nuclear com tecnologia dos EUA, garantindo confiança em sua segurança e confiabilidade. E embora o acidente de 1986 na usina nuclear de Chernobyl tenha sido amplamente descartado e definido como impossível na Coreia do Sul, as atitudes mudaram drasticamente depois que um terremoto e um tsunami destruíram três reatores na usina nuclear de Fukushima, Japão, em 2011, disse Daul.
“A atitude na Coreia era que um acidente como Chernobyl nunca poderia acontecer aqui porque acreditávamos que nossa tecnologia era simplesmente melhor, mas então Fukushima aconteceu e isso mudou.”
Seguiu-se uma série de grandes escândalos em empresas do setor nuclear, incluindo o uso de equipamentos abaixo do padrão em usinas, corrupção e acobertamentos. A oposição tornou-se tão feroz que duas comunidades que deveriam abrigar novas usinas realizaram referendos rejeitando esmagadoramente os planos do governo.
Impacto do terremoto
Os temores atingiram novos patamares em 2016, quando um terremoto de magnitude 5,8 − o mais forte já registrado na região − abalou o sudeste da península coreana, onde está agrupada a maioria das usinas nucleares do país.
Sentindo a pressão pública, Moon incorporou em sua campanha eleitoral de 2017 um plano para acabar com o setor de energia nuclear na Coreia do Sul, conseguindo a vitória nas urnas.
Moon cancelou seis reatores que estavam em fase de planejamento. No entanto, consciente da indústria sedenta de energia da Coreia do Sul e da falta de recursos naturais abundantes, permitiu a continuação das obras já inciadas em outras cinco. E embora a vida útil operacional de outros reatores não fosse mais estendida, os novos reatores deveriam continuar operando até 2085, ressalta Daul.
Seus rivais políticos, incluindo Yoon, se aproveitaram dessa duplicidade, combinada com os esforços contínuos de Moon para exportar a tecnologia nuclear coreana. “A oposição, a indústria nuclear e até grupos ambientalistas disseram que não fazia sentido Moon se dizer comprometido em eliminar gradualmente a energia nuclear em casa, ao mesmo tempo que a promovia como importante produto de exportação”, explica Park Saing-in, economista da Universidade Nacional de Seul.
Precisamos da energia nuclear?
“Esses grupos raramente concordam, mas nisso eles eram consensuais: ele estava sendo hipócrita.” E, segundo Parke, teria havido mais apoio popular para a energia nuclear do que os grupos ambientalistas acreditam.
“A confusa política sobre energia nuclear causou muito ressentimento em muitas comunidades. Quando o trabalho nas usinas foi interrompido, diversas pequenas empresas locais que dependiam desses projetos faliram e muitos perderam seus empregos.”
“Esses cidadãos provavelmente votaram em Yoon na última eleição e estão felizes por ele voltar a colocar tanta ênfase na energia nuclear”, avalia Park.
Preocupações de segurança
Park Saing-in também minimiza os temores de segurança em comunidades próximas às usinas e os perigos potenciais representados pela atividade sísmica, insistindo que os terremotos na Península Coreana são invariavelmente menores e menos destrutivos do que no Japão.
“Em comparação com as preocupações de segurança no Japão, Estados Unidos e Europa, acho que o povo coreano é mais relaxado e até mesmo a favor da energia nuclear.”
E com o mundo buscando soluções de longo prazo para combustíveis fósseis, e a energia atômica ganhando aceitação como uma energia “verde”, o economista de Seul acredita que o setor nuclear da Coreia do Sul esteja em uma boa posição, tanto internamente quanto no exterior.
“Muitos países estão procurando as habilidades e o know-how necessários para produzir energia nuclear com segurança, e governo e indústria doméstica estão confiantes de que podem oferecer isso. Esta é uma boa oportunidade para exportar uma competência coreana para outras partes do mundo.”
Fonte: DW