Reino Unido e Rolls-Royce apostam em reatores que tornarão geração de eletricidade mais barata

O Reino Unido é entusiasta da energia nuclear – pelo menos na teoria. Em 2010, o governo britânico autorizou a construção de oito novos reatores atômicos, na Inglaterra e em Gales, como parte de seu esforço para descarbonizar a geração de eletricidade. As coisas se provaram mais difíceis na prática. Uma década depois, somente um dos reatores – em Hinkley Point, na costa de Somerset – está em construção, que está atrasada e com orçamento estourado.

A Rolls-Royce tem um projeto de uma nova geração de reatores nucleares até 16 vezes menores, que serão mais baratos. (Foto: Divulgação)

A construção só começou porque, em 2013, os ministros se comprometeram em fazer os cidadãos pagarem para a EDF, a empresa francesa que constrói a usina, um preço fixo pela eletricidade bem acima do valor de mercado nos primeiros 35 anos de sua atividade.

A Rolls-Royce, uma grande empresa de engenharia, acha que pode fazer melhor do que isso. Em 8 de novembro, a corporação afirmou que tinha levantado £ 195 milhões (R$ 1,4 bilhão) com investidores privados, incluindo a Exelon Energy, empresa americana, e a BNF Resources UK, que é amparada pela família Perrodo, uma dinastia petroleira da França. O dinheiro será usado no desenvolvimento e projeto de uma nova geração de reatores nucleares até 16 vezes menores, que, segundo a Rolls-Royce, serão mais baratos e mais rápidos de construir do que os já existentes e, espera a empresa, evoluirão para uma nova linha de negócios. Isso beneficiará particularmente a empresa, porque seu negócio aeroespacial sofreu muito com a pandemia de covid-19, levando-a a cortar 9 mil empregos.

O investimento privado foi suficiente para persuadir o governo a investir outros £ 210 milhões (R$ 1,53 bilhão). Os ministros esperam que a nova geração de usinas nucleares ajude o Reino Unido a atender suas metas de corte de emissões de carbono, provendo uma fonte estável de energia baixa em emissões de carbono para se combinar com a intermitente eletricidade gerada em parque eólicos e painéis solares. A Rolls-Royce calcula que as primeiras usinas entrarão em funcionamento no início da década de 2030.

Esses “reatores modulares pequenos” (RMPs) não são ideia nova. Países como China, Rússia, Estados Unidos, Canadá e França perseguem esse conceito. Como o nome sugere, eles são projetados para serem menores do que a maioria dos reatores nucleares modernos. Quando estiverem prontos, os dois reatores em Hinkley Point gerarão 3,2 gigawatts de eletricidade. No verão, isso será suficiente para cobrir cerca de um décimo da demanda britânica por eletricidade. Os reatores da Rolls-Royce, que são grandes para os padrões dos RMPs, gerarão 0,47 gigawatt cada.

Menor significa mais barato. A estimativa de custo da usina de Hinkley Point é de £ 23 bilhões (R$ 168 bilhões). Um valor tão elevado garante que somente as maiores e mais bem capitalizadas empresas sejam capazes de construir usinas nucleares. Mesmo assim, governos devem com frequência suavizar o contrato.

Em 2017, o Escritório Nacional de Auditoria, uma agência de vigilância sobre gastos, afirmou que o preço estipulado para o contrato da EDF deveria criar um subsídio de £ 30 bilhões (R$ 219 bilhões) ao longo de 35 anos. Em contraste, a Rolls-Royce calcula que seus primeiros RMPs deverão custar em torno de £ 2,2 bilhões (R$ 16 bilhões) cada. Isso os tornaria acessíveis para empresas menores.

O termo “modular”, por sua vez, refere-se à maneira que os reatores são construídos. Em vez de fazer o reator no local em que funcionará, afirma Andrew Storer, que coordena o Centro de Manufatura Nuclear Avançada, das universidades de Sheffield e de Manchester, a ideia é construir o máximo possível em diferentes fábricas e, posteriormente, enviar as partes para a montagem final.

Vantagens
A Rolls-Royce acha que isso acelera a construção. A empresa calcula que o tempo de construção de um RMP deve ser cortado para três ou quatro anos, reduzindo o período entre o desembolso do capital investido e o início do retorno do investimento. A empresa também espera que uma combinação entre a manufatura em fábrica e um ciclo de produção expandido permita que seus engenheiros tirem vantagem de economias em escala e aprendam como otimizar a produção, da mesma maneira que fabricantes de mercadorias padronizadas, de aeronaves a geladeiras, fazem. A empresa calcula que o custo dos RMPs modernos poderia cair para cerca de £ 1,8 bilhão (R$ 13 bilhões).

Tudo parece perfeito no papel. A Rolls-Royce afirma que há interesse de países como Polônia, República Checa e Turquia. Privadamente, porém, mesmo aqueles associados com o projeto reconhecem que a história recomenda cautela. A indústria nuclear prometeu reatores baratos muitas vezes antes e até agora falhou em fabricá-los. Os preços da energia eólica e solar, enquanto isso, continuam a cair.

Energia eólica
Mas os ministros podem sentir que têm pouco a fazer além de esperar que, desta vez, a coisa realmente seja diferente. As usinas nucleares do Reino Unido produziram 16,5% da energia do país no ano passado. Entretanto, são em sua maioria decrépitas: todas, exceto uma, deverão ser fechadas até 2030.

O Reino Unido instalou inúmeras fileiras de turbinas eólicas, mas o clima extraordinariamente ameno deste ano cortou sua produção e forçou o país a depender mais pesadamente de poluidoras termoelétricas alimentadas por carvão e gás natural, mesmo com os preços do gás nas alturas. As contas de luz estão aumentando e emissões de carbono em geração de eletricidade, que vinham caindo havia anos, voltaram a subir.

A energia nuclear, apesar dos inconvenientes, emite pouco carbono e é mais confiável do que a geração eólica. Seu preço é pouco afetado por flutuações no valor do urânio. Os ministros, a Rolls-Royce e os consumidores devem esperar que uma nova abordagem para a ideia decole.

Fonte: Estadão