Depois de enfrentar cortes no orçamento, o laboratório público que fabrica remédios contra o câncer finalmente recebeu uma verba extra para retomar a produção. Mas agora enfrenta outro problema, que tem deixado pacientes bastante apreensivos.
Um quarto reservado para o tratamento do câncer de tireoide em um hospital de São Paulo tem ficado vazio nos últimos meses, mas não por falta de pacientes. É que o iodo-131 praticamente desapareceu das prateleiras dos hospitais. Esse é um dos medicamentos mais usados no combate ao câncer e também em exames de imagem, como cintilografia.
O empresário Paulo José Pinheiro operou um câncer de tireoide e desde setembro espera pela sessão de iodoterapia. Na semana passada, o procedimento foi cancelado pela segunda vez.
“Frustrado. Psicologicamente não é uma boa, porque a gente quer tirar logo isso da frente, uma situação de câncer que a gente sabe que pode ser expandido. Então, a gente fica muito chateado, triste, e uma expectativa grande girou em torno disso e agora eu voltei à estaca zero”, afirma.
O iodo-131 faz parte de uma categoria de medicamentos que emitem radiação. São os chamados radiofármacos. 85% de tudo o que o Brasil usa dessas substâncias saem do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares. Em setembro, por causa de cortes no orçamento, o Ipen teve que suspender a compra de insumos, o que prejudicou toda a cadeia de produção e distribuição de radiofármacos.
Neste ano, o orçamento do Ipen, vinculado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, caiu de R$ 95 milhões para quase metade disso. O governo acabou liberando uma verba extra de R$ 19 milhões, depois que exames e tratamentos foram adiados em todo o país. E, em outubro, liberou um novo crédito suplementar de R$ 63 milhões.
Ainda assim, os problemas continuam. O Ipen recebeu só 15% dos pedidos de insumos feitos a fornecedores internacionais.
“O argumento do Ipen é que, lá fora, os fornecedores estão com dificuldades, mas, na verdade eles estão com dificuldades porque o Ipen, por falta de dinheiro, interrompeu as importações e, agora, é óbvio que, para retomar as importações, demora algum tempo”, disse Antonio Britto, diretor-executivo da Associação Nacional dos Hospitais Privados.
O presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear, Dalton Alexandre dos Anjos, diz que essa situação tem colocado os médicos diante de um dilema ético: “É uma situação muito angustiante ter que escolher qual paciente vai ser ou não tratado. Nós temos buscado escolher aqueles pacientes que são mais graves ou aqueles pacientes que estão esperando há mais tempo, mas isso nunca é justo com todos os pacientes. Nosso desejo era poder tratar esses pacientes imediatamente. Todos eles sem exceção”.
“Não sou só eu, mas milhares de pessoas estão sendo impactadas por isso. Mais um motivo para eu ficar bastante preocupado”, diz o paciente Paulo José, que aguarda para iniciar seu tratamento.
O JN procurou o Ministério da Ciência e Tecnologia, mas não teve retorno.
Fonte: Jornal Nacional