A CONTRIBUIÇÃO DA TECNOLOGIA NUCLEAR PARA A DESCARBONIZAÇÃO NO BRASIL

Autores: Luiza Guitarrari, Marcio Lago Couto e Thayná Fernandes,1

O compromisso em combater as mudanças climáticas, previsto no Acordo de Paris, emerge como um desafio global, cuja urgência em adotar práticas ambientalmente responsáveis impulsiona soluções de baixo carbono. Nesse contexto, as novas soluções devem estar pautadas em fontes energéticas que sejam sustentáveis e capazes de acelerar a mitigação de emissões de gases de efeito estufa (GEE), como a exemplo da energia nuclear. Segundo dados da Agência Internacional de Energia (IEA), a energia nuclear é uma fonte energética crucial para acelerar as metas globais de descarbonização até 2050, sendo uma importante contribuição para regiões que não possuem abundância na disponibilidade de renováveis. Considerando seu papel para acelerar a transição energética global, em 2023, durante a COP 28, a energia nuclear foi incluída pela primeira vez na declaração final enquanto solução para mitigar os efeitos das alterações climáticas por meio de “reduções profundas, rápidas e sustentadas nas emissões de GEE”. Assim, 22 países assinaram uma declaração conjunta para triplicar a produção de energia nuclear até 2050, o que deverá envolver a mitigação de riscos nos investimentos voltados para o segmento nuclear.

A energia nuclear é responsável por 10% da geração da energia elétrica no mundo, sendo a quarta maior fonte geradora de eletricidade em 2022 (IEA,2023)2. Nos países desenvolvidos essa participação atinge quase 20%, tendo um papel relevante para acelerar as metas de descarbonização no setor elétrico, podendo evitar, anualmente, 1,5 GToneladas das emissões de carbono.

No curto prazo a IEA projeta um novo recorde na oferta de energia elétrica a partir da energia nuclear entre 2025 e 2026, devido a retomada da produção por países europeus e a previsão de início das operações de novas plantas, sobretudo na Ásia (FGV ENERGIA, 2024)3. Nesse continente, China e Índia, contribuirão para acelerar a geração de energia nuclear que pode ser quase cinco vezes maior do que a oferta europeia até o final de 2026.

Os incentivos ao investimento na energia nuclear, como fonte de transição, decorrem principalmente da baixa intensidade de carbono, conforme aponta pesquisa da World Nuclear Association (2024)4, cuja estimativa de emissões de carbono é de 12g CO2/kWh, volume equivalente às fontes renováveis, como a energia eólica e solar. Válido salientar que na cadeia produtiva da energia nuclear, somente as usinas nucleares são responsáveis pela produção anual de quase ¼ da energia de baixo carbono no mundo.

Dessa forma, a energia nuclear embora comparável às matrizes eólica e solar, em termos de recursos necessários e investimentos, esta última, demanda 17 vezes mais material e 46 vezes mais terra para produzir uma unidade de energia, do que a nuclear (IEA, 2024)5. Além disso, a fonte nuclear possui uma geração contínua, que chegam a operar com 90% de sua capacidade total, superando os parques eólicos, que detém cerca de 40% de eficiência e as fazendas solares, com 25% (Sousa et. al, 2016; GEORGE, 20236).

Em face do seu papel relevante no mercado, as novas dinâmicas geopolíticas e da transição energética abrem oportunidades para países com reservas de urânio, como o Brasil, expandirem a produção da matéria-prima voltadas para a exportação, aproveitando o anúncio de países como
Canadá, EUA, França, Japão e Reino Unido. Conjuntamente, os países pretendem investir US$ 4,2 bilhões no desenvolvimento da cadeia de suprimentos da energia nuclear nos próximos três anos, que visa aumentar a capacidade de enriquecimento e conversão de urânio, independente de suprimentos advindos da Rússia (que detém aprox. 50% do mercado)7. Nesse panorama, observa-se a relevância
do Brasil nesse mercado, haja vista que em 2022, o país acumulou 277 mil toneladas em reservas de urânio, o que corresponde a 5% do volume global, contribuindo para posicioná-lo na 8ª posição e superar países como China e Estados Unidos, conforme Gráfico 38
.

Diante de um cenário de redução das importações de urânio russo e redirecionamento de fluxos do mercado nuclear, o Brasil tem retomado as discussões sobre as licenças ambientais para exploração de minas de urânio, visto que são precisos 5 a 10 anos para o início da operação de uma mina de urânio, como a Santa Quitéria (CE). Esses prazos englobam, em um projeto de greenfield, as fases de licença e construção da usina de beneficiamento de U3O8, até o início da extração. Embora a produção nacional atual possa suprir a demanda nacional de Angra I e II, não deve ser suficiente quando Angra III entrar em operação, além do fato de que algumas etapas de enriquecimento são feitas no exterior, para então o urânio retornar ao país na forma do elemento UF6 enriquecido.

Uma vez superadas as barreiras regulatórias e legais para a produção de urânio e, os recursos necessários para a retomada das obras de Angra 3, o efeito dos investimentos no setor surgem como uma alavanca para o crescimento da economia devido aos seus impactos sobre a renda e o emprego. Utilizando uma metodologia reconhecida internacionalmente, foram estimados os impactos dos investimentos diretos e seus efeitos multiplicados na cadeia de fornecedores (efeito indireto) e no consumo proveniente do acréscimo de renda nessas etapas (efeito induzido).

Por meio da matriz de insumo-produto (matriz de Leontief) foram calculados dos impactos dos investimentos na economia nacional (Brasil) e na economia do Estado do Rio de Janeiro, que concentra duas usinas em atividade (Angra I e II) e uma em fase de construção (Angra III), que pode
adicionar 3.395 MW em potência, capacidade suficiente para gerar energia para cidades com mais de três milhões de habitantes (GUILHOTO (2004)).

No Brasil, cada R$ 1 bilhão investidos na geração de energia nuclear gera um impacto estimado em R$ 3,1 bilhões na produção e R$ 2,0 bilhões no PIB (Valor Adicionado), além da gerar 22,5 mil empregos ao longo do tempo de construção e operação dos ativos investidos. Face a localização dos investimentos, no Estado do Rio de Janeiro, do total dos impactos estimados sobre a economia do estado são de R$ 2,12 bilhões sobre o valor bruto da produção, podendo agregar R$ 1,6 bilhão PIB (Valor Adicionado) e gerar 17 mil empregos. A Erro! Fonte de referência não encontrada. detalha os resultados obtidos.

No setor nuclear, o desenvolvimento tecnológico voltado para a aplicação dos Pequenos Reatores Modulares (SMRs, em inglês) pretende ser uma solução a curto prazo para gargalos existentes na construção de grandes usinas. Embora, os SMRs representem até um décimo do tamanho de um reator convencional e detenha uma capacidade de geração de energia menor (até 300 MWe) do que os reatores convencionais (<1.000 MWe)9, são projetados para serem modulares e transportáveis, o que viabiliza seu processo de construção e economicidade. Considerada sua característica física, os SMRs podem ser utilizados em áreas rurais com pouca infraestrutura elétrica, além de substituir geradores à diesel em regiões afetadas por desastres naturais contribuindo para a geração de energia em emergências.

Além do papel da energia nuclear na transição, as externalidades positivas da tecnologia nuclear são propagadas para outros segmentos da economia. No Brasil os setores responsáveis pelas maiores emissões de gases causadores do efeito estufa são a agricultura (46%), os transportes (16%) e resíduos (13%). De acordo com a Embrapa, algumas ações no setor de agricultura prejudicam os avanços na caminhada da descarbonização, como desmatamento, superpastejo, tratamento de dejetos, utilização de defensivos agrícolas e outros. Assim, segundo a Comissão Nacional de Energia Nuclear, é possível utilizar radioisótopos para potencializar o cultivo de plantas, eliminar pragas, estudar o comportamento de insetos, aumentar o período de conservação de alimentos sem gerar resíduos e garantir segurança hídrica com a dessalinização da água, auxiliando na agricultura de baixa emissão de carbono (CNEN, 2008; Silva et. al., 2022).

Outra aplicação de destaque da tecnologia nuclear é a sua utilização na medicina, notadamente em equipamentos e materiais nucleares para diagnósticos e tratamento de doenças, bem como na esterilização de equipamentos. Segundo a Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear, são realizados cerca de 60 procedimentos na área, envolvendo medicina em vitro e PET-CT. No todo, se estima que a medicina nuclear conte com 467 instalações, em que 457 geram imagens, entre as quais, 158 têm PET-CT1, em que dez se dedicam a terapias e uma é para uso veterinário, incluindo prevenção, diagnóstico e tratamento”10

Finalmente, as tecnologias nucleares também prometem contribuições significativas na indústria, no saneamento, na exploração de petróleo e na mineração, além de diversos outros usos.

Conclusão

Diante de um cenário de crescente incentivos à descarbonização, o desafio das economias desenvolvidas e emergentes é buscar rotas e soluções que atendam o trilema posto pela transição econômica, a partir de tecnologias que garantam a segurança energética, acessibilidade e sustentabilidade. Nesse sentido, a contribuição da tecnologia nuclear é singularmente valiosa paraesse processo, uma vez que é intensiva na produção de energia, sem competir com outros usos para a terra, garante um fornecimento contínuo de energia e tem um grau elevado de proteção, garantindo uma sustentabilidade difícil de ser alcançada nessa escala por fontes alternativas.

Por fim, o Brasil, que segue em busca de uma ação efetiva para a transição, deveria estimular o uso de alternativas tecnológicas, que se enquadrem no cenário de sustentabilidade, dentro de uma trajetória que permita ao país alcançar de maneira mais célere e com maior segurança a liderança desse processo, face as suas vantagens comparativas naturais.

  1. Luiza Guitarrari é pesquisadora de Óleo, Gás & Biocombustíveis no Centro de Estudos de Energia da Fundação Getulio Vargas (FGV
    ENERGIA). Marcio Lago Couto é Superintendente de Pesquisa da FGV Energia. Thayná Fernandes é doutoranda no Programa de PósGraduação em Estudos Marítimos da Escola de Guerra Naval (EGN). ↩︎
  2. IEA, 2023. Nuclear Power. International Energy Agency (IEA).2023. Disponível em: https://www.iea.org/energy-system/electricity/nuclear-power. ↩︎
  3. FGV ENERGIA, 2024. Informe de Óleo, Gás & Biocombustíveis. Março, 2024. Disponível em: https://fgvenergia.fgv.br/sites/fgvenergia.fgv.br/files/informe_og_-_mar_v2.pdf. ↩︎
  4. World Nuclear Association. How can nuclear combat climate change? World Nuclear Association. Disponível em: https://worldnuclear.org/nuclear-essentials/how-can-nuclear-combat-climate-change. ↩︎
  5. IEA, 2024. Tracking Nuclear Electricity. International Energy Agency. Disponível em: https://www.iea.org/energysystem/electricity/nuclear-power. ↩︎
  6. GEORGE, Giles. A energia nuclear é fundamental para resolver as mudanças climáticas? CAS: American Chemical Society. Publicado em: 09, fevereiro de 2023. Disponível em: https://www.cas.org/pt-br/resources/cas-insights/sustainability/nuclear-energy-critical-solvingclimate-change. ↩︎
  7. NUCNET. Link: https://www.nucnet.org/news/sapporo-5-leaders-announce-usd4-2-billion-investment-in-uranium-market-free-fromrussian-influence-12-4-2023. Acesso em 11/12/2023. ↩︎
  8. World Nuclear Association, 2024. Nuclear Full Cycle: Supply of Uranium. World Nuclear Association. 16 Maio, 2024. Disponível em: https://world-nuclear.org/information-library/nuclear-fuel-cycle/uranium-resources/supply-of-uranium ↩︎
  9. RODRIGUES, Niágara. RAEDER, Francisco. Pequenos reatores modulares (SMRs): desafios em segurança, gestão de resíduos e aceitação pública. Ensaio Energético. 17 abril, 2023. Disponível em: https://ensaioenergetico.com.br/pequenos-reatores-modularessmrs-desafios-em-seguranca-gestao-de-residuos-e-aceitacao-publica/. ↩︎
  10. https://www.ipen.br/portal_por/conteudo/institucional/noticias/Documento_Medicina.Nuclear_Tempo_e_saude_Eckert.pdf_(2).pdf ↩︎