POSSIBILIDADES LEGAIS DE PARTICIPAÇÃO DA INICIATIVA PRIVADA NA PESQUISA E LAVRA DE URÂNIO NO BRASIL

O presente artigo pretende refletir, à luz da Constituição e da legislação infra-constitucional associada, quais são as possibilidades legais de participação da iniciativa privada na mineração e beneficiamento de urânio, quais as modalidades previstas pela Lei 14.514 e quais pontos dessa lei devem ser regulamentados.

INTRODUÇÃO

O artigo 21 alínea XXIII da Constituição federal do Brasil determina que é competência da União “exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados”.

O artigo 177 estabelece que “constituem monopólio da União a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal”.

A Lei 14.514/22 permitiu a atuação da iniciativa privada na pesquisa e lavra de minérios nucleares. Apesar da permissão, o texto mantém o monopólio da atividade nas Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB), conforme prevê a Constituição, como não poderia deixar de ser.

A regulamentação da participação da iniciativa privada na mineração e beneficiamento de minérios nucleares no Brasil, especialmente de urânio, é um assunto complexo que envolve disposições constitucionais e legislativas específicas. Para entender as possibilidades legais de participação privada neste setor, é crucial analisar tanto as disposições da Constituição Federal quanto as especificações da Lei 14.514/2022.

POSSIBILIDADES LEGAIS SOB A CONSTITUIÇÃO FEDERAL LEI 14.514/2022

A Constituição Federal estabelece o monopólio da União sobre várias atividades relacionadas a minérios nucleares, incluindo pesquisa, lavra, enriquecimento, reprocessamento, industrialização e comércio. Este monopólio é exercido através de delegação legal pela Indústrias Nucleares do Brasil S.A. (INB), uma empresa pública. No entanto, a Constituição permite exceções para a produção, comercialização e uso de radioisótopos, que podem ser autorizados a privados sob regime de permissão.

A Lei 14.514/2022 introduziu mudanças significativas permitindo a atuação da iniciativa privada na pesquisa e lavra de minérios nucleares. Essa legislação representa uma flexibilização parcial do monopólio estatal, abrindo espaço para parcerias ou concessões no setor. Contudo, é importante notar que, apesar dessa abertura, o monopólio sobre o enriquecimento, reprocessamento, industrialização e comércio ainda permanece exclusivo à INB, conforme mandato constitucional.

A Lei 14.514/2022 representa uma abertura na política de monopólio estatal sobre os minérios nucleares, permitindo certa participação da iniciativa privada na mineração e no beneficiamento de urânio na boca da mina. Note-se que em sendo o minério de urânio de muito baixo teor, ele deve ser beneficiado, isto é, transformado em concentrado de óxidos, na própria mina antes de ser transportado para a etapa subsequente da cadeia de produção do combustível nuclear que é a conversão desse concentrado em hexafluoreto de urânio natural, insumo para a etapa seguinte de enriquecimento.

A iniciativa privada pode participar da fase de pesquisa de urânio e outros minérios nucleares. Isso inclui a realização de estudos geológicos e a identificação de depósitos mineráveis. As empresas privadas devem obter autorizações específicas do governo para realizar essas pesquisas.

A lei também permite que empresas privadas participem da lavra, ou seja, da extração de urânio do solo. Essa é uma etapa crítica que anteriormente era restrita apenas a entidades estatais através da Indústrias Nucleares do Brasil (INB). Com a nova legislação, entidades privadas podem receber concessões ou autorizações para explorar depósitos de urânio, sob estritas regulamentações e controle governamental. As modalidades específicas de participação privada, conforme artigo 4 da Lei, incluem:

Art. 4º Para a execução das atividades a que se refere o art. 3º desta Lei, a INB poderá firmar contratos com pessoas jurídicas e remunerá-las por meio de:
I – pagamento de valor em moeda corrente por aquisições de bens e serviços;
II – direito a percentual do valor arrecadado na comercialização do produto da lavra, conforme definido em contrato;
III – direito de comercialização do minério associado;
IV – direito de compra do produto da lavra com exportação previamente autorizada, conforme definido em contrato e regulamento; ou
V – outras formas estabelecidas entre as partes em contrato.

Embora o texto da lei não detalhe explicitamente, geralmente esse tipo de legislação abre espaço para parcerias estratégicas entre empresas estatais e privadas. Essas parcerias podem ser utilizadas para explorar sinergias entre a expertise técnica e capital privado com a gestão e infraestrutura estatais.

Ainda que a lei permita a participação privada nas etapas de pesquisa e lavra, o enriquecimento, reprocessamento, industrialização e comércio de minérios nucleares continuam sob o monopólio da INB, conforme a Constituição Federal. Isso significa que mesmo que uma empresa privada possa extrair urânio, a transformação desse urânio em combustível nuclear ou outros produtos ainda é exclusividade da empresa estatal.

REGULAMENTAÇÃO NECESSÁRIA

Para que a participação privada seja efetivamente implementada, ainda são necessárias regulamentações detalhadas que definam os processos de licitação, os critérios de seleção das empresas privadas, as condições de operação, as obrigações de segurança e ambientais, e os termos de compartilhamento de produção ou royalties. Essa regulamentação é fundamental para garantir que a atividade nuclear permaneça segura e controlada, alinhada aos padrões internacionais de segurança nuclear e proteção ambiental. Os seguintes aspectos da Lei 14.514/2022 demandam regulamentação:

Critérios para Concessão de Licenças: A lei deve especificar os critérios e processos pelos quais as licenças para pesquisa e lavra serão concedidas a entidades privadas, incluindo os padrões de segurança, ambientais e de viabilidade econômica.

Fiscalização e Controle: Deve-se regulamentar o mecanismo de fiscalização das atividades de pesquisa e lavra realizadas por entidades privadas, garantindo que estas estejam em conformidade com as normas de segurança nuclear e proteção ambiental.

Direitos e Obrigações dos Concessionários: É necessário estabelecer claramente os direitos e obrigações dos concessionários privados, incluindo as responsabilidades em caso de acidentes ou descumprimento das normas aplicáveis.

Partilha de Produção ou Royalties: A lei poderia detalhar como a produção ou os lucros provenientes das atividades de mineração nuclear serão compartilhados com o Estado, assegurando um retorno justo para a sociedade brasileira.

CONCLUSÃO

A iniciativa privada pode, portanto, participar da pesquisa e lavra de minérios nucleares sob a nova legislação, mas com restrições significativas e sob um regime de forte regulamentação e fiscalização estatal. As atividades de enriquecimento, reprocessamento, industrialização e comércio continuam sendo monopólio da INB, mantendo um controle estratégico sobre o ciclo nuclear completo. A regulamentação subsequente da Lei 14.514/2022 será crucial para definir o alcance efetivo dessa participação privada e garantir que ela contribua para o desenvolvimento sustentável e seguro do setor nuclear no Brasil.