ATIVIDADES NUCLEARES: INEXISTÊNCIA DE MONOPÓLIO CONSTITUCIONAL.

Por RAUL LYCURGO LEITE (Procurador Federal, Advogado e Presidente da Eletronuclear).
  1. O cerne da questão que abordarei neste artigo diz respeito à inexistência de MONOPÓLIO, COM ASSENTO CONSTITUCIONAL, para a atividade de geração de energia termelétrica com a utilização de um combustível nuclear (1ª parte do artigo 21, XXIII da CF/1988), sendo que a “exclusividade” nesta atividade (e NÃO “monopólio constitucional”) de geração de energia termelétrica com a utilização de combustível nuclear se dá por ausência de lei ordinária federal que defina um marco regulatório para a atividade e discipline os termos, os limites e as condições da participação do privado neste serviço público de geração de energia termelétrica, não havendo, portanto, UM MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL.
  2. Preliminarmente, é bom fincar que a análise desta querela se dá pelo fato de não haver monopólio da interpretação da Constituição em uma sociedade aberta de intérpretes[1] [2], lembrando, sempre, que a inexistência de um monopólio constitucional para a atividade de geração de energia termelétrica com a utilização de um combustível nuclear (1ª parte do artigo 21, XXIII da CF/1988), não significa – sob hipótese alguma – que a atividade possa ser realizada por qualquer privado sem que a União edite, obrigatoriamente, uma Lei Federal para tanto, lei esta que inexiste até o presente momento.
  3. Antes de apontar o entendimento sobre a matéria, ressalto que abordarei alguns pontos com os quais ouso divergir, trazendo sempre os motivos para tanto e, ainda, deixando claro que, assim procedo, com o objetivo de contribuir (ainda que de maneira singela) para o debate da melhor e da mais correta interpretação do Ordenamento Jurídico Pátrio, mesmo que, ao final, o entendimento deste estudo seja inteiramente afastado[3].

1 Gilmar Ferreira Mendes, na apresentação da sua tradução do livro Hermenêutica Constitucional – A Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Contribuição para a Interpretação Pluralista e ‘Procedimental” da Constituição (Die Offene Gesellschaft Der Verfassungsinterpreten. Ein Beitrag Zur PluralistischenUnd ‘Prozessualen’ Verfassungsinterpretation), de Peter Häberle (Sérgio Antônio Fabris Editor, Porto Alegre, Reimpressão/2002, p. 9), diz “a interpretação constitucional dos juízes, ainda que relevante , não é (nem deve ser) a única. Ao revés, cidadãos e grupos de interesse, órgãos estatais, o sistema público e a opinião pública constituiriam forças produtivas de interpretação, atuando pelo menos, com pré-intérpretes (Vorinterpreten) do complexo normativo constitucional”. Já no corpo do livro (p. 15): “Todo aquele que vive no contexto regulado por uma norma e que vive com este contexto é, indireta ou, até mesmo diretamente um intérprete dessa norma. O destinatário da norma é participante ativo, muito mais ativo do que se pode supor tradicionalmente, do processo hermenêutico. Como não são apenas os intérpretes jurídicos da Constituição que vivem a norma, não detêm eles o monopólio da interpretação da Constituição”. E, continua (p. 34): “limitar a hermenêutica constitucional aos intérpretes ‘corporativos’ ou autorizados jurídica ou funcionalmente pelo Estado significa um empobrecimento ou um autoengodo”.

2 STF – HC nº 83.515-5/RS – Relator Ministro Nélson Jobim – Julgado em 16/09/2004 – Acórdão publicado no DJU de 04/03/2005, p. 11; Ement. Vol. 02182-03, p. 401 – Voto do Ministro Marco Aurélio Mello: “(…) há de se pagar um preço por se viver em um Estado Democrático de Direito e esse preço é o respeito irrestrito à ordem jurídica, principalmente à ordem jurídica constitucional (…). Já disse neste Plenário: se como guarda da Carta da República tiver de proferir, segundo minha consciência, sobretudo a minha formação humanística, voto que implique a queda do teto, o teto cairá, permanecendo fiel à crença inabalável, enquanto estiver com a toga sobre os ombros, no Direito posto, no Direito subordinante”.

3 Padre Antônio Vieira dizia “o verdadeiro saber é de saber reconhecer a verdade ainda que seja filha de outros olhos ou de outro entendimento, e não se cegar com o próprio” (Ivan Lins, in Sermões e Cartas do Padre Antônio Vieira, Coleção Prestígio, Editora Ediouro, páginas 183/184.

  1. Não temos a pretensão de monopólio da verdade jurídica; pelo contrário: sequer cremos nesse conceito4. Apenas queremos convencer da procedência do nosso posicionamento5, sempre em prol do desenvolvimento do País, da geração de trabalho, renda e emprego e da colocação do nosso País na vanguarda do conhecimento e da inovação nas atividades tecnologicamente avançadas.  Mas estamos, obviamente, abertos à(s) crítica(s) e à refutação. Nas palavras do ex-Ministro do STF, Eros Roberto Grau: “O cotidiano nos dá provas de que apenas os que já não pensam são proprietários de certezas”6.
  2. Antônio Roque Carraza7 nos alerta que “os equívocos causados pelo arrojo intelectual são, quase sempre, mais úteis do que os acertos vulgares, justamente porque abrem espaços e propiciam novas e aprofundadas meditações”. Endossando esta ideia, o prestigioso José Souto Maior Borges8 ao afirmar que “é até preferível um erro que decorra de uma tentativa ousada e comprometida com uma construção teórica grandiosa, a uma verdade elementar e até superficial”.
  3. Nem se diga que, ao sustentar a tese constante deste documento, estar-se-ia defendendo direitos de terceiros e, sendo assim, fugindo de uma suposta função legal, pois, antes de se deixar que uma interpretação inconsistente e incoerente se difunda pelos quatro cantos do mundo, temos TODOS a missão de velar pelo interesse público primário9, pelo princípio da legalidade10, pela correta interpretação das normas legais aplicáveis à matéria e, ainda, e principalmente pelo respeito à Constituição da República para à qual devemos todos a mais restrita e incondicional reverência. Afinal, como se verá na nossa conclusão, lei federal futura (de lege ferenda) que venha a possibilitar a participação mais ativa de um privado nas atividades da primeira parte do artigo 21, XXIII, da CF/1988, somente será constitucional se houver a participação efetiva e relevante da União e/ou de seus entes.
  4. Aliás, oportuna aqui é a citação do Filósofo Grego Aristóteles11 que dizia que “embora ambos [Platão e a verdade] nos sejam caros, o dever moral nos impõe preferir a verdade”12. Como dizia Machado de Assis13: “não há desdouro em abraçar a verdade, ainda que outros a contestem; todas as grandes verdades acham grandes incrédulos”.

4 Hans Kelsen lecionava: “se por ‘interpretação’ se entende a fixação por via cognoscitiva do sentido do objeto a interpretar, o resultado de uma interpretação jurídica somente pode ser a fixação da moldura que representa o Direito a interpretar e, conseqüentemente, o conhecimento das várias possibilidades que dentro dessa moldura existem. Sendo assim, a interpretação de uma lei não deve necessariamente conduzir a uma única solução como sendo a única correta, mas possivelmente a várias soluções que – na medida em que apenas sejam aferidas pela lei a aplicar – têm igual valor, se bem que apenas uma delas se torne Direito positivo no ato de órgão aplicador do Direito – no ato do Tribunal, especificamente” (Hans Kelsen, in Teoria Pura do Direito, Tradução de João Baptista Machado, 6ª Edição, São Paulo, Martins Fontes, 1998, p. 390/391. Vide também e principalmente: André Parmo Folloni, Constitucionalidade: Presunção ou Controle?, RDDP 42:07/19.

5 A Advocacia-Geral da União, por intermédio do Parecer nº 73/PGF/DEPCONSU/DAD/2013 (Processo nº 00400.003084/2007-13), entende que “não se pode esperar do operador do direito o esgotamento de todas as teses sobre determinado tema, uma vez que tal elucubração poderia conduzir ao infinito (…)”.

6 Eros Roberto Grau, in O Direito Posto e o Direito Pressuposto, 5ª Edição, Malheiros Editores, São Paulo, p. 133.

7 Antônio Roque Carraza, in Curso de Direito Constitucional Tributário, 19ª Edição, 2ª Tiragem, Malheiros Editores, 2003, p. 23.

8 José Souto Maior Borges, in Obrigação Tributária – Uma Introdução Metodológica, 2ª Edição, São Paulo, Malheiros Editores, p. 16.

9 CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (in Curso de Direito Administrativo, 16a Edição, Atualizada e Revisada, Malheiros Editores, São Paulo, 08/2003, páginas 57/58, 62/63 e 90), citando lição de RENATO ALESSI, classifica o interesse público ou primário como sendo aquele pertinente à sociedade como um todo, e só ele pode ser validamente objetivado, pois este é o interesse que a lei consagra e entrega à compita do Estado como representante do corpo social. E, o interesse secundário seria aquele que atina tão-só ao aparelho estatal enquanto entidade personalizada, e que por isso mesmo pode lhe ser referido e nele encarnar-se pelo simples fato de ser pessoa. No mesmo sentido DIOGENES GASPARINI (in Direito Administrativo, 7a Edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2002, páginas 14 e 15).

10 Dizia o Barão de Rio Branco: “Não venho servir a quem quer que seja. Venho servir ao nosso Brasil, que todos desejamos ver unido, íntegro, forte e respeitado”.

11 Aristóteles, in Ética a Nicômaco, I, 6, 1. Dessa frase derivou o provérbio latino: Amicus Plato, sed magis amica veritas, “Platão é meu amigo, mas a verdade é ainda mais amiga”.

12 Machado de Assis, “comentários da semana”, 10 de novembro de 1861, Crônicas, Ed. Jackson.: “não conheço nada mais delicado que a verdade”

  1. Não se pode permitir que o fascínio por uma determinada interpretação estanque da Constituição, que, por sua vez, é um documento repleto de conceitos abertos14 e evoluíveis, subverta a lógica jurídica a ponto de impedir a interpretação evolutiva. Enfim, continuarmos a olhar “o novo com os olhos do velho”, como já alerta(va) o I. Membro do Ministério Público do Rio Grande do Sul, Dr. Lenio Luiz Streck15.
  2. A atividade científica no campo da doutrina jurídica não se desenvolve dentro dos parâmetros da lógica formal, mas da lógica do razoável16. O mundo jurídico é caracterizado pela convivência diuturna com problemas para cuja solução não existem fórmulas exatas, precisas e invariáveis. O raciocínio do jurista procura desvendar o que “deve ser” (solen) e não o “ser” (sein). Não há regras que de antemão assegurem o juízo pesquisado. A ciência do jurista, por isso, é alimentada pela dialética. O que ele procura é sempre estabelecer teses, ou seja, proposições de solução para o problema analisado. A tese se defende com argumentos e tem de enfrentar contra-argumentos. Entre os argumentos de um lado e outro da análise do problema procede-se ao balanço de convencimento. Chega-se, assim, a uma síntese: os argumentos mais convincentes prevalecem, no todo ou em parte, sobre os menos convincentes. É desse confronto de argumentação que se extrai a tese final, ou seja, a síntese da solução do problema enfrentado.
  3. Não contribui para o progresso do Direito a atitude maniqueísta de radicalizar a postura diante de qualquer problema, como se toda a problemática jurídica somente tivesse a possibilidade de encontrar uma única e absoluta solução. Não é entre a verdade e o falso que o jurista define o que é direito e o que não é direito.
  4. Essa escolha, repita-se, somente pode ser feita através do debate dialético, no qual o decisivo são os argumentos com que se sustenta e se ataca a tese proposta para solução do problema17.
  5. Ronald Dworkin18 leciona que “funcionários públicos devem sempre oferecer uma prestação de contas formal da decisão que tomaram” e na teoria da argumentação é o esforço da persuasão e do convencimento que estruturam e servem de base às construções jurídico-decisórias, como bem nos lembra Margarida Maria Lacombe Camargo19.
  6. O que se impõe ao intérprete, em hermenêutica construtiva, é a busca de adequada conciliação20, pelo critério da razoabilidade, entre os princípios legais em aparente contradição21.

13 Machado de Assis, “A Semana”, 23 de setembro de 1894, Crônica.

14 Com apoio nas lições de Crisafulli, sustenta-se o critério da completude de conteúdo, ou seja, que cada norma constitucional é, em certa medida, incompleta, já que, quando se sua aplicação aos casos concretos, reclama – em virtude de seu grau de abstração e generalidade – uma atividade exegética, o que ocorre mesmo com as normas diretamente aplicáveis, que igualmente podem conter conceitos vagos e imprecisos, de tal sorte que é possível falar em normas mais ou menos completas, isto é, em graus de completude normativa (Ingo Wolfgang Sarlet in A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 5a Edição,Editora Livraria do Advogado, Porto Alegre, 2005, pág. 242).

15 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdição constitucional e hermenêutica: uma nova crítica do direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 112.

16 Sobre a “lógica do razoável”, vide excelente obra do Jusfilósofo  Luis Recaséns Siches, Nueva Filosofia de la Interpretación del Derecho.  3 ed.  México: Editorial Porrua, 1980.

17 Humberto Theodoro Júnior, in Sentença Inconstitucional: Nulidade, Inexistência, Rescindibilidade, RDDP nº 63/36-58, Editora Dialética.

18 Ronald Dworkin, in Revista de Direito do Estado – RDE, nº 7, julho/setembro de 2007, Editora Renovar, p. 19.

19 Margarida Maria Lacombe Camargo, in Hermenêutica e Argumentação: Uma Contribuição ao Estudo do Direito, 3ª Edição, 2003, p. 137.

20 A existência de colisões de normas constitucionais leva à necessidade de ponderação. A subsunção, por óbvio, não é capaz de resolver o problema, por não ser possível enquadrar o mesmo fato em normas antagônicas. Tampouco podem ser úteis os critérios tradicionais de solução de conflitos normativos – hierárquico, cronológico e da especialização – quando a colisão se dá entre disposições da Constituição originária. Neste cenário, a ponderação de normas, bens ou valores é técnica a ser utilizada pelo intérprete, por via da qual ele fará concessões recíprocas, procurando preservar o máximo possível de cada um dos interesses em disputa ou, no limite, procederá à escolha do direito que irá prevalecer, em concreto, por realizar mais adequadamente a vontade constitucional. Conceito-chave na matéria é o princípio instrumental da razoabilidade (Luís Roberto Barroso, RDA, 240:11).

21 Caio Tácito (RDA, 242:309) diz que, na interpretação jurídica, é dever elementar do intérprete, a indispensável conciliação dos textos.

DO BREVE SOBREVÔO SOBRE AS ATIVIDADES NUCLEARES NO BRASIL

  1. Importante citar que, em 1956, foi criada a Comissão Nacional de Energia Nuclear – CNEN, pelo Decreto. n. 40110/1956, com a finalidade de licenciar, controlar e fiscalizar a atividade nuclear no Brasil, realizando tais atividades até o momento, considerando que, não obstante, ter sobrevindo a Lei n. 14.222/2021 que autorizou a criação da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), essa ainda não está efetivamente em atuação, cujo objeto  regulatório abarcará o monitoramento, regulação e a fiscalização das atividades e instalações nucleares.
  2. Cite-se que, em 1971, a Lei n. 5.740 criou a Companhia Brasileira de Tecnologia Nuclear – CBTN. Entretanto, no intuito, de melhor organizar as atividades nucleares no Brasil, foi autorizada a criação, pela Lei n. 6189/74, da NUCLEBRAS, que incorporou a CBTN.  A Nuclebrás possuía várias subsidiárias, fazendo parte daquela Holding a Nuclebrás Auxiliar de Mineração – Nuclam, a Nuclebrás Engenharia S.A . – Nuclen (Decreto n. 76.803/1975), a Nuclebrás Equipamentos Pesados – Nuclep, a Nuclebrás Enriquecimento Isotópico – Nuclei, e, a Nuclebrás Construtora de Centrais Nucleares – Nucon, criada em 1988, visto que, foi estipulada a competência exclusiva da Nuclebrás na construção das usinas nucleares.
  3. Em 1988, com a promulgação do Decreto-Lei n. 2464/1988, ocorreu a reestruturação da Nuclebrás, a qual foi transformada em Indústrias Nucleares Brasileiras S. A. Já a sua subsidiária Nuclen, fora absorvida pela Centrais Elétricas Brasileiras – Eletrobrás. Ademais, fora transferida a responsabilidade de construção e operação das plantas nucleares para Furnas Centrais Elétricas SA. 
  4. Com o advento do programa de desestatização, lançado em 1994, foi promulgado o Decreto sem número, de 23 de maio de 1997, retirou o acervo nuclear do plano de Furnas Centrais Elétricas S.A., subsidiária da Centrais Elétricas Brasileiras S.A. – Eletrobrás, tendo em vista o risco dessas empresas serem desestatizadas.  Portanto, foi cindido de Furnas o acervo nuclear, o qual fora migrado para a Nuclen, a qual, passou a se denominar, à época, Eletrobrás Termonuclear S. A – Eletronuclear, conforme decreto sem número, de 23 de dezembro de 1997.

Da atividade de geração de energia termelétrica com o uso de um combustível de origem nuclear e do monopólio constitucional sobre a atividade de mineração.

  1. Vale lembrar que a Constituição representa a lei maior de uma sociedade, contendo os valores, os objetivos, os interesses, os fundamentos e os princípios que são os alicerces de sua ordem civil, social e jurídica.
  2. A Constituição, normalmente resultado de uma ruptura social, política, jurídica ou mesmo ideológica, dispõe em seu texto sobre os valores, fundamentos e princípios mais elementares de uma sociedade, àqueles a quem a ordem constitucional normalmente concede o status elevado de direito fundamental e às quais concede localização no topo da pirâmide normativa de uma sociedade, de onde toda e qualquer norma jurídica constitucional retira sua validade.
  1. Seus princípios, normas fundamentais, diretrizes e objetivos devem, por assim dizer, ser atemporais e perpassar situações momentâneas e específicas da sociedade, conflituosas ou não. Não devem estar sujeitas à alteração a qualquer tempo e ao bel prazer do poder posto, de situações pontuais/temporárias e de pressões de grupos de interesse, pois tais princípios dizem respeito aos valores da sociedade, e não aos valores de determinado governo ou grupo de poder.
  2. Ao mesmo tempo que a Constituição exerce o papel de orientadora normativa de validade das normas de conduta de uma sociedade, exerce também a função garantista para que alguns direitos, princípios e garantias não sejam retirados do texto constitucional, erigindo-os à condição de cláusula pétrea (§4ºdo art. 60 da CF).
  3. Outras modificações constitucionais, no entanto, são possíveis, mas a Constituição Federal considerou que a alteração da ordem constitucional não deve ser tão facilitada como o é, em regra, em relação aos outros normativos infraconstitucionais; exige a Constituição Federal, assim, o cumprimento de alguns requisitos que dificultam a alteração do seu texto (quórum maior de aprovação, turno duplo em casa do Congresso Nacional, impossibilidade de reapreciação de matéria denegada na mesma sessão legislativa, dentre outros), tudo para tentar minimamente garantir que a ordem constitucional represente um consenso da sociedade, e não mera alteração de oportunidade.
  4. A Constituição deve acompanhar a evolução da sociedade e seus interesses, sem, necessariamente, sofrer processo de alteração formal de seu texto.
  5. Vale dizer, a Constituição deve sim conter, na essência, os valores da sociedade, e o seu texto não deve ser tão rígido a ponto de não permitir que ele represente mais os anseios e os valores da sociedade evoluída, de seus interesses e perspectivas.
  6. O texto constitucional deve ser intelectivo o suficiente para que dele se extraia seu conteúdo, sem, no entanto, evitar que este mesmo texto possa acompanhar as evoluções sociais.
  7. Há constituições, por exemplo, que perpassaram décadas sem alterações significativas: a Constituição dos Estados Unidos da América, que data de 1787, é uma delas, que apesar de já ter passado por emendas, não foram muitas, mantendo, não essência, a carta de direitos e garantias que acreditam sua sociedade.
  8. Assim como os interesses e anseios da sociedade evoluem, espera-se que a Carta Magna desta sociedade acompanhe esta evolução, e que seu texto, interpretado sob esta nova ordem, dê guarida e proteção a esses anseios, sem necessidade de alteração formal do texto constitucional.
  9. Ora, o fato de, até os dias atuais, apenas a União ou um ente seu prestar a atividade (serviço público de geração de energia termelétrica com a utilização de um combustível nuclear), não quer dizer ou significar que não possa haver evolução e oxigenação dos tempos modernos na leitura ou na releitura das normas legais.
  10. Dito isto, igual exercício hermenêutico deve ser feito em relação à Constituição Brasileira de 1988: não há necessidade de promover alteração formal em toda e qualquer discussão que vem à tona na sociedade; ou seja, os novos anseios e necessidades desta sociedade devem, sempre que possível, prioritariamente, buscar seus fundamentos de validade na ordem constitucional já posta. E é isso que se faz aqui!
  11. Vejamos o que diz o artigo 21, XXIII da Constituição Federal de 1988, verbis:

“Artigo 21. Compete à União:
(…)
XXIII – explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições:

a) toda atividade nuclear em território nacional somente será admitida para fins pacíficos e mediante aprovação do Congresso Nacional;

b) sob regime de permissão, são autorizadas a comercialização e a utilização de radioisótopos para pesquisa e uso agrícolas e industriais;

c) sob regime de permissão, são autorizadas a produção, a comercialização e a utilização de radioisótopos para pesquisa e uso médicos;

d) a responsabilidade civil por danos nucleares independe da existência de culpa.
(…)”

  1. Já, na simples leitura do artigo 21, inciso XXIII da CF/1988, nota-se, claramente, que estamos diante de DUAS ATIVIDADES, DUAS REGRAS completamente diferentes, mas tratadas dentro de um mesmo dispositivo.
  2. A primeira parte do inciso XXIII do artigo 21 da CF/1988 diz que compete à União “explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza”.
  3. Já a segunda parte do inciso XXIII do artigo 21 da CF/1988 diz que compete à Uniao “exercer o MONOPÓLIO ESTATAL sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições (…)”.
  4. Claro e evidente está que, na primeira parte do inciso XXIII do artigo 21 da CF/1988, não há falar em MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL.
  5. Este – MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL – está apenas determinado na segunda parte do inciso XXIII do artigo 21 da CF/1988. Ou seja, por expressa determinação CONSTITUCIONAL é MONOPÓLIO ESTATAL: “a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições (…)”. Isso não se discute e a CF/1988 foi clara e cristalina.
  6. Entretanto, para a primeira parte do inciso XXIII do artigo 21 da CF/1988, inexiste MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL.
  7. Tanto isso é verdade que, no artigo 177 da CF/1988, que trata do MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL, há apenas a menção às atividades constantes da segunda parte do inciso XXIII, do artigo 21 da CF/1988, não havendo nem, en passant, menção às atividades constantes da primeira parte do inciso XXIII, do artigo 21 da CF/1988.
  8. Vejamos o que diz o artigo 177 da CF/1988:

“Art. 177. Constituem monopólio da União:
I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos fluidos;
II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás natural de qualquer origem;
V – a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados, com exceção dos radioisótopos cuja produção, comercialização e utilização poderão ser autorizadas sob regime de permissão, conforme as alíneas b e c do inciso XXIII do caput do art. 21 desta Constituição Federal.

§ 1º A União poderá contratar com empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei”.

  1. As atividades constantes dos incisos I usque IV do artigo 177 da Constituição Federal, apesar de serem um monopólio estatal, a própria Constituição Federal permitiu a contratação de empresas públicas ou privadas para realizarem tais atividades, o que não foi permitido no inciso V que trata do MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL para a atividade de “a pesquisa, a lavra, o enriquecimento, o reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios e minerais nucleares e seus derivados”.
  2. Vejamos que a leitura da segunda parte do inciso XXIII do artigo 21 conjuntamente com o artigo 177 da CF/1988, chega-se à conclusão que as atividades constantes da segunda parte do inciso XXIII do artigo 21 da CF/1988 são MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL e não podem ser prestados por privado, APENAS PELA UNIÃO.
  3. Entretanto, novamente, nada se fala – aqui no artigo 177 da CF/1988 – sobre as atividades constantes da primeira parte do inciso XXIII do artigo 21 da CF/1988. E isso se dá exatamente porque o MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL é apenas e tão somente para as atividades constantes da segunda parte do inciso XXIII do artigo 21 da CF/1988 e não em relação às atividades constantes da primeira parte do inciso XXIII do artigo 21 da CF/1988.
  4. O fato de se defender aqui que não há MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL sobre as atividades constantes da primeira parte do inciso XXIII do artigo 21 da CF/1988 nem de longe se está dizendo, afirmando ou defendendo que qualquer um privado possa prestar o serviço em questão. Jamais! Nunca! Em tempo algum!

Da atividade de geração de energia termelétrica com o uso de um combustível de origem nuclear, da competência da união e da possiblidade de se delegar serviço/atividades à um privado mediante lei federal futura – de lege lata e de lege ferenda.

  1. O que devemos buscar é a interpretação constitucional que melhor se coadune com os objetivos e princípios constitucionais (inclusive do artigo 3º22 da CF/1988) e com as mudanças sociais e desenvolvimentistas, lembrando que a Constituição não necessariamente necessita de alteração formal para dar fundamento de validade à evolução dos valores e princípios de uma sociedade dinâmica e em constante transformação, bastando conceder-lhe interpretação atual que acompanhe legitimamente esta evolução.

22Cf/1988: Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

  1. A questão, além da interpretação constitucional, envolve também discussões éticas, morais, de segurança, desenvolvimento de atividade tecnologicamente avançada e outros valores da sociedade.
  2. Por isso que é tão importante a alta regulação do setor pelo Poder Público e o poder de polícia em relação ao seu cumprimento.
  3. O artigo 21, XXIII da CF/1988 deixa muito claro que compete à União “explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza”. Não há MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL e a atividade de exploração dos serviços de instalações nucleares de qualquer natureza é da competência da União.
  4. Ainda no artigo 21, XXIII da CF/1988 ou em qualquer outro artigo da CF/88, não se veda expressamente que o serviço de que trata a primeira parte do inciso XXIII do artigo 21 da CF/1988 seja delegado pela União para que um privado possa, em nome da União ou com sua parceria, prestá-lo.
  5. Quando a CF/1988 quis trazer um MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL assim o fez clara e expressamente (vide artigo 21, XXIII, 2ª parte e artigo 177 da CF/1988). Quando a CF/1988 quis VETAR algum tipo de atividade e/ou delegação, assim o fez também clara e expressamente, bastando, para tanto a leitura do artigo 19 da CF/1988, verbis:

“Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
I – estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;
II – recusar fé aos documentos públicos;
III – criar distinções entre brasileiros ou preferências entre si”.

  1. A CF/1988 prevê: que compete (artigo 21, XXIII) à União “explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza”; que não há Monopólio Estatal Constitucional nesta atividade (da primeira parte do inciso XXIII do artigo 21 da CF/1988); e, ainda, que não há vedação expressa na outorga do serviço para que um privado venha prestá-lo em nome da União ou em sua parceria. Logo e consequentemente, não há como inserir na Constituição algo que dela não constou.
  2. A Constituição, as Leis e, enfim, a Legislação, não podem ser interpretados “em fatias”, conforme adverte o Professor e Ministro Aposentado do STF, Eros Roberto Grau, em seu “Ensaio e Discurso sobre a interpretação/aplicação do Direito”. É desaconselhável um olhar fragmentado da Constituição e das “Leis”. Não se pode partilhar em fatias o texto constitucional para aferir a intencionalidade de seus autores, eis que estes subscreveram o todo, não os fragmentos da Carta Magna. Assim, não se pode fatiar as normas quando das suas aplicações.
  1. Karl Engisch23 , citando o jusfilósofo Stammler, afirma que “quando alguém aplica um artigo do Código, aplica todo o Código”. Logo, quando se interpreta um artigo da Constituição, está a se interpretar “ela toda”.
  2. Não é dado ao hermeneuta “fatiar” a Constituição, a Lei ou a Legislação e pinçar apenas a parte que lhe convém do texto legal, desprezando as demais. Se isso fosse possível, a atividade do aplicador da lei invadiria o espaço reservado ao legislador ordinário, violando, consequentemente, o artigo 2º da CF/1988 (Princípio da Separação de Poderes). “Fatiando” e “pinçando” o aplicador da lei criaria um novo texto legal que, certamente, não refletiria aquele aprovado pelo Poder Legislativo e, até, podendo modificar um ato administrativo com os tais “pinçamentos”.
  3. Oportuna é a lição de Francesco Carrara24 que, sobre o tema, afirma que “nada é pior do que o intérprete colocar na lei o que na lei não está por preferência ou dela retirar o que nela está por não lhe agradar o princípio”.
  4. Aqui, no presente caso, para a primeira parte do inciso XXIII do artigo 21 da CF/1988, não há MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL, não podendo o intérprete inserir na CF/1988 algo de dela não consta, conforme lição de Francesco Carrara.
  5. Oportuna é a lembrança de que cabe ao intérprete, apenas interpretar e NÃO CRIAR O DIREITO – “IUS DICERE”.
  6. Neste sentido, é de extrema importância a seguinte passagem do voto proferido pelo Ministro Luiz Gallotti, do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário 71.758/GB25 , verbis:

“(…) É certo que podemos interpretar a lei, de modo a arredar a inconstitucionalidade. Mas, interpretar interpretando e não, mudando-lhe o texto”.

  1. Paulo Bonavides26 , com sua clareza de sempre, adverte:

“Os limites entre a interpretação e a criação do direito são fugazes, inseguros, movediços, passando-se às vezes quase imperceptivelmente da interpretação declaratória para a interpretação constitutiva, e por via desta – o que é mais grave – para a interpretação contra legem. Corre o juiz ou o intérprete o risco de não interpretar a lei, mas de reformá-la”.

  1. Assim, vale frisar – uma vez mais – que nada existe na CF/1988 sobre um MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL para as atividades constantes da primeira parte do inciso XXIII do artigo 21 e, também, não há na CF expressamente (nem tacitamente) qualquer vedação de que o serviço de que trata a primeira parte do inciso XXIII do artigo 21 da CF/1988 seja delegado pela União para que um privado possa, em nome da União ou com sua parceria, prestá-lo.
  2. E, no caso concreto (de geração de energia elétrica), a primeira parte do inciso XXIII do artigo 21 deve também se comunicar com a primeira parte da alínea “b” do inciso XII do artigo 21 e neste último inciso há a possibilidade EXPRESSA de “os serviços e instalações de energia elétrica” serem prestados diretamente pela União ou serem delegados a terceiros, “mediante autorização, concessão ou permissão”.

23Karl Engisch, in Introdução ao Pensamento Jurídico, 8ª Edição, Fundação Calouste Gulbenkian, Tradução de J. Baptista Machado, Lisboa, 2001, página 118:
24Francesco Carrara, in Interpretação e Aplicação das Leis, 2ª Edição, Coimbra, 1963, p. 129.

25STF – Publicado no DJU do dia 31/08/1973.
26Paulo Bonavides, in Curso de Direito Constitucional, 13a Edição, 2a Tiragem, Malheiros Editores, São Paulo, 2003, página 523.

  1. Enfim, “os serviços e instalações de energia elétrica” devem ser prestados pela União diretamente ou concedidos a terceiros para que os prestem em nome da União, “mediante autorização, concessão ou permissão” (artigo 21, XII, b, da CF/1988). E a CF/1988 diz competir à União “explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza” (primeira parte do artigo 21, XXXII da CF/1988), INEXISTINDO MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL.
  2. Considerando a interpretação do artigo 21, XII, “b” c/c o artigo 21, XXIII, todos da CF/1988, claro está que: (1) o serviço de geração de energia termelétrica por meio da utilização de combustível nuclear é um serviço e instalação de energia elétrica; (2) pode ser concedido “mediante autorização, concessão ou permissão”; e, além disso, (3) deve seguir os ditames afetos à exploração “[d]os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza” (primeira parte do artigo 21, XXXII da CF/1988).
  3. É certo que, hoje (de lege lata), INEXISTE qualquer LEI FEDERAL que permita que o serviço de geração de energia termelétrica por meio da utilização de combustível nuclear seja prestado por outra pessoa que não àquela – União – do artigo 21, XXIII da CF/1988.
  4. Nesse sentido, não obstante, o item 22, da exposição de motivos da MP n. 1031/21, convertida na Lei n. 14.182/21 (Lei da desestatização da empresa Centrais Elétricas Brasileiras S.A), conter a indicação de que há vedação constitucional, tal assertiva não encontra fundamento de validade na Constituição Federal de 1988, tampouco, no arcabouço legislativo regulatório nuclear. Para tanto, vide à legislação infralegal, corporificada nas Leis 4.118/1962 (artigo 1º) e 6.189/74 (artigo 1º), nas quais destacam o espírito capturado nas normas constitucionais originárias (alíneas do inciso XXIII, do artigo 21º e do artigo 177º), no sentido de que o monopólio estatal está adstrito a seguinte competência material: “ sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados”, insculpida no inciso XXIII do artigo 21º da CF/1988.
  5. Entretanto, como visto acima, não há vedação para que LEI FEDERAL FUTURA (de lege ferenda) isso venha ocorrer.

DO SERVIÇO PÚBLICO DE GERAÇÃO DE ENERGIA TERMELÉTRICA QUE PODE SER DELEGADO AO PRIVADO (ARTIGO 21, XII, “B”, DA CF/1988), DA ATIVIDADE DE GERAÇÃO DE ENERGIA TERMELÉTRICA COM O USO DE UM COMBUSTÍVEL DE ORIGEM NUCLEAR E DOS LIMITES CONSTITUCIONAIS QUE FUTURA LEI FEDERAL TERÁ QUE SEGUIR (DE LEGE FERENDA).

  1. O que se passa, agora, a analisar são as balizas constitucionais sobre a atividade nuclear que uma LEI FEDERAL FUTURA (de lege ferenda) deverá obedecer.
  2. Primeiramente, apenas a União pode legislar sobre atividades nucleares de qualquer natureza (artigos 22, XXVI e 177, §3º da CF/1988).
  3. Além disso, é da competência exclusiva do Congresso Nacional aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes às atividades nucleares (artigo 49, XIV da CF/1988).
  4. Já o artigo 225 da CF/1988 que trata sobre o MEIO AMBIENTE diz:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
(…)
§ 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas”.

  1. Voltamos, então, ao MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL da segunda parte do inciso XXIII, do artigo 21 da CF/1988. Vejamos:

“Artigo 21. Compete à União:
(…)
XXIII: (…) exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados, atendidos os seguintes princípios e condições:
(…)”

  1. No artigo 177, V, a CF/1988 volta a repisar sua preocupação com a atividade sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados.
  2. Claramente a CF/1988, quando trata de atividade que envolva minérios nucleares enriquecidos, há uma grande preocupação que o legislador ordinário quando da elaboração de sua futura lei federal (de lege ferenda) deverá obedecer, velar e zelar.
  3. Vejamos que a Constituição já traçou um norte que deve, OBRIGATORIAMENTE, ser respeitado pelo legislador ordinário na sua atividade posterior de produzir normativos para dar cumprimento aos mandamentos constitucionais.
  4. Clèmerson Merlin Clève, acertadamente, afirma que “o legislador não está absolutamente livre para inserir na lei qualquer conteúdo. Afinal, o conteúdo da lei encontra-se pré-definido na Constituição”27.
  5. Como bem afirmam Eduardo García de Enterría e Thomás-Ramón Fernandes “não se deve falar, (…), de uma discricionariedade do legislador, senão de uma ‘liberdade de configuração’ normativa (‘getaltungsfreiheit des desetzgehers’, na expressão usual do Tribunal Constitucional Alemão)28.
  6. Então, se o legislador dispõe de uma liberdade criativa no campo normativo, de uma “liberdade de configuração”, de que modo atuará um conteúdo expresso na Constituição? Com a resposta, ninguém menos que Clèmerson Merlin Clève que assim responde: “Atuará com liberdade, observados os princípios materiais nela definidos. Todavia, a sua atuação não poderá ultrapassar os limites estipulados pelo Constituinte”29 30 31.

27 Clèmerson Merlin Clève, in Atividade Legislativa do Poder Executivo, Editora Revista dos Tribunais, 2ª Edição, São Paulo, 2000, p. 71.

28 Eduardo García de Enterría e Thomás-Ramón Fernandes, in Curso de Direito Administrativo, Editora RT, São Paulo, 1990, p. 159.

29 Clèmerson Merlin Clève, in Atividade Legislativa do Poder Executivo, Editora Revista dos Tribunais, 2ª Edição, São Paulo, 2000, p. 72.

30 Sobre o Tema: “…a Constituição fixa balizas que não podem ser ultrapassadas pelo legislador ordinário sob a sua vigência” (Humberto Ávila, in Contribuição Social sobre o Faturamento. Cofins. Base de Cálculo. Distinção entre Receita e Faturamento. Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, RDDT – Revista Dialética de Direito Tributário nº 107:95-109) e “…É verdade que a linguagem é largamente indeterminada. Do fato, porém, que a linguagem é indeterminada não segue nem que ela não possui núcleos de determinação, nem que ela seja totalmente indeterminada e, por isso, supérflua. Isso significa, em outras palavras, que, mesmo sendo a linguagem indeterminada, não quer dizer que ela não tenha núcleos de significação nem que não possa sofrer determinação pelo uso ou pelo próprio sistema no qual esteja inserida…” (Humberto Ávila, in Princípios e Regras e a Segurança Jurídica, RDE – Revista de Direito do Estado nº 01: 189-206).
“A lei não é mais livre, não pode assumir qualquer conteúdo…” (Pietro Perlingieri, in Manuale di Diritto Civile, 3ª Edição, Napoli, Edizioni Scientifiche Italiane, 2002, n. 12, p. 29).

  1. Em casos como este o Ministro Gilmar Ferreira Mendes32 , do Supremo Tribunal Federal, diz existir “um autêntico dever constitucional de legislar (Verfassungsauftrag)33, que obriga o legislador a expedir atos normativos ‘conformadores’ e concretizadores de alguns direitos”, sempre respeitando o núcleo essencial34 35 (Wesensgehalt) ou duro36 do direito. Aliás, como adverte Daniel Sarmento37, “a Constituição, cumpre não esquecer, é norma jurídica e não mero repositório de conselhos para o Poder Legislativo”38.
  2. A repercussão do direito constitucional sobre a disciplina legal (rectius: infraconstitucional) é ampla, direta e imediata, como entende o também Ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso39. A Constituição tem impacto sobre a validade e a interpretação das normas do direito administrativo, bem como sobre a produção legislativa na matéria40.
  3. Assim, de lege lata, (1) o serviço e a instalação de energia elétrica de geração de energia termelétrica com a utilização de combustível nuclear, hoje, não pode ser prestado por terceiros (rectius: “privados”) em nome da União, por inexistir LEI FEDERAL que permita; (2) todo e qualquer serviço e instalação de energia elétrica deve, obrigatoriamente, ser prestado pela União ou, então, concedido, mediante autorização, concessão ou permissão a um privado (artigo 21, XII, “b” da CF/1988); e (3) inexiste o MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL na exploração dos “serviços e instalações nucleares de qualquer natureza” (primeira parte do inciso XXIII, do artigo 21 da CF/1988), diferentemente do MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL nas atividades constantes da segunda parte do inciso XXIII, do artigo 21 da CF/1988.
  4. Entretanto, e considerando a interpretação do artigo 21, XII, “b” c/c o artigo 21, XXIII (primeira parte), todos da CF/1988, claro está que o serviço de geração de energia termelétrica por meio da utilização de combustível nuclear é um serviço e instalação de energia elétrica; não existe monopólio estatal constitucional; pode ser concedido “mediante autorização, concessão ou permissão”; deve seguir os ditames afetos à exploração “[d]os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza” (primeira parte do artigo 21, XXXII da CF/1988); e, por fim, as balizas constitucionais sobre a atividade nuclear devem ser obrigatoriamente seguidas pela futura LEI FEDERAL (de lege ferenda), sob pena de ser declarada inconstitucional.

32 Gilmar Ferreira Mendes, in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, 3ª Edição, revista e ampliada, Editora Saraiva, São Paulo, 2004, p. 5.

33 O inadimplemento de dever constitucional de legislar dá ensejo, não raras vezes, à pronúncia da Appellentscheidung. As “appellentscheidungen” podem ser divididas em três grupos típicos, conforme decisões do Bundesverfassungsgericht: 1) apelo ao legislador em virtude de mudança nas relações fáticas ou jurídicas; 2) apelo ao legislador em virtude de descumprimento de dever constitucional de legislar; e 3) apelo ao legislador em virtude da falta de ‘evidência’ de inconstitucionalidade. Vide: Gilmar Ferreira Mendes, in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, 3ª Edição, revista e ampliada, Editora Saraiva, São Paulo, 2004, p. 407/412.

34 Princípio da garantia do núcleo essencial do direito. No direito Alemão, Wesensgehaltsgarantie.

35 Diz o Ministro Gilmar Ferreira Mendes, in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, 3ª Edição, revista e ampliada, Editora Saraiva, São Paulo, 2004, p. 43: “(…) enquanto princípio expressamente consagrado na Constituição ou enquanto postulado constitucional imanente, o princípio da proteção do núcleo essencial destina-se a evitar o esvaziamento do conteúdo do direito fundamental decorrente de restrições descabidas, desmesuradas ou desproporcionais”.

36 “Núcleo Duro” é expressão preferida de Ingo Wolfgang Sarlet (in A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 5ª Edição, Livraria do Advogado Editora, Porto Alegre, 2005, p. 132).

37 Daniel Sarmento, in Direitos Fundamentais e Relações Privadas, Editora Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2004, p. 284.

38 “…O legislador ordinário pode inovar em seu poder criativo do direito (…). Não pode, contudo, o legislador ordinário vulnerar as limitações constitucionais a ele impostas…” (in Revista dos Tribunais, 564/141).

39 Luís Roberto Barroso, in RDA, 240:32.

40 O constitucionalismo atual opera sobre três premissas fundamentais, das quais depende em boa parte a compreensão dos sistemas jurídicos ocidentais contemporâneos. São elas: (I) a normatividade da Constituição, isto é, o reconhecimento de que as disposições constitucionais são normas jurídicas, dotadas, como as demais, de imperatividade; (II) a superioridade da Constituição sobre o restante da ordem jurídica (cuida-se aqui de Constituições rígidas, portanto); e (III) a centralidade da Carta nos sistemas jurídicos, por força do fato d que os demais ramos do Direito devem ser compreendidos e interpretados a partir do que dispõe a Constituição (Ana Paula de Barcelos, RDA, 240:84). Vide também: Luís Roberto Barroso, in Fundamentos teóricos filosóficos do novo direito constitucional brasileiro (pós-modernidade, teoria crítica e pós-positivismo), in Luís Roberto Barroso (org.), A nova interpretação constitucional. Ponderação, direitos fundamentais e relações privadas, 2003, p. 1 a 49 e, ainda, André Andrade, in A constitucionalização do direito: a Constituição como lócus da hermenêutica jurídica, 2003.

  1. Reitera-se, aqui, a preocupação constitucional (segunda parte do inciso XXIII, do artigo 21 da CF/1988 c/c o artigo 177, V, da CF/1988) quanto à atividade sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados.
  2. SEM QUERER LIMITAR O LEGISLADOR ORDINÁRIO, mas tentando zelar pelos princípios constitucionais balizadores, uma futura Lei Federal que venha a tratar da concessão, permissão ou autorização do serviço de geração de energia termelétrica por meio da utilização de combustível nuclear, atendendo às preocupações constitucionais quanto à utilização de “minérios nucleares”, a União (ou um ente estatal seu) poderia ser obrigada a deter participação minoritária relevante, tendo ela GOLDEN SHARE, e sendo ela (ou um ente estatal seu) a responsável pelas áreas de operação, de manutenção, de segurança, de rastreabilidade do combustível nuclear e do seu armazenamento antes e após o seu uso.
  3. Assim, apesar de, não restar caracterizado o monopólio estatal para a exploração de serviços e instalações nucleares, a legislação infralegal, carreada pelo fato de o Brasil ser signatário de vários instrumentos normativos internacionais, sinaliza o indicativo de que o tema é relevantíssimo e que prima, para além da questão econômica e eficiência, para a operabilidade das plantas, com extrema segurança. Não é sem razão que o Brasil é signatário de inúmeros normativos internacionais, como, por exemplo: [1] a Convenção sobre Segurança Nuclear, vide Decreto nº 2.648/1998; [2] a Convenção sobre Proteção Física de Material Nuclear – CPPNM e Protocolo de Emenda, conforme Decreto nº 95/1991 e Decreto nº 11.188/2022; [3] Convenção de Viena sobre Responsabilidade Civil por Danos Nucleares, vide Decreto nº 911/1993; [4] o Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares, conforme o Decreto nº 2.864/1998); [5] a Convenção sobre a notificação rápida de um acidente nuclear, internalizado via Decreto nº 09/1991.
  4. Nesse esteio, uma eventual alteração legislativa que permita, para além da Eletronuclear – Decreto de 23 de maio de 1997, o artigo 10º da Lei n. 6189/74, inciso I, parágrafo 1º, do artigo 9º da Lei n. 14.182/21 (Lei da Desestatização da Eletrobrás) -, a construção e operação de plantas nucleares por empresas privadas, não integrantes da Administração Pública, via de regra, em conformidade e aderência ao aspecto de segurança envolvido no tema, torna-se imperioso que o Estado tenha participação acionária, que permita o exercício jurídico de uma golden share e participe ativamente das áreas ligadas à segurança, operação e rastreabilidade do combustível nuclear.
  5. Associado ao descrito acima, pode-se citar o entendimento de organismos internacionais que entendem como relevante a atuação estatal no âmbito nuclear em vários âmbitos: [1] na segurança nuclear (NEA /2018. “Nuclear Energy Today.); [2] na coordenação com eficiência dos insumos necessários para a geração de energia por fissão nuclear (IEA (2019). “Nuclear Power in a Clean Energy System.”)
  6. Exigir um monopólio estatal sobre uma determinada atividade e/ou serviço público onde clara e indubitavelmente a Constituição Federal de 1988 não exige, em especial em um País carente de recursos financeiros e cheios de desafios sociais e econômicos imediatos a serem enfrentados, significa condenar a atividade e/ou serviço público em questão à sorte de um espaço no orçamento do Ente Público, o que, infelizmente, viola o princípio da eficiência e ainda impede o pleno atingimento dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, conforme se demonstra:

“Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II – garantir o desenvolvimento nacional;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV – promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
(…)
Art. 21. Compete à União:
(…)
IX – elaborar e executar planos nacionais e regionais de ordenação do território e de desenvolvimento econômico e social;
(…)
Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:
(..)
IX – educação, cultura, ensino, desporto, ciência, tecnologia, pesquisa, desenvolvimento e inovação;
(…)
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(…)”

  1. Novamente, entender que haja um monopólio estatal sobre uma determinada atividade e/ou serviço público onde clara e indubitavelmente a Constituição Federal de 1988 não exige, também acaba por vilipendiar os artigos 174 e 218 da CF/1988, tendo em vista que o Estado deixa de incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação:

“Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
§ 1º A lei estabelecerá as diretrizes e bases do planejamento do desenvolvimento nacional equilibrado, o qual incorporará e compatibilizará os planos nacionais e regionais de desenvolvimento.
(…)
Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação.
§ 1º A pesquisa científica básica e tecnológica receberá tratamento prioritário do Estado, tendo em vista o bem público e o progresso da ciência, tecnologia e inovação.
§ 2º A pesquisa tecnológica voltar-se-á preponderantemente para a solução dos problemas brasileiros e para o desenvolvimento do sistema produtivo nacional e regional.
§ 3º O Estado apoiará a formação de recursos humanos nas áreas de ciência, pesquisa, tecnologia e inovação, inclusive por meio do apoio às atividades de extensão tecnológica, e concederá aos que delas se ocupem meios e condições especiais de trabalho”.

  1. E, não só isso! Em um mundo de acelerada transformação digital, e onde a nova geopolítica e a neoindustrialização exigem, cada vez mais, atuações e investimentos dinâmicos do Estado, entender que existe o monopólio estatal onde, em realidade, não há, implica também em atribuir à União a integral responsabilidade de investimentos de alta monta no setor e limitá-los às forças financeiras e outras prioridades da União, enquanto que o incentivo à participação do privado pode dinamizar o setor e a economia, direta e indiretamente, gerando mais investimentos, pesquisas, renda, trabalho e emprego.
  1. Last but not least, um sobrevoo na organização da indústria de geração termelétrica nuclear e dos mercados de energia elétrica variam significativamente entre os países que utilizam esta fonte de energia. A energia nuclear é produzida em aproximadamente 31 países, com uma distribuição geográfica que inclui Europa, América do Norte, Ásia Oriental e Sul da Ásia. Os Estados Unidos são o maior produtor de energia nuclear, seguidos pela França, que tem a maior parcela de sua eletricidade gerada por energia nuclear.
  2. Em termos de organização da indústria nuclear, há uma diversidade de modelos. Alguns países operam com empresas estatais dominantes, enquanto outros permitem participações privadas ou modelos de economia mista. Por exemplo, a França, que tem uma das maiores dependências da energia nuclear para a geração de eletricidade, com aproximadamente 70,6% de sua eletricidade proveniente desta fonte, possui uma indústria nuclear centralizada em torno da empresa estatal EDF (Électricité de France).
  3. Já os Estados Unidos apresentam um mercado com uma mistura de operadores privados e alguns de propriedade estatal, refletindo a natureza mais diversificada de seu setor elétrico. Com 93 reatores em operação, o país é o maior produtor de energia nuclear, representando cerca de 18,2% de sua geração total de eletricidade.
  4. A Suécia tem quase 30% de sua eletricidade gerada por energia nuclear e opera um mercado de energia elétrica liberalizado, com operadores privados e estatais no setor nuclear. Já na Espanha, as centrais nucleares são operadas por privados.
  5. Em face de todo o exposto, (1) inexiste o MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL na exploração dos “serviços e instalações nucleares de qualquer natureza” (primeira parte do inciso XXIII, do artigo 21 da CF/1988), diferentemente do MONOPÓLIO ESTATAL CONSTITUCIONAL nas atividades constantes da segunda parte do inciso XXIII, do artigo 21 da CF/1988; (2) o serviço e a instalação de energia elétrica de geração de energia termelétrica com a utilização de combustível nuclear, hoje, não pode ser prestado por terceiros (rectius: “privados”) em nome da União, por inexistir LEI FEDERAL que permita e NÃO por ser um Monopólio Estatal Constitucional; (3) todo e qualquer serviço e instalação de energia elétrica deve, obrigatoriamente, ser prestado pela União ou, então, concedido, mediante autorização, concessão ou permissão a um privado (artigo 21, XII, “b” da CF/1988); (4) se e quando a União decidir autorizar, mediante Lei Federal Futura, que um ente privado atue na exploração dos “serviços e instalações nucleares de qualquer natureza” (primeira parte do inciso XXIII, do artigo 21 da CF/1988), os termos, os limites e as condições da participação do privado neste serviço devem seguir obrigatoriamente as balizas constitucionais sobre a atividade nuclear, sob pena de ser declarada inconstitucional.
  6. Rio de Janeiro, 04 de março de 2024.

RAUL LYCURGO LEITE
OAB/DF 15615 E OAB/MG 163.151