O Brasil e o mercado mundial de urânio

Com as crises do petróleo de 1973 e 1979, os países expostos à dependência deste insumo estratégico passaram a priorizar a necessidade de reduzir a importação, mitigando a sua exposição às volatilidades de preços, que estavam em patamares bem mais elevados. Ao mesmo tempo, a busca pela segurança de abastecimento energético também ganhou prioridade e, entre as opções de diversificação da matriz, os investimentos no setor de geração nuclear entra no cenário do planejamento e da política energética dos países desenvolvidos.  

Como resultado do novo contexto, nos vinte anos que sucederam a crise de 1973, a participação do petróleo na matriz elétrica mundial caiu de 21,2% para 9,1%. No mesmo período, a participação da energia nuclear saltou de 3,1% para 17,4%, segundo dados de 2022 do Banco Mundial.  

Com a aplicação de sanções econômicas pela comunidade internacional em razão da invasão à Ucrânia, a Rússia realizou cortes no fornecimento de gás natural para a Europa. Esta nova crise está impactando o setor energético mundial, de modo a impor novos esforços em direção à diversificação de fontes energéticas, agora em substituição, principalmente, ao gás natural, dada as incertezas em relação à segurança do suprimento deste insumo não renovável. Tal como o corrido nos anos de 1970, o planejamento e as políticas públicas irão incentivar o uso de energia nuclear através da reativação de usinas ou da construção de novos reatores, reforçado, por outro lado, pela preocupação com o cumprimento das metas de descarbonização.  

Considerando a extrema dependência da União Europeia à importação de bens energéticos, o bloco sempre assumiu uma posição de vanguarda da transição energética. Neste sentido, o desenvolvimento de políticas públicas, as metas de longo prazo, a ampliação de investimentos e a redução de custos das energias renováveis tornaram possível o aumento crescente de sua participação na matriz elétrica europeia desde 2005, segundo a Agência Europeia do Ambiente. Embora animador, este cenário ainda não abarca a transformação necessária rumo a um futuro verde e sustentável. De acordo com dados da Comissão Europeia, os recursos não-renováveis representam cerca de 70% da matriz elétrica do bloco econômico europeu.  

O quadro se tornou ainda mais desafiador com a Guerra da Ucrânia. Assim, os policy makers europeus estão definindo planos e executando programas para investimentos em recursos energéticos renováveis, a fim de garantir a segurança no atendimento da demanda de eletricidade, aquecimento e produção industrial.  

Nesta direção, a Comissão Europeia anunciou recentemente que pretende mobilizar até € 300 bilhões em infraestrutura de energia até o final da década, visando reduzir a dependência de petróleo e gás russos. Os investimentos compreenderão € 10 bilhões para infraestrutura de gás natural, € 2 bilhões para petróleo e o restante para energias renováveis. Em nível nacional, diversos governos europeus anunciaram políticas de enfrentamento à vulnerabilidade energética e de promoção das fontes renováveis, destacam-se Alemanha, Bélgica, Dinamarca, Finlândia e Itália.  

Derivado do duplo movimento da transição energética (descarbonização) e crise da Ucrânia (segurança de suprimento) os cenários de planejamento indicam que vão se acelerar os investimentos em energia nuclear, por se tratar de uma fonte de fornecimento contínuo, de baixa intermitência, alta capacidade de geração e grande estocabilidade, tendendo a desempenhar um papel relevante na construção de sistemas de energias mais sustentáveis e seguros. A energia nuclear é caracterizada como uma fonte de energia não renovável, ou seja, utiliza recursos que se esgotam na natureza, porém constitui uma fonte não emissora de gases de efeito estufa durante a sua operação. Por isso, uma resolução recente do Parlamento Europeu definiu a energia nuclear como uma fonte “verde”, abrindo novas perspectivas para sua inserção no processo de transição energética europeu.  

Diante da retomada do crescimento da energia nuclear, o mercado mundial de urânio ganha relevância, tendo, no entanto, a Rússia como um produtor e exportador deste insumo energético. Em termos de produção, segundo a Associação Nuclear Mundial, somente o Cazaquistão é responsável por quase metade do total, com 45,14%, enquanto que a Rússia, atualmente, ocupa a sexta posição. Embora o Canadá seja o terceiro em produção, o país é o segundo em exportações e, somando a sua produção com a do Cazaquistão, a concentração é de 89,6% do total mundial explorado.  

Do lado da demanda, a composição deste mercado entre os países líderes é menos díspar. Os EUA lideram o ranking de consumo com 18,3%, seguidos pela China, com 10,8%. Três países da União Europeia figuram entre os maiores consumidores, França, Reino Unido e Espanha, que respondem, juntos, a 11,8% do consumo global. A partir deste enquadramento analítico, em que o cenário de transição energética determina condições firmes para a retomada da expansão da geração de energia elétrica por centrais nucleares e da necessidade de maior produção do urânio, abrem-se oportunidades para o Brasil participar do mercado global de urânio.  

O Brasil ocupa a sétima posição das reservar mundiais, de acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica, correspondendo a cerca de 276,8 mil toneladas de urânio. Apesar desta expressiva quantidade conhecida de urânio, estimase que a capacidade brasileira seja muito maior, uma vez que menos de um terço do território nacional foi efetivamente prospectado. Desde meados da década de 1980, pouco se investiu em novas prospecções e, em 2022, a única mina de urânio em atividade no Brasil está localizada em Caetité, na Bahia. Esta Unidade de Concentração de Urânio possui a capacidade de produzir 400 toneladas por ano, podendo chegar a 800 toneladas caso haja expansão do terreno. 

Por uma determinação constitucional que impôs o monopólio da União em relação à produção e comercialização de materiais nuclear, o urânio só pode ser manipulado pela empresa pública Indústrias Nucleares do Brasil (INB), vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME). Em 2017, a INB elaborou um plano estratégico institucional identificando novos projetos a serem implementados até 2026 para incrementar o desenvolvimento do mercado nacional de urânio. Os projetos estratégicos prioritários identificados pela INB relacionam-se (i) ao desenvolvimento da Mina de Santa Quitéria; (ii) à nacionalização da fabricação de componentes; (iii) à prestação de serviços; e (iv) à implantação de uma usina de enriquecimento de urânio no país.  

Ademais, destaca-se a recente criação da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), agência reguladora vinculada ao MME, cujas finalidades são realizar o monitoramento, a fiscalização e a regulação das atividades nucleares no território brasileiro. Entende-se a ANSN como um importante marco na modernização da legislação nuclear do país, atendendo a uma demanda vinculada às convenções internacionais, agora internalizadas no ordenamento jurídico e regulatório do Brasil.  

Merece ser destacado a título de conclusão que o Plano Nacional de Energia (PNE) 2050, estudo elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética, firmou, no planejamento energético, a retomada da prospecção de recursos minerais em todo o território nacional como uma das recomendações para o desenvolvimento da energia nuclear no Brasil. Desta forma, com o PNE 2050, será possível identificar e avaliar a extensão das reservas brasileiras, bem como analisar entraves e melhoras em seu desenvolvimento com o objetivo de aumentar a capacidade de produção do urânio nacional.  

Em suma, diante das expectativas de retomada da expansão da geração nuclear e do cenário global do mercado de urânio, o Brasil possui condições de se posicionar como um novo player e aproveitar as oportunidades abertas pelo processo de transição energética, na vertente da descarbonização, e pela crise da Ucrânia, no que diz respeito à segurança de suprimento. 

Por Nivalde José de Castro, Professor no Instituto de Economia da UFRJ e Coordenador do GESEL- Grupo de Estudos do Setor Elétrico; Luiza Masseno Leal, Pesquisadora Associada do GESEL-UFRJ e do ICT-RESEL.; e Isadora Verde, Pesquisadora Associada do GESEL-UFRJ e do ICT-RESEL.

Artigo publicado pela Agência Estado de São Paulo no Broadcast Energia