Iniciativa privada na extração de urânio pode tornar Brasil autossuficiente

Com a aprovação pelo Senado da Medida Provisória 1.133/2022 que permite o investimento privado na atividade de extração de minérios nucleares no Brasil, o setor vê a possibilidade de chegada de novas empresas na atividade que era exclusiva da Indústrias Nucleares do Brasil (INB).

Celso Cunha, da Abdan: país tem a sexta maior reserva de urânio do planeta e tecnologia para enriquecimento, mas consegue minerar pouco do que precisa

A MP foi recebida pelo setor como uma medida que deve dinamizar a atividade e prover maior segurança jurídica a essa atividade fundamental não só para o setor elétrico, mas também para outros ramos, como saúde e meio ambiente.

O Brasil tem a sexta maior reserva de urânio do planeta e um dos poucos no mundo que dominam a tecnologia de enriquecimento para fins pacíficos, mas consegue minerar apenas 40% do que precisa para Angra 1 (640 MW). O restante vem principalmente do Cazaquistão e Uzbequistão por meio da estatal Russa Rosatom, que atua nestes países.

A Associação Brasileira para Desenvolvimento Atividades Nucleares (Abdan) entende que essa é uma oportunidade para exploração mais intensa de urânio e tornar o país autossuficiente e a chance de novas empresas desembarcarem no Brasil, já que sem uma regulação garantidora, seria difícil a iniciativa privada apostar no setor.

Ao Valor, o presidente da entidade, Celso Cunha, explica que a entrada do setor privado na extração de minérios nucleares não significa uma quebra de monopólio da União, mas mudanças na lei que dá mais clareza a possíveis empresas e investidores.

Ele lembra que já existe uma Parceria Público-Privada (PPP). O Consórcio Santa Quitéria é uma parceria da INB com a Galvani – empresa produtora de fertilizantes fosfatados – para a implantação de um projeto conjunto de mineração. O objetivo é explorar o urânio e o fosfato, encontrados de forma associada na jazida de Itataia, no município de Santa Quitéria, no Ceará. A lei atual determina que menos de 50% deve ser urânio, mas agora a MP não estabelece cotas e a exploração de urânio pode aumentar.

“Mas só a INB pode vender e usar urânio. Não é função do estado cavar buraco e para tirar o urânio em profundidade precisa de técnica e não temos isso no Brasil. A solução é fazer parcerias público-privado, juntar empresas brasileiras e estrangeiras e levar para a INB”, explica.

Hoje o pilar de expansão do setor elétrico brasileiro é pelas fontes eólica e solar. Estas fontes são intermitentes porque dependem do vento e do sol. Esta instabilidade gera um desafio ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), que é quem organiza o mix das as fontes para atender em tempo real a demanda, que também varia. Segundo Cunha, a geração nuclear é importante porque o seu comando está nas mãos do homem e não do sol, do vento ou da chuva.

“Para produzir para Angra 1, 2 e 3 precisamos da mina de Santa Quitéria, no Ceará. Aí poderemos abastecer o mercado, não vamos precisar importar urânio”, afirma.

Alvo de controvérsia mundial há quase 70 anos, quando o presidente americano Eisenhower propôs, em discurso na Organização das Nações Unidas (ONU), o programa atômico pela paz, a energia nuclear retorna agora à pauta internacional passando de vilã para mocinha do clima. Em meio à urgência do combate ao aquecimento global e a janela cada vez mais curta de ação, a energia atômica já se enquadra na definição de energia verde. Por outro lado, a guerra da Rússia contra a Ucrânia pode encarecer mais a importação de urânio, já que as nações europeias buscam reduzir a dependência do gás russo.

O Brasil não está fora deste contexto. O Plano Nacional de Energia – 2050 sinalizou de oito a dez novas usinas nucleares e o Plano Decenal de Expansão de Energia (PDE) 2031 prevê mais 1 GW no Sudeste. As obras de Angra 3 foram retomadas e além de garantir o combustível, o executivo diz que o Brasil precisa definir a tarifa da energia para aprovar o financiamento, se quiser manter o cronograma de finalização da usina até 2027.

Os blocos de financiamento são divididos em uma tranche de R$ 4 bilhões, que já está em curso, e um bloco de R$ 17 bilhões que o BNDES deve captar no mercado internacional e a Eletronuclear fica com as licitações.

Fala-se de uma quarta usina nuclear no Sudeste nos próximos dez anos. Caso a planta elétrica saia do papel, prevê-se que terá 1 gigawatt (GW) de capacidade instalada e com a indefinição de onde ficará o sítio, a chance de ela ficar na região de Angra dos Reis (RJ) é grande.

A Abdan está prestando consultoria para o comitê de transição de energia do novo governo, além de estar à frente de importantes pautas para o próximo ano, envolvendo novas usinas em Angra e pequenos reatores modulares. De acordo com ele, a prioridade para os 100 dias de governo vai desde descontingenciar recursos para viabilizar pesquisa, até dar segurança jurídica para lavra e comercialização de minérios nucleares e seus derivados, além do desafio de acelerar o funcionamento da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear, que hoje não tem um presidente.

Fonte: Valor