Por Bruno Viggiano (Enviado Especial*) –
O Brasil domina todo o conhecimento do ciclo do combustível nuclear e tem um potencial reconhecido para tornar-se um grande player no cenário global de fornecimento do produto para usinas por todo o mundo. Recentes movimentos no setor de mineração nacional, como a saída da Indústrias Nucleares do Brasil (INB) do Ministério de Ciência e Tecnologia para o Ministério de Minas e Energia, em 2019, indicam um caminho promissor. Responsável pela pesquisa, lavra, enriquecimento e reprocessamento, industrialização e comércio de minérios nucleares no Brasil, a INB esteve presente nesta semana na XII Atomexpo, uma das maiores feiras do setor nuclear mundial promovida pela Rosatom em Sochi, na Rússia. A empresa foi representada pelo Diretor de Recursos Minerais, Rogerio Carvalho. Em entrevista exclusiva ao Petronotícias, o executivo falou sobre as novas possibilidades que se abrem para a estatal e o que esperar do futuro: “O Brasil – em termos de recursos minerais – tem que fazer o dever de casa e converter os recursos minerais em reservas minerais, isso significa trabalhar na viabilidade técnica, econômica, financeira, ambiental e social, para transformar os recursos minerais em riqueza, em trabalho, em receita, em renda”, destacou Carvalho. O executivo falou também sobre o andamento do projeto de Santa Quitéria, no Ceará. O empreendimento produzirá anualmente 1,05 milhão de toneladas de fertilizantes fosfatados e 220 mil toneladas de fosfato bicálcico para atendimento da agropecuária das regiões Norte e Nordeste, e 2,3 mil toneladas de concentrado de urânio, que será utilizado como matéria-prima para fabricação de combustível para geração de energia termonuclear.
O senhor acompanhou a mesa “Tendências Modernas Para o Fornecimento do Ciclo do Combustível Nuclear”, uma das primeiras aqui na Atomexpo deste ano, com a presença de executivos de empresas da Rússia, Cazaquistão, além de representantes da Agência Internacional de Energia Atômica e Associação Nuclear Mundial. Como foi a mesa e como o Brasil está posicionado neste mercado?
É muito importante o Brasil posicionar-se com o conhecimento que tem do ciclo do combustível nuclear. Então, nós temos e operamos de ponta a ponta, desde a exploração geológica, a produção do concentrado de urânio, a fase de conversão que não temos ainda por uma questão de escala, mas trabalhamos no enriquecimento e na produção do elemento combustível. O Brasil – em termos de recursos minerais – tem que fazer o dever de casa e converter os recursos minerais em reservas minerais, isso significa trabalhar na viabilidade técnica, econômica, financeira, ambiental e social, para transformar os recursos minerais em riqueza, em trabalho, em receita, em renda e contribuir para uma geração de energia limpa, que é o caso da nuclear.
Como comunicar com o público, especialmente nas áreas onde há mineração, a respeito da segurança do processo? Quais mitos precisam ser desmistificados?
A mineração gera emprego, produz de uma forma segura. O urânio é um minério como outro qualquer, todos os cuidados têm que ser levados, colocados em prática e é isso que nós fazemos. A forma prática de passar isso para a comunidade é conhecimento e educação, são os dois grandes pilares que fazem a diferença para poder fazer de uma forma socialmente e ambientalmente responsável.
Em setembro, a INB promoveu em Caetité o “Conversa com a Vizinhança”, projeto que tem justamente o objetivo de aproximar a empresa da população. Como tem sido esse processo? Quais relatos sobre diálogo com o público foram compartilhados no painel?
O lado social do ESG (Governança ambiental, social e corporativa) cada vez é mais importante. Nós desenvolvemos vários programas sociais por todo o mundo. Países como a Hungria, Índia, Rússia… Estão desenvolvendo o setor nuclear como uma forma complementar, para a transição energética e fazer uma matriz que seja racionalmente correta e bem desenhada.
A INB assinou, na última semana, durante o Nuclear Legacy promovido pela ABDAN, um acordo com a americana Holtec para o fornecimento de combustível nuclear para o SMR da empresa. Como a INB está posicionada para um futuro em que o combustível nuclear vai ser cada vez mais demandado frente ao crescimento da fonte na matriz global?
Temos as equipes preparadas em todas as fases do ciclo do combustível nuclear. A fase de mineração, que começa com os geólogos, passa pelos engenheiros de minas, com formação específica em cálculo de recursos minerais e cálculo de reservas minerais. As pessoas com conhecimento pleno da área de energia nuclear, de neutrônica, utilizando já um conhecimento de 38 anos da INB e antes disso todo o legado que veio da antiga Nuclebrás.
Quais oportunidades a INB veio buscar em Sochi? Com o que ela volta para o Brasil na bagagem?
A experiência. Acho que o grande desenvolvedor das comunidades e dos seres humanos são os relacionamentos, as experiências trocadas, a prática e a implementação, em nível mundial, do que está acontecendo no setor nuclear. A experiência de vida, a experiência que vemos praticada nos governos e em outros Estados. A tecnologia que cada vez mais se amplifica, fica cada vez mais disponível. Nós temos uma globalização que realmente aconteceu posterior a 1994 e o conhecimento está disperso, nós temos que nos beneficiar do conhecimento, da tecnologia e converter isso em prol da sociedade, em particular da brasileira.
Durante um painel o presidente da ENBPar, Ney Zanella, indicou que Angra 4 é tida como a quarta usina nuclear a ser construída no Brasil. A INB está preparada para fornecer combustível nuclear para as futuras quatro usinas de Angra?
Pensando já no PNE 2050, estamos trabalhando forte na obtenção das licenças ambientais do projeto Santa Quitéria. Com todo o discurso na parte social, na parte ambiental, endereçando todas as questões com as comunidades. Queremos transformar Santa Quitéria e a expansão de Caetité para a alimentação, para o fornecimento do concentrado de urânio para as usinas de Angra 1, 2 e 3. No caso de Lagoa Real, em Caetité, e Santa Quitéria, será possível atender o que está previsto no PNE 2050 e garante até um excedente de produção para que a empresa possa comercializar, fazer caixa e implementar outros projetos paralelos, como o enriquecimento de urânio.
A recente flexibilização do mercado de mineração no Brasil abre espaço para voos maiores da empresa? O que muda de fato para a INB?
Delegação Brasileira durante a Atomexpo, na Rússia
Sim, facilita o intercâmbio com outras empresas, o investimento, o acesso ao capital para desenvolver os projetos de forma mais sistemática, mais rápida e atendendo às questões de viabilidade econômica e financeira. Não adianta um projeto que tenha viabilidade econômica e não termos o recurso financeiro para implementá-lo. Então, temos que passar por todas as fases, obviamente quanto mais rápido, mais escala e menor custo conseguirmos implementar, melhor os resultados para a empresa e a comunidade.
A passagem da INB para debaixo do “guarda-chuva” da ENBPar também é mais um passo nesse caminho? Quais os benefícios da medida?
Facilita, porque passamos a ter uma gestão efetiva do caixa. Saímos totalmente das questões ligadas ao orçamento fiscal, limite de tetos e imposições e restrições orçamentárias anuais, que vem prejudicando o real tempo de se implementar os projetos. Isso dá uma gestão muito mais efetiva, mais racional, mais ampla e com o propósito de sempre procurar os melhores resultados.
* O repórter viajou a convite da Rosatom.
Fonte: Petronotícias