A transição energética está impondo um rumo à matriz de energia pós-petróleo, carvão e gás essencial para o crescimento mundial sustentável. Os recorrentes desastres naturais, como secas, enchentes, incêndios florestais e derretimento de geleiras, evidenciam ser fundamental priorizar a descarbonização para se alcançar uma sociedade mundial verde.
Por outro lado, o conflito na Ucrânia e seus desdobramentos no campo da energia confirmam a importância de ampliar a oferta de energia sustentável não apenas para mitigar o aquecimento climático, mas principalmente para garantir a segurança no suprimento de recursos energéticos. A dependência da Europa do gás russo sublinha a urgência de se diversificar as fontes de geração e, assim, evitar que sejam instrumentalizadas para coação política e chantagem econômica.
Energia nuclear ressurge como alternativa por atender aos três principais objetivos da política energética: flexibilidade, segurança e sustentabilidade. Os pequenos reatores são tecnologia disruptiva que abre rota para novos investimentos na indústria nacional
Ademais, em um mundo interdependente, a crise da Ucrânia também impõe custos ao desorganizar o comércio global de combustíveis, fertilizantes e alimentos. As consequências estão à vista: aceleração inflacionária, taxas de juros elevadas e recessão. Destaca-se que, em virtude do conflito, o mercado mundial de energia não será mais como antes. Contudo, as prioridades continuam focadas nas metas de descarbonização, objetivo maior do processo de transição, de modo a garantir a segurança energética e o desaquecimento climático global.
Investimentos crescentes, com destaque para geração eólica e solar, são fundamentais para tornar a matriz mundial mais sustentável. No entanto, a intermitência dessas fontes limita a sua capacidade de substituir as fontes fósseis. Por isso, é preciso compatibilizar e integrar as fontes tradicionais e renováveis, o que requer sistemas elétricos capazes de operar com resiliência e flexibilidade. Neste sentido, são necessárias unidades de geração que garantam o suprimento sem interrupções, adequando a oferta de energia à dinâmica da demanda em tempo real.
O Brasil detém a terceira matriz elétrica mais renovável do mundo, o que, porém, representa um desafio para a flexibilidade operativa do sistema elétrico nacional. As crises hídricas, que ocorrem no país desde 2013, as restrições ambientais à construção de hidrelétricas com reservatórios e o avanço da energia eólica e, agora, solar exigem que o Brasil busque soluções e crie competências que poderão também beneficiar outros países.
As plantas termelétricas a gás, geralmente importado, oferecem resposta à dificuldade econômica de aproveitar as reservas do pré-sal. Todavia, é uma solução de transição por ser incompatível com os compromissos do Brasil de longo prazo no âmbito dos acordos climáticos ambientais.
Frente a este complexo cenário mundial, a energia nuclear volta à cena por constituir uma fonte energética limpa e confiável, respondendo, atualmente, por 11% da oferta global de energia elétrica. Ademais, por representar um terço da produção mundial de energia elétrica sustentável, a energia nuclear contribui para o combate ao aquecimento global e, segundo a ONU, será essencial ao alcance das metas globais de redução de emissões fixadas para 2050.
Recentemente, a União Europeia decidiu qualificar a energia nuclear como fonte ambientalmente sustentável, embora não renovável. França e Reino Unido estão relançando seus programas nucleares, enquanto Alemanha e Japão suspenderam a desmontagem de seus parques nucleares. China e Rússia mantêm seus investimentos, assim como os EUA. Como resultado, estão hoje em construção e planejamento mais usinas nucleares do que nos últimos 50 anos.
O Brasil também trilha essa rota de segurança com sustentabilidade e o Conselho Nacional de Planejamento Energético firmou as bases de uma política de Estado. A recém-criada Agência Nacional de Segurança Nuclear zelará pelo padrão de qualidade e segurança do setor. Ademais, a retomada da construção de Angra III, junto com as parcerias entre o setor privado e a Indústrias Nucleares do Brasil (INB) para exploração de jazidas de urânio, gerará a capacidade para dar escala comercial à cadeia produtiva do combustível nuclear.
Recorde-se que o Brasil é um dos poucos países que detém tecnologia autônoma de enriquecimento do urânio e uma das maiores reservas mundiais deste metal.
Nesta retomada do ecossistema nuclear, destaca-se uma inovação tecnológica disruptiva: os pequenos reatores nucleares (SMR, sigla em inglês). Segundo a Agência Mundial de Energia Atômica (AIEA), há 80 projetos-piloto sendo desenvolvidos em 19 países. Os múltiplos benefícios desta tecnologia oferecem oportunidades para o Brasil atrair investimentos para a indústria nacional.
Por serem unidades de pequena potência (máximo de 100 MW), os SMRs não sofrem a mesma resistência popular associada às grandes plantas nucleares, uma vez que reduzem drasticamente o risco de acidentes radioativos e os custos em obras de contenção. Além disso, como são muito compactos, os SMRs apresentam as menores relações de MW instalado por km2, ocupando uma fração inferior à área exigida por usinas solares e eólicas.
Em termos de localização, os SMRs também são competitivos, já que podem ser instalados próximo a centros de consumo ou em sistemas isolados, reduzindo os investimentos em linhas de transmissão. Ademais, estes reatores podem ser conjugados com fontes intermitentes, de modo a auxiliar no aumento da eficiência e do alcance da geração eólica e solar.
Entende-se que os SMRs permitirão que o Brasil amplie e dinamize a cadeia produtiva existente, dado que estes reatores serão produzidos em linhas de montagem, diferentemente das grandes usinas. Nesta direção, o Brasil já está desenvolvendo um reator compacto para o seu programa de submarino à propulsão nuclear e tanto pode como deve integrar o grupo seleto de países investindo em SMRs. A AIEA está elaborando parâmetros técnicos para os protótipos em construção na Argentina, Canadá, China, Coreia do Sul e EUA, o que servirá de orientação para o desenvolvimento da tecnologia no Brasil.
No processo de transição energética, busca-se descarbonizar a geração de energia elétrica, através, principalmente, das fontes intermitentes eólica e solar. A energia nuclear, porém, ressurge como uma alternativa, uma vez que atende aos três principais objetivos da política energética: flexibilidade, sustentabilidade e segurança de suprimento. Neste contexto, os SMRs são uma tecnologia disruptiva que abre caminho para novos investimentos na indústria nacional, tão necessitada carente de crescimento, emprego e renda.
Nivalde de Castro é professor do Instituto de Economia da UFRJ e coordenador do Grupo de Estudos do Setor Elétrico (Gesel).
Marcel Biato foi Representante Permanente do Brasil junto à Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) em Viena.
Fonte: Valor