O Brasil passa por um novo ciclo de investimentos em energia nuclear.
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Entre os direcionadores estão, além da construção da usina de Angra 3, projetos de extensão da vida útil de Angra 1 e 2 e desenvolvimento de reservas de urânio e capacidade de produção.
Nesta entrevista, o presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), Celso Cunha, fala sobre as perspectivas para o setor.
BNamericas: Além de Angra 3, quais são as perspectivas para a expansão da energia nuclear no Brasil no curto, médio e longo prazos?
Cunha: Estamos vendo agora o prolongamento da vida útil de Angra 1, e também passaremos por esse processo em Angra 2. Então, só com esses casos, já começamos a ter demanda por serviços imediatos.
Ainda em termos de geração, o plano de energia 2031 de 10 anos [da empresa federal de pesquisa energética EPE] indicava a construção de mais 1 GW de energia nuclear na região Sudeste.
O Plano Nacional de Energia [PNE] 2050 indica 8 GW a 10 GW de novas usinas até lá.
Nota do editor: A construção de usinas já previstas no PNE 2050 pode exigir investimentos entre US$ 56 bilhões e US$ 70 bilhões.
Enquanto isso, temos a mina de urânio Santa Quitéria, que está sendo desenvolvida no estado do Ceará e tem o claro objetivo de abastecer Angra 1, 2 e 3 com combustível. O Brasil, hoje, apesar de dominar todo o ciclo do combustível e ter capacidade de produção por meio da INB [Indústrias Nucleares do Brasil], ainda não produz em escala suficiente para isso. Portanto, a ativação dessa segunda mina demandará um grande investimento e exigirá a ampliação da planta da INB para abastecer as três plantas e também a quarta unidade.
BNamericas: A turbulência geopolítica e o aumento da insegurança energética global, aliados às metas de descarbonização assumidas por governos e empresas, podem levar o Brasil a investir mais em energia nuclear no futuro?
Cunha: Com certeza. O mundo inteiro está investindo. A COP 26 [Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas realizada em Glasgow, em 2021] deu um sinal claro nesse sentido. Os fundos de investimento voltados para projetos verdes, como é o caso da energia nuclear, possuem linhas de financiamento próprias. Vários países lançaram programas ousados: a China com 150 reatores em 15 anos, a França, 14 reatores, Inglaterra, com uma linha de produção de pequenos reatores modulares, os EUA reativando sua indústria nuclear focada em pequenos reatores e produção de hidrogênio a partir desses equipamentos.
E o Brasil não ficará indiferente a isso. Temos uma matriz elétrica extremamente limpa e renovável, mas para continuar crescendo precisamos inserir fontes variáveis, como solar e eólica, além de fontes básicas, como é o caso das hidrelétricas. Mas estas últimas tem um alto risco por causa dos reservatórios, onde os níveis de água sofreram muito nos últimos anos. E as outras formas de geração de energia, como petróleo, carvão e gás, produzem muito carbono. Diante desse cenário, investir em energia nuclear é a coisa certa a se fazer, e é o momento de alavancar esses projetos.
BNamericas: Como a parceria entre a ENBPar e a Rosatom pode contribuir, na prática, para o desenvolvimento da energia nuclear no Brasil?
Cunha: Essa parceria é semelhante a outras já firmadas pela [estatal] Eletronuclear com empresas como a norte-americana Westinghouse, a francesa EDF e a chinesa CNNC. Ou seja, é uma parceria que visa possibilitar discussões e ter acesso a informações para a tomada de decisões de investimentos, o tipo de equipamento que a empresa produz, e se isso nos satisfaz e é interessante para nós. Acredito que toda parceria é muito bem-vinda, não temos que discriminar nenhuma delas.
BNamericas: Quais regiões brasileiras são mais adequadas para a instalação de novas usinas nucleares?
Cunha: O Brasil fez um extenso estudo em 2010 pela Coppe-UFRJ que identificou mais de 100 sítios, sendo 10 de grande interesse. Mas eu diria que a prioridade deve ser instalar as usinas o mais próximo possível dos grandes centros de carga, que ficam na região Sudeste. Então pode-se expandir para outras partes do país, por exemplo, próximo a locais onde há intermitência, com muita geração eólica e/ou solar, como a região Nordeste. Nosso problema não é falta de opções, mas decidir o mais rápido possível e colocar os projetos em andamento.
BNamericas: Os impactos ambientais e de segurança da geração nuclear são coisa do passado, dado o desenvolvimento da tecnologia após incidentes como Three Mile Island, Chernobyl e Fukushima? Ou ainda é esperada muita pressão da sociedade e dos ambientalistas contra a instalação de novas usinas no país?
Cunha: Precisamos ser claros com a população. Essa tecnologia evoluiu muito nos últimos anos, e incidentes como os anteriores dificilmente voltarão a acontecer, pois as usinas estão sendo atualizadas, modernizadas e as novas usinas já vêm com todas essas condições.
A fonte nuclear é uma das mais fiscalizadas e controladas do mundo. Hoje já se percebe que os ambientalistas entenderam que, sem energia nuclear, não há descarbonização. No Brasil, nós mesmos, da Abdan, já tivemos conversas com o Partido Verde e movimentos ambientalistas, que também entenderam isso.
Cada fonte tem atributos positivos e negativos, e acredito que a nossa vai avançar muito agora.
Fonte: BNamericas