Cientistas da Coreia do Sul conseguiram manter uma reação de fusão nuclear estável por 30 segundos no dia 9 de setembro. As temperaturas atingidas foram de 100 milhões de graus celsius – o equivalente a sete vezes o calor produzido pelo Sol.
Embora pareça curta, a marca representa um avanço significativo na busca por um reator nuclear de fusão, que poderia trazer energia 100% limpa no futuro a custos baixíssimos, ajudando a frear a crise climática. Diferentemente das técnicas de fissão nuclear – já usadas há décadas na produção de energia – a fusão nuclear tem pouquíssimos riscos e não resulta em lixo radioativo. A operacionalização do método, porém, ainda é repleta de entraves, dadas as temperaturas e os equipamentos necessários.
Neste texto, o Nexo explica o que é a fusão nuclear, como ela funciona, quais as dificuldades de implementação e como estão os estudos na área. A física nuclear é uma área de estudos complexa e cheia de nuances. Por isso, antes da explicação, o Nexo apresenta um pequeno glossário com alguns dos termos para facilitar o entendimento do texto.
Elétron: Partícula subatômica com carga elétrica negativa
Próton: Partícula subatômica com carga elétrica positiva. Também é parte da composição do núcleo do átomo
Nêutron: Partícula subatômica com carga elétrica neutra. Junto dos prótons, compõem o núcleo atômico
Íon: Átomos que perderam ou ganharam elétrons
Plasma: É o quarto estado da matéria. Ocorre quando uma substância no estado gasoso é aquecida a altas temperaturas e se torna um íon. Raios e a superfície do sol são exemplos de plasma
Tokamak: É o nome do reator no qual ocorre a fusão nuclear. Ele é uma câmera, projetada em formato de rosca, repleta de eletroímãs (ímãs que funcionam a partir de indução eletromagnética)
O que é a fusão nuclear
A energia nuclear já é usada há décadas no mundo todo. Usinas como a de Angra dos Reis, no Rio de Janeiro, trabalham a partir da fissão (quebra) de átomos de metais pesados.
Isso gera grandes quantidades de energia – mais do que usinas hidrelétricas ou a queima de combustíveis fósseis. Mas, ao mesmo tempo, produz lixo radioativo que, se entrar em contato direto com seres vivos, pode causar grandes tragédias, como o desastre de Chernobyl, na atual Ucrânia, nos anos 1980; e o vazamento da usina de Fukushima, no Japão, em 2011.
A fissão nuclear – que é usada também em bombas atômicas – quebra um átomo em dois. Esses dois, por sua vez, se quebram em outros dois; que se quebram em outros dois e assim por diante em uma reação em cadeia.
Já a fusão nuclear – como o próprio nome diz – consiste em unir dois ou mais átomos distintos para formar um terceiro. A diferença na massa dos elementos combinados gera a liberação de energia.
O processo de fusão nuclear acontece todos os dias no Sol, a partir da transformação de átomos de hidrogênio em átomos de hélio. É a partir dessas reações que a estrela emite luz e calor, essenciais para a vida na Terra.
O hidrogênio, gás inofensivo e abundante na atmosfera terrestre, é fácil de ser fundido. Por isso, a ideia de construir um reator nuclear de fusão consiste em imitar, em menor escala, as reações que já acontecem no Sol, a fim de aproveitar a energia resultante das reações para alimentar redes elétricas e maquinários de diversos tipos e tamanhos.
A fusão nuclear tem dois combustíveis:
Deutério: Gás derivado do hidrogênio, pode ser extraído da água do mar
Trítio: Metal derivado do lítio, abundante na Terra, usado para construção de baterias eletrônicas
A combinação do deutério com o trítio consegue gerar grandes quantidades de energia a um custo baixo, sem produzir resíduos tóxicos. Quando os átomos se fundem, o resultado final é vapor, que, por sua vez, é direcionado para turbinas geradoras.
A Agência Internacional de Energia Atômica, consórcio formado por departamentos científicos de governos do mundo todo, estima que 3,8 litros de água usados no processo de fusão conseguem produzir o equivalente à energia obtida com a queima de 300 barris de petróleo – que emite uma série de poluentes que contribuem para a mudança climática.
Segundo a instituição, apenas algumas gramas de deutério e trítio são capazes de gerar a energia que uma pessoa gasta ao longo de 60 anos, considerando os padrões médios de consumo de eletricidade ao redor do mundo.
Por que a fusão nuclear ainda não é usada
Apesar da eficiência e do potencial, a fusão nuclear ainda não é usada comercialmente pelos desafios que ela impõe.
O primeiro deles: as temperaturas exigidas para manter a reação são altíssimas, de forma que, muitas vezes, a energia exigida para atingi-las é maior do que a energia produzida pela fusão. Nesse caso, há deficit de energia, e o processo não vale a pena.
O segundo tem relação direta com o primeiro: controlar o plasma, o estado da matéria necessário para a fusão, não é tarefa fácil. Os reatores Tokamak funcionam a partir de grandes ímãs que tentam prender a energia dentro da câmera sem deixar que ela encoste nas paredes do dispositivo – o que causaria o fim da reação e grandes danos para o equipamento. Conseguir controlar o plasma é a chave para o reator gerar mais energia do que consome.
O terceiro, por fim, rege os outros dois: desenvolver as tecnologias e os estudos necessários para a fusão requer grandes quantidades de dinheiro e colaboração entre os setores público e privado de diversos países.
O Iter – sigla em inglês para Reator Termonuclear Experimental Internacional – é um dos principais projetos na área. Ele é formado por 35 países (União Europeia, China, Índia, Coreia do Sul, Rússia, Japão e Estados Unidos) e deve custar US$ 40 bilhões (R$ 210 bilhões em setembro de 2022) até 2025, quando a primeira reação está programada para acontecer. A expectativa é de que ele esteja 100% operacional em 2035.
“Grandes quantidades de cientistas e engenheiros são necessários para trabalhar nessas máquinas e conduzir os experimentos exigidos para conseguirmos testar o conceito”, afirmou o físico Mark Dogson, da Universidade de Queensland, na Austrália, em texto publicado no site do Fórum Econômico Mundial em 2020. “A colaboração internacional e multisetorial é necessária.”
Quais os avanços mais recentes
O estudo feito na Coreia do Sul representa um avanço significativo para a busca pela energia de fusão nuclear. O experimento foi feito pelo grupo de pesquisas Kstar, financiado pelo Ministério da Ciência sul-coreano.
Com ele, ficou comprovado mais uma vez que conquistar uma fusão bem sucedida agora só depende de esforços de engenharia para manter a reação acontecendo por mais tempo e distribuir a energia gerada.
“Se é possível manter uma fusão ativa por cinco segundos, é possível mantê-la por cinco minutos e depois por cinco horas conforme a escalabilidade promovida pelas novas tecnologias”, disse ao site do Fórum Econômico Mundial o físico Tony Donne, do grupo de pesquisas Eurofusion, consórcio de 30 universidades europeias.
A reação obtida pelo grupo Kstar pode ser vista no vídeo abaixo:
Os 30 segundos conquistados pelo grupo coreano só ficam atrás dos 101 segundos obtidos pela Academia Chinesa de Ciências em junho de 2021. Ambos mostram que os estudos e equipamentos desenvolvidos para a área estão no caminho certo.
Tanto os estudos chineses, quanto os coreanos mostram que atingir uma reação estável é possível, faltando apenas aprimorar os equipamentos e estruturas necessárias.
Os possíveis impactos
No vídeo abaixo, o físico Vinícius Njaim Duarte explica por que a fusão nuclear é importante para o futuro ambiental e energético do planeta.
“Acho que não existe nenhum exagero em falar que seria um divisor de águas na civilização. Se for provada a viabilidade comercial desse conceito, desses reatores, não existiria mais necessidade, ou diminuiria consideravelmente a necessidade, de combustíveis fósseis e mitigaria em muito a emissão de gases de efeito estufa, justamente no momento em que o mundo vem discutindo como conter os efeitos causados pela humanidade nas mudanças climáticas”, disse ao Nexo Políticas Públicas em maio de 2021.
O pesquisador faz parte do Brazil LAB do Princeton Institute for International and Regional Studies, um dos parceiros do Nexo Políticas Públicas.
Para o físico nuclear Gustavo Canal, da Universidade de São Paulo, as pesquisas estão no caminho certo e podem ser de fato revolucionárias. O problema é o tempo necessário para garantir a resistência dos materiais usados nos reatores.
“Durante uma reação, o valor do bombardeamento sobe exorbitantemente, fica uma ordem de grandeza acima do que os materiais suportam”, afirmou ao jornal Folha de S.Paulo em novembro de 2021.
E o Brasil?
O Brasil chegou a ser convidado para participar do consórcio do Iter em 2009, mas acabou recusando a proposta pelo valor. A organização queria que o país pagasse 10% do preço total do reator, já que seriam usados condutores feitos com nióbio, metal abundante no território nacional.
Três anos depois, em 2012, o país assinou um acordo de cooperação com a Euratom (Comunidade Europeia de Energia Atômica), que está em vigor. Ele prevê a concessão de dados de pesquisas e participação de cientistas brasileiros nas pesquisas internacionais do grupo.
Paralelamente, o Brasil tem planos para construir – até 2024 – o Laboratório de Fusão Nuclear, parte do Reator Multipropósito Brasileiro, numa área cedida pela Marinha no município de Iperó, interior de São Paulo.
Além disso, o Brasil é o único país do Hemisfério Sul que possui equipamentos para pesquisas em fusão nuclear, com três equipamentos: um tokamak de pequeno porte que está sendo modernizado na Universidade Federal do Espírito Santo; um tokamak experimental, instalado no Laboratório Associado de Plasmas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais; e um do Instituto de Física da USP (Universidade de São Paulo). Todos estão em fase de pesquisa e experimentação.
Fonte: Nexo Jornal