O Wall Street Journal relatou recentemente que governador da Califórnia, Gavin Newsom, estava liderando um esforço de undécima hora para aprovar uma legislação que estende uma linha vital para a Diablo Canyon, uma usina nuclear de 2.250 megawatts que abastece cerca de 8% da energia produzida no estado.
Sob a pressão de parlamentares e ativistas ambientalistas, a Pacific Gas and Electric Company (PG&E) em 2016 aceitou encerrar a concessão da Diablo Canyon quando suas licenças de operação expirassem, em 2024 e 2025. Mas à luz da recente política energética ambiental, os parlamentares da Califórnia pensaram outra vez.
No último dia da sessão legislativa, os parlamentares aprovaram uma lei que estenderá o prazo da usina por mais cinco anos.
Eis um duro golpe para Newsom, que há muito anunciara que a usina Diablo Canyon seria fechada.
“Eu simplesmente não enxergo essa usina sobrevivendo depois de 2024, 2025. Eu simplesmente não enxergo isso”, disse Newsom na campanha para o governo em 2016. “E há um argumento imponente para ela não sobreviver.”
A energia nuclear está na moda de novo
A Califórnia não está sozinha em dar uma segunda chance para a energia nuclear.
A Bélgica é um dos vários países europeus que tenta prorrogar licenças que estão prestes a vencer e, assim, manter em operação as usinas nucleares. Enquanto isso, a França propôs construir até 14 novas usinas nucleares nos próximos anos. O Japão, que fechou seus reatores nucleares após a crise de Fukushima em 2011, agora quer reativar nove reatores. Enquanto isso, o Morning Brew relata que o Reino Unido, a Polônia e a República Tcheca estão todos revelando planos de construir novos reatores nucleares.
De repente a energia nuclear está de volta, e não é difícil entender por quê. Os preços do gás natural dispararam globalmente. Nos EUA, os preços do gás natural recentemente atingiram o maior pico em 14 anos, mas nada se compara à Europa, onde os preços atingiram o maior pico de todos os tempos — equivalente a 600 dólares por barril de petróleo.
Isto enviou ondas sísmicas por toda a Europa, onde as empresas estão relatando a quintuplicação anual dos preços.
Há pouco debate quanto ao fato de que a Europa está no meio de uma crise energética perfeita, na qual não tem pouca culpa a busca das nações pela energia “verde“, que as afastou da produção doméstica (em especial combustíveis fósseis e energia nuclear) e levou a confiar nas importações de gás natural russo, colapsadas com a invasão da Ucrânia e a geopolítica russa.
8% da energia da Califórnia sumiram?
A situação da Califórnia é diferente da Europa, mas também há uma razão clara para o estado repensar a decisão de fechar sua única grande estação energética: a saber, sua combalida rede elétrica.
Semana passada, os operadores da rede da Califórnia alertaram para apagões e incentivaram os cidadãos a “colocarem os termostatos em 25ºC ou mais, evitarem o uso de grandes eletrodomésticos e dar carga em carros elétricos, além de desligarem luzes desnecessárias.”
Isso não é novidade na Califórnia, que tem um longo histórico de apagões mesmo com um dos menores consumos de energia per capita no país (graças ao seu clima ameno, sobretudo).
A razão disso tampouco é complicada. A Califórnia é tida como um caso de sucesso da energia verde, e às vezes é mesmo um sucesso. Já neste ano, num dia ameno de maio, a Califórnia produziu energia renovável suficiente para 103% da demanda, atingindo um novo recorde.
O problema é que algumas dessas fontes de energia são intermitentes. Na maioria dos dias, a produção de energia renovável fica bem aquém da demanda dos consumidores, e é por isso que metade da energia da Califórnia é produzida por gás natural — que está ficando bem caro, como notado acima.
Mas o problema real é o abastecimento de energia.
A rede elétrica da Califórnia já está no seu limite, o que significa que abortar subitamente a energia nuclear é uma receita para o desastre. Como até mesmo os parlamentares progressistas da Califórnia admitem, a usina Diablo Canyon gera mais de 8% de toda a eletricidade da Califórnia, e corresponde a 17% da sua produção com carbono zero.
Se você acha que o problema californiano dos apagões está ruim agora — e na certa está — experimente perder de modo abrupto 18.000 GW·hrs da eletricidade anualmente para ver o que acontece… Depois ainda acrescente um milhão de carros elétricos à economia, quando o banimento estadual de carros a gasolina entrar em vigor.
A lição
Como afirmou a NPR, a reviravolta da Diablo Canyon é diga de nota porque a Califórnia é o berço do movimento antinuclear nos Estados Unidos. Por anos os ambientalistas se opuseram à energia nuclear “sobretudo por receios quanto ao lixo nuclear e aos acidentes possíveis, bem como por sua associação com armas nucleares.”
Como Fukushima mostra, esses receios não são de todo infundados. Acidentes nucleares ocorrem, sim, embora sejam raros. Usinas nucleares criam, sim, lixo radioativo. Há, sim, ônus óbvios na energia nuclear.
Onde os ambientalistas erram, porém, é ao acharem que os ônus são exclusividade da energia nuclear e dos combustíveis fósseis. O fato é que toda produção de energia vem com ônus, e os defensores da suposta “energia verde” têm o hábito detestável de negligenciá-los.
Seu vizinho com um slogan verde na placa do jardim pode apontar que sua caminhonete gasta muita gasolina, mas ele na certa não sabe que foram necessários milhares de quilos de emissões de CO2 para produzir a bateria que carrega o seu Tesla. (E nem conte a ele de onde vem o cobalto da bateria.)
A sua tia pode falar cheia de orgulho dos painéis solares no telhado, mas na certa não sabe que, numa escala de utilidade, a energia solar tem uma pegada de carbono maior do que a da energia nuclear, nem que painéis solares produzem, literalmente, toneladas de lixo tóxico.
A sua sobrinha pode falar sobre a importância de virarmos uma economia de “emissão zero”, mas ela na certa não percebe os custos ambientais (deixemos de lado os econômicos) de chegar lá — que incluem minerar 34 milhões de toneladas métricas de cobre, 50 milhões de toneladas de zinco, 40 milhões de toneladas de chumbo, 5 bilhões de toneladas de ferro e 160 milhões de toneladas de alumínio (é pegar ou largar).
A questão é clara: toda produção de energia vem com ônus. Muitos podem acreditar que só os políticos são capazes de avaliar os ônus e bônus das energias, mas tanto a economia quanto os nossos próprios olhos revelam que isso não é verdade.
Em face do que muitos ambientalistas dizem ser o apocalipse climático, fez sentido os governos europeus largarem as usinas nucleares — uma das formas mais limpas de energia que existem —e importarem combustíveis fósseis da Rússia, um país hostil à liberdade e historicamente inclinado ao autoritarismo?
Outrossim, fez sentido a Califórnia largar a energia nuclear querendo se tornar uma economia “100% emissão zero”?
É claro que a resposta a essas perguntas é não. A realidade é que os políticos não têm nenhum conhecimento especial quando se trata de decidir quais balanços fazem mais sentido, o que pode explicar por que um mundo de energia abundante está, subitamente, enfrentando uma crise energética jamais vista em gerações.
Então, ainda que possamos ficar gratos por tantos políticos, ambientalistas e países finalmente estarem reconhecendo os benefícios da energia nuclear, devemos nos perguntar por que demos a eles tanto poder, em primeiro lugar.
Fonte: Gazeta do Povo