Apesar de polêmica, a energia nuclear está em perspectiva de crescimento dentro da matriz das grandes potências europeias e passa por forte expansão nos EUA. Com a guerra entre Rússia e Ucrânia e a consequente crise energética no mundo, a rota foi recalculada. Se antes havia mais resistência de legisladores para dar aval ao desenvolvimento de energia nuclear, agora, com o conflito no Leste Europeu, o investimento nessa fonte de energia está encontrando menores barreiras politicas.
Nesta semana, França, Bélgica e Espanha, principais países do bloco europeu neste setor de energia, tiverem uma vitória. Na quarta-feira, 6, a União Europeia abriu portas para uma captação bilionária de recursos privados, ao permitir a inclusão da energia nuclear e gás natural como “fontes energéticas verdes” no documento chamado “Taxonomia da UE para atividades sustentáveis”.
O rótulo de energia limpa para essas duas fontes estava sendo discutidos desde 2 fevereiro de 2022, no pré-guerra. A maioria de 328 parlamentares foi favorável à inclusão, contra 278. “A agressão militar não provocada da Rússia à Ucrânia aumenta a urgência de acelerar nossa transição limpa”, menciona a Comissão Europeia, em nota oficial.
A inclusão na Taxonomia da UE está longe de ser apenas uma classificação burocrática. Além de prever investimento em instalações nucleares existentes, o regulamento do bloco europeu abrange a aprovação de novos projetos de usinas nucleares com a utilização da tecnologia Geração III+, que exige protocolos de segurança mais rígidos. “A Alemanha baniu o nuclear após o desastre de Fukushima no Japão e, depois, sofreu uma consequência política energética com a crise. A França havia aprovado leis para diversificar a sua matriz e reduzir a sua dependência nuclear, o que foi revisto ao longo do tempo; o país vem anunciando investimento em novas centrais nucleares. A taxonomia benefinicia a França e de outros países que vão poder investir em nuclear”, avalia Diogo Lisbona, economista e pesquisador do Centro de Estudos e Regulação em Infraestrutura, da Fundação Getulio Vargas (FGV CERI).
Depois do EUA, a França é a segunda potência nuclear do mundo, tanto em número de reatores (56), quando em potência energética (61 mil megawatts), segundo ranking do sistema de Informação de Potência de Reator, da Agência Internacional de Energia Atômica (IAEA, na sigla original). A maior parte desse poderio é da gigante Électricité de France (EDF), empresa com 84% das ações detidas pelo estado. O governo de Emanuel Macron revelou esta semana que pretende estatizar por completo a empresa, como forma de aumentar a segurança energética do país.
Já o governo dos Estados Unidos, em paralelo, continua expandindo o seu domínio no setor. Com a tarja de investimento em energia limpa, o executivo americano estendeu o prazo para o programa de Crédito Nuclear Civil, uma iniciativa de financiamento de 6 bilhões de dólares destinados à manutenção de usinas nucleares com dificuldades operacionais. O prazo de solicitação de crédito foi adiado de 5 de julho para 6 de setembro deste ano.
Em complemento, 2,5 bilhões de dólares também foram anunciados para investimento em tecnologias nucleares nos estados de Washington e Wyoming. “A energia nuclear é um elemento-chave do plano do presidente de colocar os Estados Unidos no caminho para emissões zero até 2050”, destaca o Departamento de Energia, em nota, ao anunciar a estimativa do orçamento do ano fiscal de 2023. Cerca de 1,7 bilhões de dólares foram estimados para o Escritório de Energia Nuclear (NE), especificamente ao apoio de “tecnologias emergentes e melhorias no ciclo do combustível nuclear”, menciona a nota.
No legislativo americano, uma medida bipartidária introduzida em 2021 pode ganhar força no contexto de guerra. A Lei de Infraestrutura Nuclear Americana (ANIA), no nome de senadores democratas e republicanos como Shelley Moore Capito e Cory Booker, almeja garantir a cadeia de fornecimento regular de urânio (combustível às usinas termonucleares) no país e criar empregos com o investimento na infraestrutura nuclar.
A sombra do risco envolvendo essa fonte de energia – respaldada por grandes desastres históricos como Fukushima (2011), Tokaimura (1999), e Chernobyl (1986) – está sendo colocada de escanteio neste momento de crise, embora os efeitos práticos da transição energética só apresentarão resultado, potencialmente, no longo prazo. “São investimento com período de tempo, em geral, elevado. Mas, em médio prazo, tem algumas centrais que passam por processo de manutenção”, menciona Lisbona.
Fonte: Veja