por Rodrigo Tavares, fundador e presidente do Granito Group; professor catedrático convidado na NOVA School of Business and Economics, em Portugal. Nomeado Young Global Leader pelo Fórum Econômico Mundial, em 2017
Para expiar as culpas e apaziguar os nossos fogos internos, a humanidade lança-se na busca de soluções totalitárias que nos salvem de nós próprios. Por séculos, encontrar o Santo Graal era uma profissão de fé e o expediente para a redenção dos pecados. Por décadas, o uso da violência e a opressão política foram justificadas pela necessidade de se construir uma ordem socioeconômica alicerçada nos princípios da propriedade comum dos meios de produção, do igualitarismo e da ausência de classes sociais.
E agora que a humanidade enfrenta a possibilidade técnica de extinção devido às mudanças climáticas, procuramos uma nova solução universal e radical que se sobreleve às mesquinhezes governativas e aos impasses individuais. Para enfrentar as mudanças do clima, a pergunta que se faz é: como podemos ter acesso a energia barata, ilimitada e verde?
Solar, eólica, nuclear, hidrogênio verde? Nenhuma das respostas possíveis gera conforto. A Universidade de Princeton lançou o estudo “Net-Zero America”, o primeiro a modelar com profundidade as necessidades energéticas dos EUA até 2050, e nenhum dos cenários é otimista. Viveremos às escuras se continuarmos na trajetória atual.
A solução mais revolucionária para resolver os problemas energéticos da humanidade reside na fusão nuclear. Mas a ciência é tão complexa que a maior parte dos físicos olha para esta possibilidade de forma jocosa. O estudo de Princeton ignorou-a por completo. “Há 30 anos que ouço que a fusão nuclear será desenvolvida daqui a dez anos”, disse à coluna um professor catedrático de física português, entre sorrisos.
A fusão é o processo que alimenta estrelas como o sol e possibilita a geração de uma fonte de energia limpa, segura e quase ilimitada a longo prazo na Terra. Corresponde à junção de núcleos de átomos, um processo inverso ao que está na base dos atuais reatores nucleares, caracterizado pela separação de núcleos atômicos de elementos radioativos. A fusão é alimentada a água e consegue produzir grandes volumes de energia sem emissão de carbono.
Desde a década de 50, coalizões de governos e de cientistas têm desenvolvido projetos imperiais que visam testar a viabilidade da fusão nuclear como fonte de energia. Todos em estágio embrionário e experimental. O mais conhecido é o reator Iter (International Thermonuclear Experimental Reactor), localizado em França, cuja construção começou em 2010. O experimento junta União Europeia, Índia, Japão, Rússia, China, Estados Unidos e Coreia do Sul. Um cientista do Iter, entrevistado pela CNN Portugal, disse acreditar que a fusão poderá estar ao nosso alcance, em nível industrial, em 40 a 50 anos. O Iter é o “maior projeto de sempre da humanidade em termos científicos”, rematou.
Mas há quem acredite que não precisaremos esperar meio século. Na semana passada, também em Princeton, uma das funcionárias mais sêniores da Commonwealth Fusion Systems (CFS) fez uma apresentação reservada para 40 pessoas sobre os planos da empresa, criada a partir do MIT. O objetivo é atingir a fusão em três anos.
A empresa utiliza a tecnologia de eletroimã supercondutor de alta temperatura e argumenta que é muito mais barata e eficaz do que os supercondutores de baixa temperatura usados pelo Iter. Enquanto o desenvolvimento da primeira opção custa cerca de US$ 2 bilhões, a segunda tem um orçamento de US$ 50 bilhões, dos cofres públicos. O hardware e tecnologia de alta temperatura permitem criar campos magnéticos muito mais fortes, com uma infraestrutura 40 vezes menor.
A CFS é uma startup criada em 2018. Sua meta inicial era se capitalizar. Meta atingida. Fez uma rodada de captação de US$ 1,8 bilhão, a maior já realizada no estado de Massachusetts (onde estão localizadas Harvard, Tufts e o MIT), com capital de bilionários americanos, fundos de VC globais, fundos soberanos asiáticos, uma multinacional de energia europeia e fundos de pensão europeus. Os nomes foram revelados ao público, em caráter reservado.
A segunda meta, prevista para 2021, era demonstrar com sucesso um imã de alta temperatura supercondutor (HTS, em inglês) a produzir um campo de energia com força de 20 tesla, o mais poderoso deste gênero. Meta atingida.
Fonte: Folha de S. Paulo