O Brasil abriu diálogo com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) sobre o início da produção de combustível para o projeto de seu submarino de propulsão nuclear. A Sputnik Brasil ouviu especialistas para discutir o assunto.
Desde 2008, o Brasil desenvolve seu primeiro submarino nuclear em parceria estratégica com a França. O projeto é parte do Programa de Desenvolvimento de Submarinos (PROSUB), que prevê ainda a fabricação de quatro submarinos convencionais. A construção de um submarino nuclear é um sonho de décadas dos militares brasileiros é um dos principais projetos tecnológicos do país.
Isso porque o desenvolvimento do Submarino Convencional de Propulsão Nuclear (SCPN) Álvaro Alberto pode aumentar o poder de dissuasão brasileiro no Atlântico e coloca o Brasil em um grupo seleto. Dentre os membros do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP), ratificado pelo Estado brasileiro, apenas Rússia, China, Estados Unidos, Reino Unido e França operam submarinos do tipo. Entre os países fora TNP, a Índia é o único país com submarinos nucleares.
Dessa forma, o Brasil pode ser o primeiro país sem bombas atômicas a desenvolver uma embarcação desse tipo. Isso se não for ultrapassado pela Austrália, que entrou na corrida recentemente após acordo de parceria com os Estados Unidos e o Reino Unido, no âmbito do pacto trilateral AUKUS.
Na semana passada, o chefe da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Rafael Grossi, anunciou que o Brasil contatou a organização para comunicar o início da produção de combustível necessário para testes da fase de desenvolvimento do submarino nuclear brasileiro. Grossi deve elaborar um relatório sobre o assunto nos próximos meses.
Apesar do comunicado enviado à AIEA, o Brasil não precisa de autorização da agência para produzir combustível nuclear, tanto no caso dos submarinos como no caso das usinas de Angra dos Reis. A premissa de comunicar a agência é parte do Tratado de Não-Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Portanto, a consulta à AIEA não gera atrasos ao projeto e nem pode impedir seu andamento.
“A agência não tem jurisdição na autorização desse tipo de combustível. Os submarinos movidos a energia nuclear podem ficar submersos e no mar por muito mais tempo do que os demais. Eles representam um desafio particular de proliferação, porque operam fora do alcance dos inspetores da AIEA”, explica à Sputnik Brasil a pesquisadora Inaya Lima, professora de Engenharia Nuclear da Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Lima ressalta que a agência tem como função fiscalizar o desenvolvimento de materiais nucleares com o objetivo de impedir a construção de armamento atômico. Segundo a professora da UFRJ, apesar do desafio de fiscalização, o projeto de submarino é parte de um programa nuclear pacífico brasileiro e tem pouca semelhança com o desenvolvimento de bombas.
“Construir reatores nucleares, como no caso dos submarinos, exige desenvolvimento que pouco se assemelha em qualificação ao desenvolvimento de armas nucleares. Basicamente, projetar um reator não exige um teste de explosão como se espera no processo de desenvolvimento de artefatos nucleares”, aponta a pesquisadora.
Além de dominar a tecnologia de enriquecimento, o Brasil tem uma das maiores reservas de urânio do mundo. O minério é a principal matéria-prima de combustível nuclear, atualmente utilizado nas usinas nucleares brasileiras.
“Hoje o Brasil domina praticamente todas as tecnologias envolvidas no ciclo dos combustíveis. A mineração do urânio é a 1a etapa do processo e existem interesses comercial e militar na mineração do urânio e na fabricação do combustível nuclear com a retomada de políticas de incentivo à energia nuclear no país. A Indústria Nuclear Brasileira (INB/AS) responde pela exploração do urânio desde a mineração até a montagem dos elementos combustíveis”, diz Lima.
Apesar da parceria com a França no projeto, a tecnologia nuclear é totalmente brasileira. Os europeus participam do desenho do submarino, principalmente em relação aos dados de equipamentos à bordo para garantir a precisão de cálculos sensíveis de gravidade e flutabilidade para que o submarino tenha capacidade de submergir e voltar à superfície em segurança.
Projeto de submarino está atrasado, diz fonte
Segundo especialistas, o combustível nuclear em questão terá como destino o Laboratório de Geração Nucleoelétrica (Labgene), o protótipo em terra da planta nuclear do submarino nuclear brasileiro. O Labgene fica localizado em Iperó-SP.
À Sputnik Brasil, uma fonte familiarizada com o tema afirmou que o projeto está atrasado devido à falta de recursos. Segundo a fonte ouvida, a ideia de conclusão do projeto até o final da década é um prazo razoável, apesar de depender de futuros investimentos. Os atuais testes do protótipo do submarino devem durar entre dois e três anos.
Fonte: Sputnik Brasil