Dois acontecimentos externos indicam claramente que o Brasil precisa amadurecer e discutir em outro nível, sem emoção, a questão nuclear, inclusive introduzindo mudanças que possam levar ao fim do monopólio da União fixado na Constituição e à privatização do segmento.
Na Argentina, foi anunciado que uma empresa chinesa deverá construir a quarta usina nuclear do país, dando continuidade às centrais nucleares de Atucha I, Atucha II e Embalse.
E, na União Europeia, intensifica-se a discussão para que a energia gerada por centrais nucleares e térmicas a gás seja oficialmente reconhecida como “energia verde”. Os ambientalistas estão quase infartando por causa disso.
No Brasil, não se discute a questão nuclear e a coisa anda meio de lado, meio envergonhada, embora nos últimos três anos o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, venha tentando destravar as dificuldades que existem na frente da energia nuclear. Não tem faltado empenho, da parte do ministro, para concluir a usina Angra III, um dos maiores absurdos em termos de planejamento que já se praticou no Brasil. Há anos os equipamentos de Angra III estavam encaixotados, pois faltava decisão política (leia-se orçamento) para concluir a obra.
É importante deixar claro para os leitores que o site “Paranoá Energia” não vê a energia nuclear com preconceitos e entende que ela pode ocupar mais espaço na geração elétrica do Brasil. Precisamos, sim, aperfeiçoar e modernizar o modelo de geração nuclear, pois já está na hora de enterrar velhos preconceitos que se arrastam desde a época da ditadura militar.
Nosso País tem reservas consideráveis de urânio e há muito tempo já controlamos o ciclo que vai desde a mineração até a geração elétrica nas usinas Angra I e II, com alto grau de segurança nas operações.
É verdade que a explosão da usina nuclear de Fukushima, no Japão, em 2011, causou uma comoção mundial devido ao derretimento de três dos seis reatores. Mas é bom lembrar que o fato aconteceu em decorrência de um tsunami que se seguiu a um terremoto de 8.7 na escala Richter, cujo nível máximo é 9.5.
A Alemanha, desde então, vem implementando um programa para desativar todas as suas usinas nucleares. Entretanto, a França, ao lado da Alemanha, adora a energia nuclear e, ao contrário, tem planos para aumentar a sua geração nesse segmento.
Isto significa que existem muitas verdades nessa questão e o Brasil está distante dela. Aqui, poderíamos discutir, por exemplo, se tem sentido manter na Constituição o monopólio em favor do Estado. Diz a Constituição Federal que compete à União explorar os serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer monopólio estatal sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e o comércio de minérios nucleares e seus derivados.
Essa discussão sobre o monopólio leva automaticamente a uma outra, que é acabar com a militarização da área nuclear. O ministro Bento Albuquerque, vale lembrar, é um almirante de quatro estrelas e, antes de assumir o MME, era o responsável pela frota de submarinos da Armada, inclusive o projeto do submarino nuclear.
As más línguas da política dizem que Albuquerque foi indicado por Jair Bolsonaro para o MME não só com a missão de não deixar faltar energia elétrica, mas, também, de olhar com muito carinho para a área nuclear. Verdade ou não, fofoca ou não, o fato concreto é que o ministro está dando conta do recado e tocando para a frente o projeto de conclusão da usina Angra III, o que já o torna merecedor, no mínimo, de uma medalha de honra ao mérito.
Algumas mudanças institucionais estão acontecendo. Por exemplo: foi publicado o Decreto Nº 10.861, de 19 de novembro de 2021, que vincula a Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN) ao Ministério de Minas e Energia (MME). A autarquia vai regular, licenciar e fiscalizar todas as instalações nucleares no Brasil pela primeira vez de forma independente e representa a consolidação de um novo marco legal estratégico no setor nuclear.
Além disso, no mês passado, foi ativada, em Brasília, a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional S.A. (ENBPar). É uma estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia (MME), criada para viabilizar a privatização da Eletrobras. A ENBPar vai assumir as atividades da Eletrobras que não podem ser privatizadas, como as empresas Itaipu Binacional e Eletronuclear.
Todas as formas de geração elétrica embutem riscos ambientais. No caso da energia nuclear, que é 100% limpa, a crítica diz respeito principalmente aos cuidados com os rejeitos radioativos.
Existem muitos aspectos a se discutir na expansão da energia nuclear no Brasil. O que não se precisa fazer mais é jogar a questão para baixo do tapete e fingir que ela não existe.
O brasileiro demonstra que é muito bom nisso: não gosta de discutir determinados assuntos com seriedade e adora fingir que não é com ele. Não precisa fazer o mesmo com a energia nuclear. Discutir não é crime e nem pecado.
Fonte: Paranoá Energia