Criada na Finlândia, Iida Ruishalme sempre teve uma grande afinidade com a natureza, principalmente com a floresta, onde adorava fazer caminhadas com seus cães. Hoje, ela está preocupada que suas filhas não vivenciem dias tão idílicos com a aceleração da crise climática. Em novembro, a finlandesa embarcou em um trem noturno saindo da Suíça para se juntar a protestos pela energia nuclear na capital alemã, Berlim.
Ruishalme concorda que o mundo precisa de mais usinas de energia eólica e painéis solares. No entanto, o que ela e seus colegas manifestantes realmente querem é um compromisso com outra coisa: a energia nuclear.
“Temos que dar uma chance a essa tecnologia”, escreveu a mulher, uma das fundadoras da organização Mothers for Nuclear, juntando-se a dezenas de outras pessoas segurando cartazes na frente do Portão de Brandenburgo, um cartão-postal de Berlim.
A energia nuclear é uma das fontes de baixo carbono mais confiáveis disponíveis no mundo, mas as lembranças dos acidentes de Fukushima, Chernobyl e Three Mile Island ainda são muito vívidas, alimentando o ceticismo e o medo e impedindo investidores de financiar novos projetos.
As usinas nucleares também são notoriamente caras de construir. A construção tende a ultrapassar o orçamento e o prazo. Energia eólica e solar normalmente saem mais baratas. Como armazenar com segurança o lixo radioativo produzido pelas usinas é outra dor de cabeça.
A Alemanha começou a fechar seu parque nuclear depois do desastre de Fukushima de 2011 no Japão, quando um terremoto e tsunami provocaram o derretimento de três reatores em um dos piores acidentes nucleares de todos os tempos. Todos os seis reatores ainda em operação na Alemanha devem ser fechados até o final do ano que vem.
No entanto, a escala da crise climática está encorajando outros governos e investidores a dar outra olhada na indústria nuclear.
O investimento pesado em energia nuclear dependerá do que as pessoas têm estômago para fazer. A ativista finlandesa Ruishalme, por exemplo, espera que as pessoas coloquem suas ansiedades de lado.
“Nossos instintos não produzem soluções prontas”, afirmou, acrescentando que também já considerou isso “muito arriscado”, mas mudou de ideia depois de pesquisar os prós e os contras.
A energia nuclear representa atualmente cerca de 10% da produção mundial de eletricidade. Em alguns países, a participação é ainda maior. Os Estados Unidos e o Reino Unido geram cerca de 20% de sua eletricidade a partir da fonte nuclear. Na França, são 70%, de acordo com a World Nuclear Association (Associação Nuclear Mundial).
O mundo está agora em uma encruzilhada nesse tema: a energia nuclear poderia ser expandida como uma fonte robusta para manter as emissões baixas ou todo o dinheiro pode ser gasto em fontes renováveis, que são mais rápidas de construir e mais lucrativas, mas muitas vezes isso acontece de forma desigual.
Os defensores enfatizam que a energia nuclear circula mesmo quando o sol não brilha e o vento não sopra.
“Precisamos que as energias renováveis sejam complementadas por uma fonte de energia confiável, 24 horas por dia, sete dias por semana”, afirmou James Hansen, cientista climático da Universidade Columbia que também participou da manifestação em Berlim.
O governo do Reino Unido concorda. Ele apoia a construção da primeira usina nuclear do país em mais de duas décadas no sudoeste da Inglaterra. Enquanto isso, o pacote de infraestrutura do presidente dos EUA, Joe Biden, inclui US$ 6 bilhões (cerca de R$ 34 bilhões) em subsídios para manter as usinas mais antigas funcionando. Já o presidente Emmanuel Macron anunciou recentemente que a França começaria a construir novas usinas pela primeira vez em quase 20 anos.
Isso coloca a França e a Alemanha em conflito antes da decisão crucial da União Europeia sobre classificar a energia nuclear como “verde” ou “transitória” em uma lista controversa de fontes de energia sustentáveis que será revelada na quarta-feira (22). O resultado pode desencadear uma onda de novos investimentos ou deixar a fonte nuclear de fora.
O chefe do clima da UE, Frans Timmermans, indicou recentemente que tanto a energia nuclear quanto o gás natural (que é composto principalmente do gás metano do efeito estufa) podem se qualificar para o financiamento verde.
“Acho que precisamos encontrar uma maneira de reconhecer que essas duas fontes de energia desempenham um papel na transição energética”, afirmou em um evento organizado pelo site Politico. “Isso não os torna verdes, mas reconhece o fato de que a energia nuclear, tendo emissões zero, é muito importante para reduzir as emissões, e que o gás natural será muito importante na transição do carvão para a energia renovável”.
Enquanto a energia nuclear produz emissões zero quando gerada, o urânio necessário para fazê-la precisa ser minerado, e esse processo emite gases de efeito estufa. No entanto, uma análise feita pela Comissão Europeia concluiu que as emissões da energia nuclear são aproximadamente as mesmas da energia eólica e menores que as da energia solar quando todo o ciclo de produção é levado em consideração.
Hansen, da Universidade Columbia, um defensor de longa data da energia nuclear, disse que ela é fundamental nos esforços globais de descarbonização e que a Alemanha não deve usar sua influência política para impedir novos investimentos.
“A consequência de tratá-la como não sustentável é que não teremos um caminho para limitar as mudanças climáticas ao nível que os jovens estão exigindo agora”, disse. “É muito importante que a Alemanha não possa impor essa política ao resto da Europa e ao mundo”.
Mas os políticos e especialistas alemães argumentam que os altos custos e o tempo necessário para construir novas fábricas (não menos do que cinco anos, e muitas vezes muito mais) significam que o dinheiro seria mais bem gasto em outro lugar.
A última palavra da ciência do clima apoiada pela ONU mostra que o mundo deveria reduzir as emissões quase pela metade nesta década para ter qualquer chance de limitar o aquecimento global a 1,50 C até o final do século, um limite vital para evitar o agravamento dos impactos climáticos. O mundo também deve buscar as emissões zero (net zero) em meados do século, significando que as emissões devem ser reduzidas o máximo possível e o restante deve ser capturado ou compensado.
As promessas atuais, incluindo aquelas feitas na recente cúpula do clima, a COP26 na Escócia, apenas fazem o mundo atingir um quarto desse caminho, de acordo com o Climate Action Tracker.
A Agência Internacional de Energia diz que a geração de energia nuclear deve ser mais do que o dobro entre 2020 e 2050 na busca pela emissão zero. Sua participação no mix de eletricidade diminuirá, mas isso porque a demanda por energia aumentará à medida que o mundo eletrificará o maior número possível de máquinas, incluindo carros e outros veículos.
No entanto, Ben Wealer, que pesquisa economia de energia nuclear na Universidade Técnica de Berlim, argumenta que o mundo não pode esperar novas usinas nucleares, especialmente porque os próximos oito anos são tão cruciais para a descarbonização.
“Olhando para os prazos, as usinas nucleares podem não ser uma grande ajuda no combate às mudanças climáticas”, opinou. “Elas bloqueiam o dinheiro necessário para as energias renováveis”.
Mesmo que o mundo tivesse mais tempo, os atrasos são um problema. A planta de Hinkley Point C no Reino Unido, por exemplo, citada acima como o projeto do sul da Inglaterra, deve ser concluída em meados de 2026, seis meses depois do planejado, e seus custos estão aumentando. O preço mais recente foi de £ 23 bilhões (cerca de R$ 173 bilhões), cerca de £ 5 bilhões (cerca de R$ 37 bilhões) a mais do que quando o projeto foi lançado em 2016.
Autoridades alemãs também argumentam que a falta de um plano global para armazenar lixo tóxico deve desqualificar a energia nuclear como uma fonte de energia “sustentável”.
Christoph Hamann, membro do escritório federal alemão para gestão de resíduos nucleares, enfatizou que os esforços do governo para construir locais subterrâneos onde os resíduos possam ser armazenados indefinidamente continuam sendo um trabalho contínuo.
“É um lixo muito tóxico e altamente radioativo, que está produzindo problemas pelas próximas dezenas de milhares, ou mesmo centenas de milhares de anos. Ao usar a energia nuclear, estamos legando esse problema para as gerações futuras”, disse Hamann.
Onda de financiamento
Não é apenas a Europa que tem ponderado a respeito da energia nuclear. O movimento mais forte em favor da energia acontece na China, onde há 18 reatores em construção, já que o maior emissor do mundo tenta se afastar do carvão. Isso é mais de 30% dos reatores sendo construídos globalmente, de acordo com a World Nuclear Association.
Além disso, o debate ficou mais complexo com o desenvolvimento de novas tecnologias nucleares, mostrando sinais de que podem gerar melhores retornos financeiros.
O governo dos EUA tem apoiado a TerraPower, a startup liderada por Bill Gates. A empresa, que quer erguer um projeto nuclear de próxima geração em um antigo centro de carvão em Wyoming, utiliza sal fundido para transferir calor do reator e usá-lo para gerar eletricidade, o que simplificaria a construção e permitiria o ajuste da produção para atender à demanda em constante mudança.
Enquanto isso, a Grã-Bretanha está apoiando que a empresa de engenharia Rolls-Royce construa reatores nucleares menores, que têm custos iniciais mais baixos. O argumento de venda pode ajudar a atrair investidores privados.
“É muitíssimo difícil para qualquer país alcançar ambições de emissões líquidas zero sem energia nuclear”, pontuou Tom Samson, CEO do novo empreendimento da Rolls-Royce.
As peças do reator Rolls-Royce são projetadas de forma que quase tudo possa ser construído e montado em uma fábrica, limitando o tempo necessário para montar seus componentes em um canteiro de obras caro. Inicialmente, a produção é estimada em £ 2,2 bilhões (cerca de R$ 15,6 bilhões) por unidade.
“Se você olhar para o passado, vai encontrar muitos exemplos de grandes projetos nucleares que tiveram dificuldades”, disse Samson. “Projetamos o nosso para ser diferente”.
Cerca de £ 210 milhões (cerca de R$ 1,585 bilhão) em financiamento do governo do Reino Unido permitirão que a empresa comece a se buscar aprovações regulatórias. Ela espera abrir três usinas na Grã-Bretanha e produzir cerca de duas unidades por ano, o que abasteceria dois milhões de residências. A primeira unidade deverá entrar em serviço no Reino Unido em 2031.
Para efeitos de comparação, espera-se que a estação de energia de Hinkley forneça eletricidade para seis milhões de residências.
Samson também enfatiza que reatores menores produzem poucos resíduos. Segundo ele, o combustível usado de um pequeno reator modular operando por 60 anos encheria uma piscina olímpica.
Fissão ou fusão?
De acordo com dados da empresa de pesquisas e dados PitchBook, startups de energia nuclear levantaram US$ 676 milhões (cerca de R$ 3,850 bilhões) em financiamento de capital de risco globalmente nos primeiros nove meses de 2021. Isso é mais do que o valor total arrecadado nos últimos cinco anos combinados.
O valor inclui o financiamento para startups que exploram a fusão nuclear, que tem atraído mais atenção. Os geradores de energia nuclear atualmente em operação usam tecnologia de fissão, que envolve a divisão do núcleo de um átomo. A fusão é o processo de combinar dois núcleos para criar energia – frequentemente chamada de energia do sol ou das estrelas.
Os cientistas ainda estão tentando descobrir como gerenciar com sucesso uma reação de fusão e transformá-la em um projeto comercialmente viável. Mas os investidores estão cada vez mais entusiasmados com seu potencial, uma vez que não produz resíduos radioativos remanescentes e a tecnologia não apresenta risco de derretimento no estilo de Fukushima, nem depende do urânio.
A Helion, uma startup de fusão com sede nos Estados Unidos, anunciou no mês passado que arrecadou US$ 500 milhões (cerca de R$ 2,850 bilhões) em uma rodada liderada por Sam Altman, o ex-presidente da Y Combinator.
Enquanto o mundo pondera qual caminho usar a energia nuclear, pode levar anos até que esteja claro qual é o caminho certo a seguir. Um olhar sobre a Alemanha e a França daqui a 10 ou 20 anos pode fornecer a resposta.
Em última análise, os argumentos sobre emissões, confiabilidade e economia podem ser deixados de lado. O verdadeiro futuro da energia nuclear pode depender da opinião pública.
“Se houver um acidente nuclear, algo grande, isso pode matar toda o setor”, afirmou Henning Gloystein, diretor de energia, clima e recursos do Eurasia Group.
Fonte: CNN Brasil