Preço da eletricidade no mercado de energia alemão subiu 140% desde janeiro, e países europeus estão construindo novos reatores. Alguns alemães querem rever o compromisso de desativar suas usinas. O preço da eletricidade no mercado de energia na Alemanha subiu cerca de 140% desde janeiro. A alta é impulsionada pelo custo do gás natural, que subiu 440% desde o início do ano. Até agora, o preço da eletricidade e do gás para residências aumentou apenas 4,7% no primeiro semestre, mas muitos consumidores temem que a elevação do valor no mercado de energia seja em breve repassada a eles.
A Alemanha já paga o preço de eletricidade mais alto da Europa, e cerca da metade do custo é composto por impostos, taxas e sobretaxas, parte dos quais se destina a financiar a transição para a energia renovável. Atualmente, cerca de um quarto da eletricidade da Alemanha vem do carvão, um quarto de fontes renováveis, 16% do gás natural e cerca de 11% da energia nuclear.
Em dezembro deste ano, metade dos reatores nucleares ainda em operação na Alemanha estão programados para serem desativados. A outra metade deverá sair de operação no próximo ano, como parte do plano do governo de abolir a energia nuclear. Essa mudança poderia elevar ainda mais os preços da energia, já que a Alemanha também está reduzindo o uso do carvão e ficando mais dependente do gás no curto prazo, enquanto planeja mudar para energias renováveis no longo prazo.
Três quartos dos alemães querem que seu governo tome medidas mais intensas para combater os aumentos de preços, e 31% disseram que apoiariam a manutenção da energia nuclear se isso estabilizasse os preços da eletricidade, segundo uma pesquisa feito pelo serviço de comparação de preços Verivox. Esse resultado representa um aumento de 11 pontos percentuais no apoio à energia nuclear desde 2018. A pesquisa ouviu uma amostra representativa com mil pessoas de 18 a 69 anos em toda a Alemanha em setembro de 2021.
Prós e contras da energia nuclear
Após as eleições nacionais de 26 de setembro, os social-democratas, os verdes e os liberais iniciaram negociações de coalizão para formar o próximo governo da Alemanha. Os acordos preliminares preveem o compromisso de construir novas usinas a gás e de eliminar progressivamente a energia obtida do carvão até 2030, mas sem prorrogar o uso da energia nuclear.
Em 13 de outubro, em uma carta aberta no jornal alemão Die Welt, especialistas alertaram que a Alemanha corria o risco de “carbonizar seu sistema energético ao fazer a eliminação gradual da energia nuclear” e descumprir suas metas climáticas para 2030. Esses especialistas acreditam que a perda de eletricidade produzida pela energia nuclear não poderá ser compensada por novas fontes de energias renováveis e, em vez disso, exigirá a queima de mais carvão e gás natural. A carta pede que o ciclo de vida das usinas em operação seja estendido até 2036.
A carta foi liderada pelo ambientalista britânico John Law e, apesar da impopularidade de tais pontos de vista na Alemanha, conta com diversos signatários alemães. Simon Friederich, professor de filosofia da ciência na universidade de Groningen, na Holanda, é um deles.
“Queremos expandir as energias renováveis. Se primeiro teremos que substituir as usinas nucleares desativadas por novas [fontes de] energia renovável, é claro que isso é um retrocesso desnecessário”, disse ele à DW.
Friederich nem sempre teve uma visão tão positiva sobre energia nuclear e faz parte de uma geração que fez campanha para fechar as usinas nucleares. “Fui criado nos anos 1980 em uma família de párocos antinucleares e apoiadora dos Verdes”, disse. Como muitos outros jovens alemães dessa época, ele leu o romance “A Nuvem”, publicado em 1987 pela autora Gudrun Pausewang, que conta a história de um desastre como Chernobyl na Alemanha, e ficou horrorizado.
Mas depois que começou a estudar física na universidade, ele mudou sua opinião. Após o desastre de Fukushima no Japão, em 2011, que fez com que a Alemanha acelerasse a eliminação progressiva da energia nuclear, ele encarou com ceticismo o argumento de que a energia nuclear seria pior do que outras alternativas comumente utilizadas, como o carvão. Friederich não acredita que a energia nuclear seja uma opção perfeita, mas diz que ela ainda é uma alternativa importante devido à sua baixa emissão de carbono e capacidade de produzir grandes quantidades de energia em qualquer época do ano.
Pouca chance de reviravolta política
Mesmo que ainda não esteja claro como a Alemanha substituirá a energia nuclear e de carvão e ao mesmo tempo cumprirá suas metas climáticas, é muito improvável que a liderança política do país permita uma extensão, mesmo que temporária, da vida útil de seus reatores nucleares remanescentes. “O preço político é quase infinito. Quase nenhum político eleito faria isso. Certamente não um governo que inclua os Verdes”, disse à DW Lion Hirth, professor de política energética na Hertie School. “Isso soaria como uma traição à causa. Há poucos temas de política que reuniram um consenso tão forte durante tanto tempo.”
A oposição à energia nuclear está no cerne do movimento que lançou o Partido Verde em 1980 e continua a ser um de seus motes. O co-presidente dos Verdes, Robert Habeck, reiterou em um artigo em setembro de 2020 a sua crença de que a responsabilidade pelas gerações futuras deve ser o princípio orientador para tomar decisões sobre produção de energia e suas conseqüências.
Para ele, isso exclui a energia nuclear por causa do problema dos resíduos nucleares, que podem ser nocivos por até um milhão de anos, e para os quais ainda não há solução para o problema de armazenamento seguro de longo prazo.
O Partido Verde foi fundado como parte do movimento antinuclear na Alemanha Ocidental e foi essencial para a realização do acordo sobre abandono da energia nuclear pela coalizão que governava a Alemanha em 2002. Os políticos verdes participaram de atos nos anos 1970 e 1980 contra a usina de reprocessamento de Wackersdorf, o transporte de resíduos nucleares para Gorleben e a construção da usina nuclear de Brokdorf, protestos que eles vêem como parte da iconografia social da Alemanha.
Friederich reconhece que ele é uma exceção para a Alemanha, mas também vê isso como um debate que vai além das fronteiras de seu país. “Não sou totalmente ingênuo. Não há nenhum partido nas negociações da coalizão que tenha incluído isso como parte de suas prioridades eleitorais”. Ele acredita que a verdadeira questão é sobre o futuro da energia nuclear na Europa e se a Alemanha se oporá ou tentará influenciar o seu uso.
Europa dividida sobre a energia nuclear
Dentro da UE, a França lidera um bloco influente que apóia a energia nuclear como uma maneira de reduzir as emissões de carbono. Dois vizinhos da Alemanha – a Polônia e a República Tcheca – também fazem parte desse grupo. Todos os três estão atualmente construindo novas usinas nucleares e pressionaram pela inclusão da energia nuclear nos planos de redução de carbono da União Europeia.
Em abril de 2020, o órgão científico da Comissão Europeia, o Centro Comum de Pesquisa, divulgou um relatório que constatou que a energia nuclear é uma fonte de energia segura, de baixo carbono, comparável à energia eólica e hidrelétrica. Essas conclusões permitem que a energia nuclear receba o selo de investimento verde sob as regras da UE. “As análises não revelaram nenhuma evidência científica de que a energia nuclear cause mais danos à saúde humana ou ao meio ambiente do que outras tecnologias de produção de eletricidade”, afirma o documento.
Em resposta, os ministros de energia da Alemanha, Áustria, Dinamarca, Luxemburgo e Espanha enviaram uma carta à Comissão Europeia pedindo que a energia nuclear não receba esse status especial. “A energia nuclear, porém, é uma tecnologia de alto risco – a energia eólica não é. Essa diferença essencial deve ser levada em conta”, afirma a carta, que também argumenta que o relatório não considerou a possibilidade de um grave incidente nuclear.
Tristeza pelo desligamento
No final de 2021, a Alemanha encerrará três dos últimos seis reatores nucleares alemães ainda em operação. Na usina de Gundremmingen, na Baviera, uma das unidades cessou suas operações em 2017. Agora a última unidade será fechada.
A usina reduzirá o número de funcionários dos atuais 540 para 440 no primeiro ano após o fechamento, de acordo com uma declaração fornecida à DW pela empresa multinacional alemã de energia RWE, que administra a usina. Muitos trabalhadores ainda são necessários para desativar e desmontar a usina, o que deve levar mais de 10 anos. Mas cada vez menos pessoas serão empregadas com o passar do tempo.
Apesar de um acidente em 1977 que exigiu o desligamento de um dos reatores, considerado o pior incidente em uma usina nuclear da história da Alemanha, muitos habitantes da região continuam a ter uma visão positiva da energia nuclear.
“Achamos muito triste”, disse Gerlinge Hutter, que dirige a pousada Zum Ochsen em Gundremmingen, sobre o fechamento da usina. Ela espera que menos pessoas se hospedem no local, já que muitos de seus clientes trabalhavam na usina. “Também nos preocupamos com os preços da eletricidade. E sabemos que ainda é certo que estamos recebendo energia nuclear, porque os países ao nosso redor estão todos construindo novos reatores.”
Fonte: Istoé