O mundo vive a expectativa do início da Conferência do Clima da ONU (COP-26), que será aberta oficialmente na próxima semana, em Glasglow, na Escócia. Após alertas importantes apresentados durante o ano, como o último relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), a sociedade aguarda a conferência para conhecer quais serão as respostas dos líderes mundiais frente aos desafios ambientais do planeta. Especificamente falando sobre a questão de energia, a expectativa gira em torno das estratégias de cada país para acelerar o processo de transição energética e reduzir a emissão de gases do efeito estufa. Entidades como a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), a Associação Nuclear Mundial (WNA) e especialistas e pesquisadores no Brasil e no exterior defendem que a energia nuclear precisa fazer parte dos planos de respostas às mudanças climáticas. “A fonte nuclear ajudará sendo uma peça fundamental nesse quebra-cabeça energético que o mundo precisa resolver. A minha expectativa é que a fonte nuclear ganhe transparência como protagonista e peça da resposta global para o tema climático”, afirmou a tecnologista sênior do Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), Clédola Cássia de Tello. Em entrevista ao Petronotícias, a engenheira reforça o potencial que o Brasil tem na geração de energia nuclear, destaca os benefícios e segurança da fonte e faz um apelo para que a sociedade procure conhecer mais sobre a tecnologia. “Os países devem aproveitar a COP-26 para debater o maior uso da energia nuclear e, a partir disso, esclarecer suas respectivas populações sobre essa fonte”, concluiu.
Ao seu ver, qual será o papel da fonte nuclear nas discussões que devem ocorrer durante a COP-26?
Em 1992, o Brasil foi pioneiro na discussão sobre a melhoria da qualidade do clima do planeta, com a realização da ECO-92. Depois disso, muitas outras reuniões mundiais foram realizadas para discutir esse assunto. Esses encontros globais abordam diversos temas, desde o uso de implementos agrícolas até a parte de geração de energia elétrica. O papel da nuclear nesse contexto de discussão climática é ser uma fonte que produz muita energia e, ao mesmo tempo, utiliza pouco combustível e não gera gases do efeito estufa.
Em uma nação como o Brasil, por exemplo, é possível instalar centrais nucleares praticamente pelo país inteiro. A fonte nuclear precisa, sim, fazer parte dessa discussão, como um dos eixos da resposta mundial e nacional para a questão climática. Esse debate é fundamental.
Não existe uma solução única para a questão da produção de energia elétrica. Cada país precisa buscar sua própria matriz, de maneira a equilibrar seus recursos naturais e necessidades energéticas. As fontes não devem competir entre si. Pelo contrário, precisam complementar-se.
Dentro desse debate sobre a questão climática e a segurança energética, quais seriam as principais características da fonte nuclear?
Uma vantagem da fonte nuclear, por exemplo, é produzir uma energia elétrica constante e estável, independente de variáveis climáticas como vento, sol e chuva. A estabilidade da fonte nuclear também é muito boa. Esse conjunto de características é muito importante para algumas regiões do Brasil.
Vamos lembrar o que aconteceu no estado de Amapá no ano passado [referindo-se aos blecautes ocorridos no estado]. Como fazer, por exemplo, uma cirurgia de oito horas de duração em uma localidade com esse risco no fornecimento energético? Nesses lugares, a estabilidade de energia oferecida pela energia nuclear seria muito importante. Essa discussão da fonte nuclear precisa ser um debate técnico e distanciado do achismo e do partidarismo. Essa discussão tem que ser técnica, clara, adulta, franca e aberta. É muito triste e injusto pensar que alguns estados do Brasil não possuem energia suficiente para crescer.
Apesar desses benefícios citados em sua resposta, parte da sociedade ainda é muito receosa em relação à fonte nuclear…
Em todo o mundo, existem 443 reatores em funcionamento, em cerca de 30 países. O medo e a insegurança das pessoas em relação à fonte nuclear vem mais de um sentimento do que de dados reais. Esse receio vem mais do desconhecimento do que efetivamente de fatos. Além disso, há uma exploração demasiada do imaginário popular junto à mídia. Acho que os meios de comunicação exageram nos efeitos e não contemplam os benefícios da fonte.
Eu sou a coordenadora técnica para o repositório brasileiro de rejeitos radioativos, o Centena [Centro Nacional de Tecnologia Nuclear e Ambiental], que irá abrigar todos os rejeitos de classe 2.1. Apenas a título de comparação: uma mineradora produz cerca de 40 toneladas por dia de rejeitos, enquanto que o nosso repositório está sendo projetado para abrigar 60 toneladas durante 60 anos.
Voltando a falar da COP-26, que sinais importantes sobre a geração nuclear deveriam ser apresentados pelos países durante a conferência, pensando na meta global de redução de emissões?
O uso da energia nuclear praticamente é inativo em termos de emissões. Mas diante de todo esse “mistério” no imaginário das pessoas, um passo importantíssimo seria esclarecer para a sociedade como a energia elétrica a partir da fonte nuclear é produzida. É preciso explicar de forma didática para as pessoas como são construídos os reatores e os critérios usados para a construção e operação das usinas. Eu acredito que o grande destaque seria, realmente, mostrar como é a produção de energia elétrica por meio de fontes nucleares. O debate precisa, necessariamente, passar pela desmistificação sobre a energia nuclear. Os países devem aproveitar a COP-26 para debater o maior uso da energia nuclear e, a partir disso, esclarecer suas respectivas populações sobre essa fonte.
Por fim, como está a expectativa geral do setor nuclear em relação à COP-26?
Estou com bastante esperança com relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A COP-26 passa também por esses objetivos e envolve ainda mudança climática, consumo sustentável, demanda de energia e mobilidade urbana. Então, a grande expectativa é que a energia nuclear se mostre mais e fique mais transparente. O grande passo a ser dado é que a nuclear saia desse lugar no qual foi colocada e assuma um papel que lhe cabe: o de parte da solução para as demandas energéticas e climáticas do planeta.
A fonte nuclear ajudará sendo uma peça fundamental nesse quebra-cabeça energético que o mundo precisa resolver. A minha expectativa é que a fonte nuclear ganhe transparência como protagonista e peça da resposta global para o tema climático.
Fonte: Petronotícias
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