Fornecimento de radiofármacos continua instável

A produção de geradores de tecnecio-99m e de radiofármacos utilizados no tratamento de algumas doenças e nos exames de imagem foi reduzida no mês de outubro e a situação deve gerar consequências no fornecimento até meados de novembro. O Instituto de Pesquisa Energética e Nucleares (Ipen), que tem o monopólio na distribuição de alguns insumos no país, precisou suspender a fabricação por problema orçamentário. O Brasil tem 450 serviços de medicina nuclear, que realizam cerca de 20 atendimentos por dia com a necessidade desses insumos.

Os radioisótopos utilizados na produção são importados e o instituto informou, em carta enviada aos serviços na semana passada, que a encomenda deveria ter sido realizada até o dia 04/10, mas não havia recursos orçamentários na data. Como os fornecedores internacionais levam ao menos 20 dias para atender aos pedidos, a situação demora para se normalizar.

Os radiofármacos que deverão ter irregularidade no fornecimento são os gerados em reatores nucleares e que possuem meia-vida superior a duas horas: o molibdenio-99, para geradores de tecnecio-99m, o tálio-201, o gálio-67, o iodo-131 e o lutécio-177. Os primeiros são utilizados para os exames de imagem (cintilografias) e os dois últimos para tratamentos de iodoterapia e radioterapia, que combatem doenças como câncer e hipertireodismo.

“Já no final de setembro o fornecimento estava irregular e insuficiente para atender à demanda. Esse material, por ter vida curta, é produzido e distribuído semanalmente, pois não pode ser estocado. A atividade do iodo, por exemplo, cai pela metade depois de oito dias; o tecnécio tem meia vida de seis horas. É um processo muito dinâmico de produção e distribuição, então qualquer interrupção tem consequências”, diz o presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Nuclear (SBMN), George Coura Filho.

O problema foi ocasionado por um corte de 46% na verba do Ipen para este ano. Após grande comoção no mercado, o governo liberou R$ 19 milhões para o instituto (21% do necessário para a produção até o final do ano). Para atender à necessidade de novos recursos, o Congresso Nacional aprovou o PLN 16/21, que só foi sancionado pelo presidente da República no último dia 15 (Lei 14.220/2021), autorizando crédito de R$ 63 milhões à Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), à qual o Ipen está vinculado. O instituto, que não quis se pronunciar sobre o tema, aguarda a liberação desses recursos para trabalhar pela normalização do fornecimento.

O episódio de interrupção foi sentido pelo setor privado. “Impactou nossa operação e tivemos que priorizar o atendimento aos pacientes críticos e urgentes”, conta Leonardo Vedolin, vice-presidente da área médica do grupo Dasa. A empresa vem investindo em ferramentas de tecnologia e inovação para a análise de cenários e antecipação de decisões, de forma a garantir os fluxos.

No ano passado, o segmento de medicina nuclear enfrentou dificuldades com a diminuição da cadeia de logística provocada pela pandemia. Mas as reduções de orçamento no Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações e Comunicações (MCTIC), pasta à qual o Ipen é vinculado, preocupa empresas do segmento de medicina nuclear e oncológica. Elas buscam alternativas, como a proposta de emenda constitucional 517/2010, que autoriza a produção, comercialização e a utilização de radioisótopos, tirando o monopólio do Ipen na produção dos radiofármacos.

“A paralisação da produção do Ipen afeta a vida de milhares de pacientes com câncer em todo o país. Em meio à pandemia, que represou diagnósticos de câncer, não podemos ter mais um fator dificultador pra confirmação do diagnóstico e início do tratamento, porque o câncer não espera”, comenta Luciana Holtz, CEO e fundadora do Instituto Oncoguia. Procurado pelo Valor, o MCTIC não respondeu aos questionamentos.

Fonte: Valor Econômico