Brasil aumentará produção de urânio para geração de energia a partir de novembro

O Brasil vai aumentar em 10% a produção de urânio enriquecido a partir de novembro com a proposta de fortalecer a produção de energia nuclear e reduzir a dependência de hidrelétricas, segundo o governo federal. O enriquecimento de urânio é o processo que permite ao material ser usado como combustível.

A informação partiu das Indústrias Nucleares do Brasil (INB), estatal vinculada ao Ministério de Minas e Energia e que exerce o monopólio da produção e comercialização de materiais nucleares no país.

A Fábrica de Combustível Nuclear (FCN), que deve receber sua nona cascata para enriquecimento de urânio

O setor elétrico enfrenta uma crise por conta do baixo nível de água dos reservatórios das hidrelétricas, o pior dos últimos 91 anos. O fato tem gerado aumento de gastos com as usinas termelétricas, mais caras.

O governo abriu processo de licenciamento para a nova cascata de ultracentrífugas, que são as instalações utilizadas para fazer o enriquecimento do material. Essa será a nona instalação do tipo na Fábrica de Combustível Nuclear (FCN), que fica em Resende, no estado do Rio de Janeiro. O material enriquecido na FCN alimenta as usinas de Angra 1 e 2, as duas únicas do parque nuclear brasileiro.

A produção brasileira de urânio enriquecido atende 60% da demanda anual da usina nuclear de Angra 1, o restante é importado da Europa. A projeção é que a fábrica em Resende seja capaz de atender 70% da necessidade da usina até 2023, quando deve ser inaugurada a décima cascata de enriquecimento de urânio.

A demanda pelo metal aumentará com a esperada conclusão das obras de Angra 3, paradas desde 2015, quando o país esgotou a segunda jazida de onde extraía o metal. A retomada da primeira fase das obras, em com a construção do prédio do reator, já foi aprovada em edital e aguarda aval da Eletrobras para ser iniciada. A construção foi iniciada em 1984 e a previsão mais recente é de que seja concluída em 2026.

“Quando a implantação da Usina de Enriquecimento estiver concluída, o Brasil passará à condição de autossuficiência da produção do material. A previsão é que, até 2033, a INB seja capaz de atender, com produção totalmente nacional, as necessidades das usinas nucleares de Angra 1 e 2 e, em 2037, a demanda de Angra 3”, disse a INB, por meio de nota.

Exploração retomada

A exploração de urânio foi retomada em dezembro de 2020, na Mina do Engenho, em Caetité, no Sudoeste da Bahia, onde foi descoberta uma nova lavra. O país faz parte de um grupo seleto de 12 nações reconhecidas pela comunidade internacional por dominarem o ciclo do combustível.

De acordo com a Associação Nuclear Mundial, o Brasil tem a sétima maior reserva mundial de urânio e responde por 5% da oferta do metal no planeta. Participação e classificação que, de acordo com especialistas, podem melhorar porque 30% do território nacional pode conter o material, segundo mapeamento do Centro Nacional de Pesquisa Mineral (CNPM). Isso daria ao país o potencial de saltar para as primeiras posições do ranking.

Calcula-se que, atualmente, o Brasil precise de 47,5 milhões de toneladas de urânio enriquecido por ano para atender às duas usinas. A intensidade de enriquecimento do urânio para uso em Angra é de 4,25%. O gás é transformado em pó de dióxido de urânio e, com ele, são feitas pastilhas, que são transformadas no combustível nuclear e enviadas para uso.

O professor do curso de Engenharia Nuclear da UFRJ e ex-presidente da Eletrobras, Luiz Pinguelli Rosa, afirma que, a produção nacional é pequena, mas que a demanda também tem sido modesta.

“Produzimos pouco urânio aqui, mas a verdade é que, com dois reatores, a demanda também é muito pequena. Podemos ter um terceiro com a inauguração de Angra 3, e um quarto, com o projeto do submarino de propulsão nuclear que está em desenvolvimento pela Marinha”, explica. “A inauguração de novas cascatas é positiva porque coloca o Brasil no caminho da autossuficiência, com a retomada da exploração em Caetité”, completa.

Para a embarcação submarina, o nível necessário de enriquecimento de urânio é superior ao exigido pelos reatores das usinas, mas bem aquém do exigido para o desenvolvimento de armas nucleares, o que é proibido pela constituição e por convenções e acordos internacionais, como o Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP), do qual o Brasil é signatário, ao lado de outras 188 nações.

“O submarino de propulsão nuclear precisa de urânio enriquecido na proporção de cerca de 20%. Muito mais do que o necessário para transformá-lo em combustível, mas muito distante do que seria para armas nucleares, que demandariam algo na faixa dos 90%”, conclui o doutor em Física.

Aumento gradual da produção nacional

A energia nuclear é uma das apostas do governo para reduzir a dependência das hidrelétricas. Atualmente, o parque nuclear de Angra dos Reis tem 1.990 megawatts (MW) de capacidade instalada, o que corresponde a 1,1% da produção energética brasileira. Pode parecer pouco, mas isto equivale a 30% do abastecimento de todo o estado do Rio de Janeiro.

Quando Angra 3 ficar pronta, essa produção chegará a 3.395 MW, o que será suficiente para atender a 50% de toda a necessidade energética do estado. Para que isto seja possível, a demanda anual por urânio enriquecido a 4,25% passará das 47,5 toneladas atuais para 76, segundo as projeções mais recentes da INB.

Contudo, há possibilidade de a demanda ser ainda maior nas próximas décadas. O Plano Nacional de Energia 2050, divulgado em dezembro do ano passado, prevê que a capacidade instalada do parque nuclear brasileiro chegue a 10 GW. Isso significa quintuplicar a oferta atual, a partir de novas usinas no Sudeste e no Nordeste.

A FCN foi inaugurada em 2004 e começou a enriquecer urânio em escala comercial a partir de 2005. Desde então, o país tem aumentado a produção em Resende, com sucessivas inaugurações de cascatas de ultracentrífugas, o que ganhou impulso recente. A inauguração da sétima ocorreu em 2018, e a oitava entrou em funcionamento em 2019.

As ultracentrífugas brasileiras são produzidas pelo Centro Tecnológico da Marinha, em São Paulo. Presidente da Associação Brasileira para o Desenvolvimento das Atividades Nucleares (Abdan), Celso Cunha entende como natural a expansão da produção brasileira do urânio e a vê como um elemento estratégico para o setor e para o país.

“O Brasil é um dos poucos países que dominam o ciclo do combustível e, deste clube, é um dos raros que têm reservas relevantes de urânio. Nossas ultracentrífugas são um segredo de estado e estão entre as melhores do planeta”, destaca Cunha. “Se nós enriquecemos urânio, ampliar a fábrica para enriquecer mais é um caminho natural”, avalia.

Futuro da Eletronuclear

O governo tenta viabilizar a privatização da Eletrobras e de suas subsidiárias, mas a medida não afetará o programa nuclear brasileiro que, constitucionalmente, só pode ser tocado pelo estado. Os ativos da Eletronuclear e de Itaipu Binacional serão assumidos por uma nova estatal: a Empresa Brasileira de Participações em Energia Nuclear e Binacional (ENBpar).

A nova companhia ficaria em Brasília, de acordo com a previsão do decreto que a criou, mas uma coalização liderada pelo senador Carlos Portinho (PL-RJ) obteve do Ministério de Minas e Energia a promessa de que o órgão terá sua sede administrativa no Rio de Janeiro, onde estão concentradas as operações nucleares brasileiras.

“Em reunião comigo, o ministro Bento Albuquerque nos mostrou o estatuto da ENBpar. Em seu artigo segundo ele já prevê a sede no Rio de Janeiro, e isto é uma vitória. Ele disse que estava sensível ao nosso pleito e estava estudando a possibilidade de refazer o decreto, mas isso é uma iniciativa dele. Estando no estatuto já é uma parte dessa vitória. Vamos aguardar a movimentação com relação ao decreto, para saber se ele vai reeditar, ou se vai se dar por conformado com o estatuto”, afirma Portinho.

Em maio, o governo federal anunciou a criação da Autoridade Nacional de Segurança Nuclear (ANSN), produto da divisão da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN) em dois órgãos. A autarquia ficará sediada no Rio de Janeiro e a lei que a cria foi sancionada no dia 18 de outubro deste ano pelo presidente Jair Bolsonaro. O ato foi publicado no Diário Oficial da União.

Procurado, o Ministério de Minas e Energia não se posicionou sobre onde ficará a sede da ENBpar.

Fonte: CNN Brasil