Ex-integrantes dos ministérios de Ciência e Tecnologia e da Saúde divergiram nesta quinta-feira (21) sobre os efeitos da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 517/10, do Senado, que prevê a produção de radioisótopos de uso médico por empresas privadas no Brasil. O debate ocorreu em reunião da comissão especial da Câmara dos Deputados que analisa a PEC.
Radioisótopos ou radiofármacos são substâncias que emitem radiação e que são usadas no diagnóstico e no tratamento de diversas doenças, principalmente o câncer. Um exemplo é o iodo-131, que emite raios gama e permite diagnosticar doenças na glândula tireóide.
A PEC 517/10 autoriza a iniciativa privada a produzir essas substâncias sob o regime de permissão, quebrando o monopólio estatal no setor. Atualmente, os radiofármacos usados no País são importados ou produzidos pelo Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), em São Paulo.
Ex-ministro de Ciência e Tecnologia no governo de Dilma Rousseff, Celso Pansera disse ser contra a PEC. Na avaliação do ex-ministro, o Brasil deve canalizar recursos represados do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) para concluir o projeto de construção do Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), que, segundo ele, garantiria autossuficiência ao País na produção de radiofármacos.
“O domínio da tecnologia nuclear deve estar nas mãos do Estado”, disse. Pansera acrescentou que foram os investimentos públicos feitos ao longo de anos que permitiram ao Brasil dominar as tecnologias de extração e enriquecimento de urânio para uso pacífico (energia e remédios). “O FNDCT tem depositado R$ 23 bilhões, com R$ 1 bilhão a gente conclui o reator multipropósito e torna o Brasil autossuficiente em radiofármacos”, concluiu.
Por outro lado, o ex-secretário de Ciência e Tecnologia e Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde no governo de Michel Temer, Marco Antônio Fireman, disse que a conclusão do RMB e a produção de radioisótopos pelo Estado não impedem a abertura do mercado para o setor privado. “Hoje, o Ipen não tem capacidade para atender a todo o mercado nacional mesmo com recursos orçamentários”, disse.
Segundo Fireman, a demanda atual é de 2 milhões de aplicações de radiofármacos por ano, com crescimento anual de 9%. “Eu vejo a possibilidade de trabalharem em comunhão a indústria pública e a privada, de ser construído o reator multipropósito para pesquisa e abastecimento do mercado e de ter a participação privada na produção de radiofármacos. Muitas dessas fábricas não terão reatores nucleares.”, disse.
Luiz Antonio Gênova, da Associação dos Funcionários do Ipen, rebateu o argumento de que o instituto não consegue atender à demanda. “Estamos dizendo que o Ipen fornece radiofármacos para todos as clínicas que necessitam deles e estão habilitadas a manipular esses materiais. Mais que isso: o Ipen tem condições de, no curto prazo, dobrar sua produção. Quem diz que o Ipen não consegue atender à demanda precisa apresentar dados”, disse.Gustavo Sales/Câmara dos Deputados
Padilha demonstrou preocupação com a regulação dos preços na abertura do setor
O deputado Jorge Solla (PT-BA), que propôs o debate juntamente com o deputado Alexandre Padilha (PT-SP), demonstrou preocupação com o argumento levantado por Gênova de que o setor privado estaria interessado em apenas quatro tipos de radioisótopos de uso médico que são responsáveis por 90% do faturamento do Ipen. “O setor privado que ficar com o filé-mignon e deixar o osso para o poder público”, disse Solla.
Padilha, por sua vez, demonstrou preocupação com outro ponto levantado por Gênova: a regulação dos preços. Segundo Gênova, o instituo também cumpre o papel de evitar repassar para os preços dos produtos oscilações do mercado, como variações cambiais. “Como ficariam os preços com a abertura do mercado prevista na PEC?”, indagou Padilha.
Nesta sexta-feira (22), os integrantes da comissão especial que analisa a PEC 517/10 farão uma visita às instalações do Ipen.
Fonte: Agência Câmara de Notícias