A tecnologia nuclear por trás do acordo de submarinos para a Austrália

A decisão da Austrália de rasgar o acordo de US$ 90 bilhões com a França para a fabricação de 12 submarinos movidos a diesel e, em vez disso, optar por construir embarcações de propulsão nuclear com o Reino Unido e os EUA é um momento marcante para a geopolítica da região Ásia-Pacífico e para a indústria global de defesa.

Os novos submarinos terão muito mais capacidade que a frota originalmente planejada e poderão representar um grande prêmio para as empresas britânicas e americanas contratadas.

Propulsão: diesel x nuclear

A principal diferença entre os submarinos construídos na França e os novos propostos é a tecnologia de propulsão que eles vão usar. Os navios franceses —baseados em seus submarinos nucleares da classe Barracuda— teriam motores elétricos carregados por geradores a diesel.

Uma das vantagens é que os submarinos a diesel-elétricos tendem a ser menores e podem funcionar silenciosamente desligando-se o motor a diesel e usando a energia de baterias. Uma desvantagem, entretanto, é que os navios precisam voltar à superfície regularmente para acionar os motores diesel e recarregar as baterias —operação conhecida como “roncar”.

Os submarinos de propulsão nuclear, por outro lado, são construídos para durar muito, com o reator capaz de funcionar durante décadas antes de ser reabastecido. O calor do reator é usado para produzir vapor e acionar turbinas que geram eletricidade.

A Austrália tinha optado originalmente por submarinos diesel-elétricos para substituir sua frota de embarcações da classe Collins, com motores convencionais.

Defendendo a decisão da Austrália nesta semana, o primeiro-ministro do país, Scott Morrison, disse que tinha dito em junho ao presidente francês, Emmanuel Macron, que havia “perguntas muito reais sobre a capacidade de um submarino convencional” atender às necessidades de segurança estratégicas na região Indo-Pacífico. Autoridades francesas dizem que Paris se ofereceu, ainda em junho, para converter os submarinos em nucleares, já que o país detém a tecnologia, mas não recebeu resposta.

Optar pela rota nuclear, porém, não deixa de apresentar desafios devido à falta de infraestrutura crítica da Austrália. “Toda a infraestrutura necessária é muito cara —o pessoal, os arranjos de segurança e as instalações de ancoragem, só para citar algumas”, disse Trevor Taylor, do grupo de pensadores britânico Instituto de Serviços Reais Unidos (Rusi, na sigla em inglês).

Invisibilidade e detecção

O maior benefício dos submarinos a energia nuclear é que eles podem ficar submersos e continuar “invisíveis” por muito mais tempo. Os navios com motores convencionais não têm o mesmo alcance sem se expor à detecção, ao subirem à superfície. Os nucleares podem carregar combustível suficiente para até 30 anos de operação e só precisam retornar ao porto para manutenção e abastecimento.

Os submarinos a energia nuclear são “as máquinas mais complexas que os humanos fabricam, ainda mais que o ônibus espacial”, segundo um especialista em defesa. “Você tem um reator nuclear na popa, altos explosivos na proa e no meio um hotel onde vivem pessoas, e a coisa toda fica embaixo da água durante meses.”

Não está claro que tipo de projeto Canberra escolherá. No entanto, provavelmente será baseado nos submarinos Astute do Reino Unido, construídos pela BAE Systems, ou o equivalente americano, da classe Virginia, construído pelos estaleiros General Dynamics Electric Boat e Newport News Shipbuilding.

Uma das principais questões será até que ponto os britânicos e os americanos vão entregar aos australianos sua tecnologia de funcionamento silencioso e de sonar.

Capacidade bélica

A Austrália também aumentará significativamente sua capacidade bélica sob o acordo tripartite.

Richard Fontaine, chefe do Centro para uma Nova Segurança Americana, disse que a Austrália utilizará mísseis convencionais nos submarinos, que têm maior capacidade de carga do que teriam os franceses.

A decisão de adquirir mísseis Tomahawk —que podem ser disparados de navios ou de submarinos— também representa um grande acréscimo às capacidades australianas.

“Os Tomahawk transformam um navio de superfície em um ativo estratégico que pode atacar instalações militares em terra a mais de 1.500 quilômetros de distância. Essa nova capacidade de carga atualizará de maneira significativa o poder de ataque convencional da marinha australiana”, disse Eric Sayers, especialista em defesa no Instituto de Empresas Americanas.

Segundo Sayers, a medida mantém a tendência de Canberra de adotar munições em comum com os Estados Unidos, incluindo armas antinavios como o torpedo MK48 e o míssil LRASM, que pode ser lançado de um jato de combate F-18.

Os Tomahawk dariam à Austrália maior capacidade de atingir alvos na China em um conflito, o que é importante porque os EUA e seus aliados teriam menos ativos militares ao largo da costa chinesa do que os militares chineses. “O Tomahawk abre a porta para ataques de longo alcance contra alvos terrestres, como derrubar sistemas integrados antiaéreos e antimísseis ou hangares de aeronaves”, disse Sayers.

Quem construirá os novos submarinos?

O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, pode ter exagerado o impacto potencial para a indústria britânica, mas executivos de defesa disseram que é cedo demais para dizer o que o acordo poderá significar para as empreiteiras do país. No entanto, deverá haver alguns benefícios.

Sash Tusa, analista da Agency Partners, disse que “um programa de equipamentos de defesa de US$ 50 bilhões ou mais, mesmo estendido por 20 anos, deverá produzir alguns vencedores, especialmente porque a Austrália se torna muito amarrada aos EUA e ao Reino Unido. Ela não tem indústria nuclear própria, por isso precisará de muitas décadas de apoio pesado, incluindo fornecimento direto de combustível nuclear”.

A BAE, que constrói submarinos para a marinha britânica em seu estaleiro em Barrow-in-Furness, no noroeste da Inglaterra, é considerada em posição privilegiada. A companhia já está construindo uma versão de fragatas Type 26 para os australianos em um novo estaleiro em Adelaide. A Rolls-Royce, que fornece os sistemas de propulsão para submarinos britânicos, poderá fabricar reatores para a frota australiana.

Taylor, do Rusi, aponta que, apesar dos problemas do Reino Unido com o programa Astute, que foi prejudicado por atrasos e aumento de custos no início, os submarinos são mais baratos que seus homólogos americanos.

Quanto tempo vai levar?

Morrison, da Austrália, disse nesta semana esperar que os primeiros submarinos nucleares sejam construídos em Adelaide até 2040. Muita coisa ainda pode dar errado: a construção desses navios é um empreendimento gigantesco, e a maioria dos programas geralmente atrasa e estoura o orçamento.

Os novos submarinos Astute do Reino Unido podem ter tecnologia de ponta, mas sua obtenção permite prever que as coisas vão demorar —e custar— mais que o originalmente esperado.

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