Na esteira do sucesso atingido na 2ª edição do evento Nuclear Technology Trade and Exchange (NT2E), realizada no fim de julho pela Associação Brasileira para o Desenvolvimento de Atividades Nucleares (Abdan), o presidente da instituição, Celso Cunha, discorre sobre os projetos que ainda pretende implantar, a parceria com a Associação Brasileira de Energia Nuclear (Aben), que promoverá a International Nuclear Atlantic Conference (INAC) 2021 entre 29 de novembro e 2 de dezembro e o atual momento do Programa Nuclear Brasileiro (PNB), entre outros assuntos.
“Vivemos um momento de ascensão [no setor nuclear brasileiro]. Diversas questões estão sendo resolvidas, mas requer cuidado porque temos um bebê que está se tornando uma criança. Faço o paralelo porque encararemos um cenário político em 2022. Vivemos uma pandemia, que vem criando dificuldades, e esse processo de transição da política brasileira precisa ser muito bem acompanhado. Precisamos continuar avançando, sobre pena de perdermos o que construímos até aqui nos últimos anos”, salienta.
E completa: “O setor nuclear deveria ser tratado como Política de Estado, assim como outros setores. O Brasil é campeão em ter obras onde você constrói a ponte, mas não existe a estrada. Questões de Estado têm que ser duradouras”. Confira a entrevista concedida pelo presidente da Abdan à Aben abaixo.
Há quanto tempo é presidente da Abdan e qual sua trajetória até ocupar o cargo?
Estou à frente da Abdan há quatro anos e completo meu segundo mandato em março de 2022. Terminei o mandato do meu antecessor, porque eu era vice-presidente e ele teve que se ausentar, entre o fim de 2017 e o início de 2018. Depois, fui eleito. Antes de chegar à Abdan, fui diretor Comercial da Nuclebrás Equipamentos Pesados S.A. (Nuclep).
Quais principais desafios enfrentou e quais projetos ainda pretende implementar na Abdan?
Tínhamos uma instituição de mais de 30 anos de idade com um formato de governança pouco cooperativo. O setor nuclear brasileiro tem altos e baixos historicamente, e se não conseguirmos construir um processo cooperativo será muito difícil mantê-lo em alta o tempo todo. Portanto, o primeiro grande desafio foi criar uma governança forte. Estruturá-la, principalmente no aspecto financeiro. A Abdan é uma associação onde os sócios são empresas, não temos pessoas físicas como sócios, e trabalhamos fundamentalmente para criar um mercado salutável. Isso pressupõe um ambiente de regulação, de inovação e de capacitação muito bem estruturado. Com a entrada do Almirante Bento no Ministério de Minas e Energia (MME), o setor nuclear voltou a ser bem estruturado. O Gabinete de Segurança Institucional (GSI) começou a fazer um trabalho muito forte nesse sentido. A Política Nuclear Brasileira foi atualizada, Angra 3 está saindo do forno, temos uma empresa vencedora da parte da construção do Caminho Crítico da usina, a mina de Caetité foi reaberta e há uma série de revisões sendo feitas na área de regulação. Não apenas geração de energia, mas temos que ressaltar a mineração, a medicina nuclear e todas as aplicações que envolvem o setor. A Abdan trabalha em todos os segmentos. Há cerca de três anos fomentamos muito o setor de Medicina Nuclear, temos sócios da área e eles entendem o papel que a Abdan joga nesse cenário. Não vejo concorrência nenhuma com outra associação, pois temos uma missão muito clara, que é diferente da missão da Aben e das outras associações. Trabalhamos para nossos sócios. No início montamos um Planejamento Estratégico de dois anos, que foi 100% cumprido. Agora publicamos o Planejamento Estratégico 2021-2026 considerando uma série de cenários. Abrimos uma série de projetos, aumentamos o nível de comunicação, ampliamos e fortalecemos nossa presença nas redes e criamos o projeto Nuclear Talks. Ele é um programa que engloba quatro eventos: Business Webinar, realizado no primeiro semestre; Nuclear Technology Trade and Exchange (NT2E), voltada para o ambiente de negócios; Nuclear News, que será um programa de entrevistas feito em estúdio; e nossa tradicional Medalha de Honra ao Mérito Nuclear no fim do ano, concedida para cinco personalidades que realizaram contribuições relevantes ao setor.
Qual o balanço da NT2E, realizada no fim de julho?
Dois painéis que não puderam acontecer por questões técnicas ficaram para o dia 1º de setembro: um sobre a cadeia produtiva e outro é uma rodada de negócios. A NT2E teve 34 painéis, 130 palestrantes do mundo todo, impacto de 680 mil impressões na rede social, 1.927 inscritos e mais de 14 mil visualizações internas. O mais importante é que teve um formato voltado para o ambiente de negócios. Além das palestras, ocorreram entregas, chamada para inovação tecnológica, rodadas de negócios, lançamento do mega cluster (envolve Rio, Minas e São Paulo), criação de fórum para small reactors e assinatura de acordo com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA). Todos os painéis focados no ambiente de negócios e na busca pelo fortalecimento do setor nuclear. Foi a segunda edição da NT2E. A primeira edição, na verdade, foi uma composição entre a World Nuclear University (WNU) e a NT2E. Agora reposicionamos nossos eventos e públicos. Neste ano a NT2E teve mais de 50 horas de transmissão.
Em sua visão, em que estágio se encontra o Programa Nuclear Brasileiro?
Vivemos um momento de ascensão. Diversas questões estão sendo resolvidas, mas requer cuidado porque temos um bebê que está se tornando uma criança. Faço o paralelo porque encararemos um cenário político em 2022. Vivemos uma pandemia, que vem criando dificuldades, e esse processo de transição da política brasileira precisa ser muito bem acompanhado. Precisamos continuar avançando, sobre pena de perdermos o que construímos até aqui nos últimos anos. Podemos considerar que o Programa Nuclear Brasileiro de 2017 para cá está em um novo momento. O ano de 2022 será de provação. Que o novo governo, seja ele composto pelas mesmas pessoas ou não, reconheça o papel do setor nuclear. Determinados estereótipos criados por outras fontes de energia, que querem maior participação na matriz energética brasileira, vêm caindo. O risco hidrológico nos deixa à beira de uma situação muito complicada. As fontes eólica e solar são ótimas, mas têm caráter intermitente e baixo fator de capacidade. A fonte hídrica sofre os efeitos do aquecimento global. As fontes térmicas mantêm a estabilidade do sistema, mas as usinas movidas a gás, a óleo e a carvão são caras e poluentes. Resta, então, a fonte nuclear. Temos a 9ª maior reserva conhecida de urânio no mundo. A NT2E mostrou um trabalho excelente do Serviço Geológico do Brasil (CPRM), que está mapeando os outros dois terços do território nacional não prospectados. As usinas nucleares podem exercer um papel, inclusive, de ajudar os reservatórios a se recomporem. Acho que vivemos uma pressão natural para a entrada das nucleares, mas lutamos contra forças muito poderosas. O setor de petróleo aporta muitos recursos em instituições que trabalham com informações não completas à população.
E as demais aplicações da energia nuclear?
Na Medicina Nuclear precisamos abrir o mercado. Há falta de produtos e de insumos. O Reator Multipropósito Brasileiro (RMB), em voga desde 2010, é importante, mas não apareceu no Orçamento da União nos últimos anos. Precisamos flexibilizar o monopólio e permitir que o setor privado possa abastecer mais o mercado. Em relação à área de irradiação, começando pela parte de alimentação, o mundo tem enorme demanda. As técnicas de irradiação dão durabilidade com total segurança aos produtos, bem como garantia de redução de custos para exportação. Mas há um trabalho de informação a ser feito, porque as pessoas ainda têm muito receio. É muito importante ter a clareza de que não há contaminação radioativa. De modo geral, o setor nuclear vive um momento bom, contudo o sinal amarelo está ligado por conta das questões políticas. Ele deveria ser tratado como Política de Estado, assim como outros setores. O Brasil é campeão em ter obras onde você constrói a ponte, mas não existe a estrada. Questões de Estado têm que ser duradouras.
A International Nuclear Atlantic Conference (INAC) 2021 tratará da descarbonização e do aumento da qualidade de vida. Qual o papel da energia nuclear nesse contexto?
A Abdan sempre apoia a INAC, pois achamos que há uma complementaridade e sinergia. Temos sinergia com a própria Aben, tanto que seu presidente atual é conselheiro da Abdan. Não vemos problema nenhum nisso. Como a INAC 2021 destacará, a fonte nuclear é limpa e, sendo assim, aparecerá como solução. Acho que todos nós temos que nos unir e trabalhar para apoiar isso. A indicação do rumo da INAC é correta e toda a equipe por trás do evento está de parabéns.
Que caminhos podem ser trilhados no sentido de aumentar ainda mais o relacionamento entre a Aben e a Abdan?
Acho que é uma conversa que precisa ser aprofundada. A Aben passou por um momento difícil, com a perda de seu presidente de maneira repentina. Deixo os meus sentimentos e o meu apreço a todo o time da Aben e à família dele. Precisamos discutir como e onde podemos trabalhar juntos. A maior parte dos sócios da Aben é de pessoas físicas, diferente da Abdan, que é de pessoas jurídicas. A Aben tem uma proximidade mais acadêmica. É um desafio para as diretorias buscar os pontos de convergência, fora a batalha política pelo setor nuclear, que tem que ser constante e conjunta. E quando tivermos visões diferentes, não há problema nenhum. Viva a democracia! Que todos tenham as suas opiniões. Nem sempre iremos convergir com o mesmo pensamento. Acho que o grande ponto de sinergia está nas batalhas políticas e os projetos poderão ser discutidos caso a caso.
Gostaria de dar uma palavra final?
Minha mensagem é sempre de otimismo. Nada surge do nada. Se alguma coisa apareceu, é porque a construímos. E, sendo assim, devemos zelar por aquilo que construímos. Minha mensagem é nessa linha. Por meio de um processo cooperativo e sinérgico, vamos trabalhar e nos unir no sentido de mantermos o que construímos e avançarmos sempre. Nada de retroagir. Apoiaremos o sucesso da INAC, pois é muito importante que traga bons frutos. Que a nossa academia possa avançar. O lado tecnológico do setor nuclear está muito prejudicado nos últimos anos. Precisamos fortalecer os institutos de pesquisa, porque temos profissionais de qualidade. Um exemplo muito simples está na produção da vacina do Instituto Butantan contra a Covid-19. Uma das técnicas de inativação do vírus utiliza a radiação. É um trabalho conjunto de equipes do Instituto Butantan e do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen/Cnen).
Fonte: ABEN