A energia do sol vem de minúsculas partículas chocando-se entre si, fundindo-se e emitindo calor no processo. Físicos tentam controlar essa energia em laboratórios desde o alvorecer da era atômica. Isso se chama fusão nuclear, e tem sido a grande novidade em energia há mais de meio século.
Há muito tempo domínio de pesquisas financiadas por governos e colaborações internacionais, as empresas privadas de fusão nuclear da América do Norte e Europa atraíram US$ 300 milhões em investimento privado em 2020, cerca de 20% do total em sua história, de acordo com o grupo de pesquisa BloombergNEF. O montante deste ano deverá superar do ano passado e 2019.
Há umas duas dezenas de competidores e vários destaques. Ao longo de seus 23 anos de existência, a TAE Technologies, sediada no Condado de Orange, Califórnia, levantou US$ 880 milhões, pelo menos 15% da quantia este ano.
A First Light Fusion, que nasceu na Universidade de Oxford, levantou pelo menos US$ 25 milhões no ano passado para o desenvolvimento de reatores. A promessa dessas startups atraiu atenção e recursos de importantes investidores em busca de energia carbono zero.
Apoiada por Jeff Bezos, a General Fusion espera construir uma instalação de testes no Reino Unido que será ligada em 2025; e uma usina comercial deverá se seguir em até uma década. Empresas do setor de energia, incluindo ENI, Equinor, Cenovus e Chevron, investiram em fusão nuclear, de acordo com o BloombergNEF.
O interesse é tão alto que uma organização conhecida por não concordar totalmente com nada, o governo federal dos Estados Unidos, autorizou um gasto de US$ 4,7 bilhões em fusão nuclear e pesquisas relacionadas por meio de uma emenda aprovada em dezembro de 2020. O montante inclui US$ 1,5 bilhão para o ITER, um reator nuclear de US$ 25 bilhões em construção no sul da França em que 35 países trabalham.
A Academia Nacional de Ciências publicou um relatório em fevereiro afirmando que “o Departamento de Energia e o setor privado deveriam produzir uma rede de eletricidade em uma usina piloto de fusão nuclear nos Estados Unidos entre 2035 e 2040.”
Os cientistas ainda não conseguem iniciar uma reação de fusão nuclear que produza de maneira sustentável mais energia do que utiliza. Mas a empolgação cresceu à medida que os planos do governo e da iniciativa privada moveram-se cada vez mais no sentido da superação do limite do “ganho líquido de energia”.
O progresso decorre de várias inovações, de acordo com Arthur Turrell, autor de “The Star Builders” (Os fabricantes de estrelas), um livro de ciência popular a respeito de energia gerada por fusão nuclear publicado este mês. Alguns avanços são tecnológicos, tais como utilizar raios laser para confinar as reações. Outros são relativos a computação avançada, o que permitiu a engenheiros projetar máquinas com precisão impensável anteriormente. Um beneficiário dessas inovações deu outro passo na direção da realidade este mês, quando cientistas alemães fizeram progresso em um dispositivo chamado Wendelstein 7-X.
A terceira novidade é a atenção de todo o setor privado. Se a confiabilidade de uma das startups chegar ao “ponto de ignição” – o Santo Graal para a produção de mais energia do que a utilizada na reação – isso podo tornar segura a construção de usinas. “Esse é o primeiro passo” no sentido da comercialização, afirmou Turrell. “É como o avião dos irmãos Wright voando pela primeira vez: você não gostaria de estar naquele voo, mas ele prova um princípio.”
As dores de cabeças práticas são enormes, mesmo que não sejam tão complicadas quanto construir um pequeno sol na Terra. Isso requer materiais que devem resistir a temperaturas estrelares por décadas sem se deteriorar. Um combustível nuclear essencial, o trítio, tem de ser manufaturado antes que essa indústria possa decolar. Agências reguladoras regularão, e o mundo inteiro brigará e moverá processos contra isso. E também há a questão de como capturar o calor e fazer tarefas, em última instância, simples – ferver água, produzir vapor e fazer girar uma turbina para gerar eletricidade.
Há uma década ou mais, a indústria nuclear tradicional, que divide os átomos em vez de fundi-los, trabalhou na nova geração de projetos de reatores que eram amplamente aclamados como o futuro, mas definharam com a indústria nos EUA. Esse atraso poderia dar espaço a uma bem-sucedida tecnologia de fusão nuclear – há vários tipos no jogo – que se mostrasse uma oferta melhor do que fissão nuclear, sem as dores de cabeça do lixo atômico nem os riscos de vazamentos radioativos, afirmou Turrell.
“Não existem derretimentos” na fusão nuclear, afirmou Chris Gadomski, chefe de pesquisas em energia nuclear do BloombergNEF. “Não sobra lixo atômico para lidar.”
Também não resta tempo a perder. Ninguém saiu gritando isso, mas o imenso relatório climático publicado pelas Nações Unidas na semana passada reitera o entendimento anterior de cientistas que o mundo deveria chegar à emissão zero de carbono até 2050 – e à metade dessa meta em 2030. Em outras palavras: mesmo que a fusão nuclear tivesse realmente chegado 50 anos antes, nosso tempo também estaria acabando. /Tradução de Augusto Calil
*Eric Roston escreve a newsletter Climate Report, a respeito dos impactos do aquecimento global.