Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
Uma revisão atualmente em curso na regulamentação do setor nuclear poderá facilitar a implantação de projetos de novas usinas movidas por essa fonte no Brasil. O tema foi discutido na manhã de hoje (29), durante a conferência virtual Nuclear Trade & Technology Exchange (NT2E), em um painel sobre a escolha de novos sítios no país. O diretor de radioproteção e segurança da Comissão Nacional de Energia Nuclear (CNEN), Ricardo Gutterres, explicou um pouco durante o evento como será essa revisão, que afetará diretamente o processo de aprovação dos próximos locais destinados a receber as eventuais novas centrais nucleares brasileiras.
“A regulamentação relativa ao local de novas usinas está em revisão, com uma mudança importante. Hoje, solicitamos que haja uma usina de referência para que esse processo de licenciamento ocorra. Com a mudança de regulamentação, será considerado não uma usina de referência, mas o envelope operacional dessa planta. Será uma abordagem mais flexível, considerando o envelope dessas futuras plantas”, detalhou Gutterres, que participou como um dos debatedores do painel.
Segundo fontes do setor ouvidas pelo Petronotícias, essa alteração é classificada como “fundamental”. O que membros da indústria nuclear avaliam é que sem essa mudança ficaria muito difícil implementar projetos de novas usinas em um modelo competitivo. Hoje, para o licenciamento de um sítio nuclear, o empreendedor já precisa ter escolhido o tipo de usina que será construído. Angra 1, por exemplo, já foi licenciada com a definição de que seria um modelo desenvolvido pela americana Westinghouse.
O que o setor nuclear almeja, e esse é o objeto da revisão da CNEN, é uma flexibilidade maior. Dessa forma, os futuros novos sítios estariam licenciados a receber diferentes tipos de usinas, desde que essas plantas possuam um determinado conjunto de parâmetros. Assim, em uma eventual futura licitação para fornecimento de novos reatores, diferentes empresas poderiam oferecer seus equipamentos para um mesmo sítio nuclear.
Para lembrar, o Plano Nacional de Energia (PNE 2050) indica que o Brasil poderá acrescentar de 8 GW a 10 GW de nova capacidade nuclear no horizonte até 2050. Na visão do presidente da Eletronuclear, Leonam Guimarães (foto à direita), o dado apresentado no PNE 2050 representaria cerca de oito novas usinas nucleares convencionais.
“Dependendo de parâmetros de expansão da energia solar, esse plano considera que o aumento da capacidade nuclear seria de 8 GW a 10 GW. Eu acho que quando falamos desse valor, pensando em usinas convencionais de 1 GW cada, estamos falando cerca de oito usinas implementadas até 2050. Do ponto de vista economia, construção e engenharia, [esse número] é bastante viável”, avaliou Guimarães, que foi o comentarista técnico do evento.
DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E MEIO AMBIENTE: O IMPACTO DAS USINAS NUCLEARES EM SEU ENTORNO
Além de abordar aspectos sobre as escolhas dos novos sítios, o painel tratou dos impactos positivos causados pelas usinas nucleares em seu entorno. Para a diretora sênior da EPRI, Tina Taylor (foto à esquerda), o processo de decisão de novos sítios nucleares atualmente leva em consideração os desdobramentos benéficos desses empreendimentos na economia. “As necessidades da sociedade mudam o tempo inteiro. Nos processos antigos de escolha de sítios, a perspectiva do operador da usina era o fator principal, levando em conta aspectos como o acesso aos recursos humanos. Mas agora, isso mudou para outra direção. A escolha de sítio visa às comunidades nas quais queremos gerar empregos e oportunidades econômicas”, avaliou a diretora do EPRI.
Para lembrar, o EPRI (Electric Power Research Institute) é uma organização americana sem fins lucrativos que realiza pesquisas e desenvolvimento relacionados à geração, entrega e uso de eletricidade. No passado, novos sítios no Brasil foram mapeados usando os critérios propostos pelo EPRI. De acordo com Taylor, a entidade já está trabalhando na atualização desses parâmetros. “Estamos trabalhando na próxima atualização agora. Acredito que seja finalizada no ano que vem”, concluiu.
O presidente da Rosatom América Latina, Ivan Dybov, também frisou durante o evento os efeitos multiplicadores na economia gerados a partir dos investimentos em novas centrais nucleares. Falando sobre a Rússia, ele chegou a comentar que havia uma certa disputa entre governantes locais do país pelos projetos de construção de novas usinas. “No começo do programa nuclear russo, havia uma certa competição entre governadores onde estariam os sítios das usinas. As usinas nucleares pagam bastante impostos e também geram muitos empregos no setor de serviços. Então, isso foi uma coisa levada em consideração nos cálculos”, contou o executivo.
Por fim, o presidente do Centro de Pesquisas de Energia Elétrica (Cepel), Amilcar Guerreiro (foto à direita), lembrou que o mundo tem a tendência de tornar-se mais elétrico diante do contexto de transição energética e do desejo de reduzir as emissões de gases do efeito estufa. “Se você quer um mundo com menos emissões de carbono, um dos caminhos é o hidrogênio. Para fazer hidrogênio, será preciso ter energia elétrica produzida a partir de fontes não emissoras. Então, a nuclear é um desses caminhos”, ponderou. O evento foi apresentado pela jornalista Denise Luna, da Folha de S. Paulo.