Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
A discussão sobre os pequenos reatores modulares (SMRs, na sigla em inglês) está pouco a pouco ganhando corpo no Brasil. Esse movimento de jogar luzes sobre essa promissora tecnologia está sendo capitaneado pela Associação Brasileira para Desenvolvimento das Atividades Nucleares (ABDAN) ao longo do ano de 2021. Agora, o debate sobre SMRs ganhará um impulso extra: a criação de um Fórum Permanente para discussão sobre esse tema. O novo organismo será composto por empresas, institutos de pesquisa e importantes peças do governo, como a Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Para conhecer mais sobre o fórum, vamos começar a semana entrevistando o presidente da ABDAN, Celso Cunha, e o presidente da EPE, Thiago Barral, que explicarão um pouco sobre como será o funcionamento dessa nova estrutura. O fórum será oficialmente lançado na quinta-feira (29), durante a programação da Nuclear Trade & Technology Exchange (NT2E) – conferência internacional organizada pela ABDAN que começará na próxima terça-feira (27). Barral avaliou o potencial dos SMRs no Brasil e ressaltou alguns dos benefícios desses equipamentos. “A tecnologia SMR pode ser uma forma de trazer uma redução estrutural nos custos e nos riscos dos projetos de energia nuclear. Essa aplicação, portanto, vem no sentido de tornar a fonte nuclear cada vez mais acessível e competitiva”, disse o presidente da EPE. Já Cunha destacou a necessidade de união de esforços para possibilitar o desenvolvimento de projetos do tipo no país: “Vamos reunir as empresas, órgãos de governo e institutos para que cada um possa contribuir de uma maneira sinérgica. Precisaremos de muitos braços para poder acelerar esse processo no Brasil”, explicou.
Para começar nossa entrevista, seria interessante conhecer as motivações que levaram a essa ideia de criar o Fórum Permanente de SMRs.
Thiago – No âmbito da transição energética, há muita discussão sobre a importância das energias limpas. A energia nuclear se insere dentro desse contexto, como uma potencial fonte para auxiliar nos esforços voltados para o atingimento da neutralidade de carbono. Nesse contexto, várias novas tecnologias nucleares estão sendo aventadas e discutidas, como é o caso dos pequenos reatores modulares. O Plano Nacional de Energia (PNE 2050) identificou a importância de progredir nos estudos sobre as potenciais aplicações dessa tecnologia no Brasil. Particularmente no caso da EPE, estamos buscando compreender as aplicações [dos SMRs] no setor de energia. Nesse bojo, firmamos um acordo de cooperação com a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) com o objetivo de, nos próximos dois ou três anos, desenvolvermos estudos técnicos relacionados à aplicação dessas tecnologias no Brasil.
Por conta disso, realizamos reuniões com a ABDAN e com uma série de empresas interessadas no assunto. A partir disso, surgiu a ideia de criar o Fórum Permanente de SMRs, justamente para que pudéssemos congregar empresas e instituições. Dessa forma, poderemos aproveitar as sinergias entre esses agentes e compartilhar conhecimentos e aprendizados.
O tema de SMRs tem ganhado mais destaque nos debates dentro da indústria nuclear brasileira neste ano. Como o lançamento desse fórum pode contribuir com esse movimento?
Celso – Temos mais de 100 projetos de SMRs no mundo. Boa parte deles está avançando. Alguns desses projetos estão entrando em fase de licenciamento. É uma nova tecnologia que veio para ficar, pois traz uma série de vantagens. Um dos pontos favoráveis é que essa tecnologia reduz o risco do empreendimento, porque o volume de recursos e o tempo de construção demandados por esses reatores são menores. Existe ainda a possibilidade também de trazer esses reatores praticamente prontos de fábrica, ganhando escala de produção. O aspecto ambiental de licenciamento é muito menor em comparação com um grande reator, por exemplo.
Além disso, é possível colocar os SMRs em áreas remotas e o intervalo de reabastecimento desses equipamentos é bem maior. Importante destacar que os SMRs são capazes de trabalhar com qualquer outra fonte em conjunto. Ou seja, o número de vantagens é enorme. Enxergamos isso como uma grande transição e uma grande contribuição na transição energética que vai acontecer ao longo desse século.
Como serão as contribuições da EPE dentro desse fórum?
Thiago – A contribuição que queremos trazer para o fórum é a atualização sobre os estudos que estamos fazendo no âmbito da cooperação técnica com AIEA. A nossa ideia é atualizar periodicamente os membros do fórum sobre o avanço desses estudos. Obviamente, também vamos colher percepções e contribuições das demais entidades públicas ou privadas participantes do fórum, para que possamos incorporar essas informações nos estudos que estão sendo feitos.
Além desses estudos, que outras questões importantes devem ser visitadas para viabilizar projetos do tipo no país?
Celso – Para a implantação de SMRs no Brasil, será preciso estudar o mercado e identificar oportunidades. Também será necessário adaptar o nosso licenciamento e a regulação para essa tecnologia. Precisaremos reunir muitas informações até os SMRs virarem uma realidade. A maioria das grandes empresas desse setor estão filiadas à ABDAN. Então, estamos contribuindo com informações e sinergias. Ninguém vai à lugar algum sozinho. Precisaremos trabalhar em conjunto. Vamos reunir as empresas, órgãos de governo e institutos, no sentido de que cada um possa contribuir de uma maneira sinérgica. Precisaremos de muitos braços para poder acelerar esse processo no Brasil. Nosso país tem uma capacidade de produção de equipamentos, mas ninguém faz nada sozinho nesse mundo globalizado.
O PNE 2050, em linhas gerais, diz que é possível ver novos projetos baseados em SMR depois de 2030. Alguns membros do setor nuclear, no entanto, afirmam que seria interessante tentar acelerar um pouco mais esse processo. Como avalia isso?
Thiago – A atual década é um período importante para que possamos pavimentar as aplicações em escala comercial, principalmente para o período após 2030. Existem vários conceitos sendo desenvolvidos sobre essa tecnologia no mundo. Alguns estão mais avançados, outros ainda em um estágio não tão maduro. O que eu diria é que esse é um momento de lançar as bases para que, futuramente, possamos tirar proveito dessa tecnologia de SMRs. Na nossa avaliação, ela é uma tecnologia relativamente cara quando comparada com as fontes tradicionais. Mas existe um potencial muito grande nos SMRs.
Pelo fato de ser modular, você pode ter um método de construção no qual há um potencial de redução de custos muito grande. Por ser pequeno, esse reator permite aplicações mais flexíveis na energia nuclear. Sem contar ainda com a redução de riscos de construção em relação aos grandes projetos. Então, o potencial é muito interessante.
Mas para isso, é preciso adaptar e aprimorar os estudos de planejamento energético, de modo que seja possível compreender onde faz sentido ter pequenos reatores modulares no Brasil. Eu acho que teremos que passar por um aprendizado antes de poder prescrever algum tipo de aplicação. É necessário aprender mais sobre esse assunto e preparar o planejamento energético para compreender, de fato, os nichos e as aplicações para esse tipo de tecnologia. Preparar o terreno para essas novas tecnologias, que podem ser cada vez mais importantes nas próximas décadas, é uma etapa fundamental.
O Fórum Permanente será um instrumento para esse preparação do país para desenvolver projetos do tipo?
Thiago – Exatamente. O fórum será muito importante no sentido de trazer atores de destaque nesse processo de preparação para eventuais aplicações da tecnologia de SMR, a partir do compartilhamento de conhecimento, experiências e preocupações que mereçam estudos ou avaliações complementares. O fórum também será muito crucial para que possamos conhecer as potenciais aplicações e a evolução no desenvolvimento dessas tecnologias.
Como já é de conhecimento do mercado, uma resolução do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), lançada no mês de fevereiro, incluiu a energia nuclear como uma das áreas prioritárias para investimento em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Então, o Fórum Permanente sobre SMRs vai ser muito importante para que possamos subsidiar os ministérios de Minas e Energia e Ciência, Tecnologia e Inovações, dando concretude a essa resolução do CNPE.
Como será o evento de lançamento do fórum?
Celso – Na próxima quinta-feira (29), durante a NT2E, teremos dois painéis sobre SMRs. O primeiro será no período de manhã, com a participação do Stefanio Monti, chefe da seção de desenvolvimento de tecnologia em energia nuclear da AIEA. Além dele, representantes de diversas empresas como Westinghouse, Holtec, EDF, Tractebel, GE Hitachi e Rosatom estarão presentes.
Esse painel continuará na parte da tarde, quando o palestrante principal passará a ser o Giovanni Machado, que é o diretor de estudos econômicos-energéticos e ambientais da EPE. Os representantes das empresas de um debate com ele, abordando como vamos construir esses projetos no Brasil. No momento em que abrirmos esse painel da tarde, o presidente Thiago Barral e eu estaremos lançando o Fórum Permanente sobre SMRs. A cada quatro meses, o fórum irá reunir-se para traçar uma estratégia de construção de todos os passos necessários para ajudar no desenvolvimento de projetos com essa tecnologia no Brasil.
Por fim, gostaria de ouvir um pouco sobre as características mais interessantes da tecnologia de SMRs para o Brasil. A possibilidade de usar esses reatores em locais isolados é um ponto que chama atenção?
Thiago – O maior potencial que eu vejo nos SMRs é o de redução de custos e riscos em relação aos grandes projetos nucleares, que muitas vezes sofrem com atrasos nos cronogramas. Essa aplicação, portanto, vem no sentido de tornar a fonte nuclear cada vez mais acessível e competitiva. Outro ponto é que essa tecnologia pode aumentar a flexibilidade da geração nuclear. Isso casa muito bem com a ampliação das fontes renováveis não controláveis, como eólica e solar, que têm um comportamento mais variável. Essas são vantagens que podem justificar a aplicação de pequenos reatores modulares no Sistema Interligado Nacional (SIN).
Para aplicações em sistemas isolados, é importante pensar nas alternativas com as quais esse tipo de solução vai concorrer. Em determinadas localidades, há uma série de recursos associados ao armazenamento de energia que, de certa forma, podem ser soluções mais competitivas. Mas dependendo das escalas das aplicações ou de grandes projetos que demandem muita energia, em locais distantes, eventualmente esse tipo de tecnologia pode sim encontrar um nicho de mercado.
A grande mensagem é que existe uma diversidade de potenciais aplicações para essa tecnologia. Além disso, há ainda uma grande diversidade de conceitos – reatores modulares de diferentes portes, com características distintas. Para cada tipo de aplicação você pode eventualmente ter um determinado tipo de reator modular. Então, estamos falando de uma tecnologia que é muito versátil e, portanto, não deve ser pensada apenas para um mercado específico. Acho que devemos ter um olhar bastante abrangente em relação às potenciais aplicações de SMRs no Brasil.