Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
Uma das grandes notícias dos últimos dias no setor de energia do Brasil foi a assinatura do contrato para a estruturação da conclusão das obras de Angra 3. O consórcio escolhido pelo BNDES para conduzir esse trabalho foi o Angra Eurobras NES, liderado pela companhia Tractebel. Para conhecer mais sobre os próximos passos desse projeto, conversaremos hoje (7) com o presidente da Tractebel na América Latina, Cláudio Maia. O executivo revela que os primeiros seis meses de trabalho de estruturação de Angra 3 serão dedicados à elaboração de uma avaliação técnica do estado da usina. Ao final desse período, o consórcio apresentará também a proposição para as próximas etapas, inclusive com estimativas de custo e prazo para a conclusão das obras. Neste momento, já existe um time de 30 profissionais de Brasil, Bélgica e Espanha atuando no atendimento ao escopo da due diligence técnica. “Trabalhar em um projeto da importância de Angra 3 é muito significativo para qualquer empresa. Para nós, é um grande orgulho”, comentou Maia. O entrevistado falou ainda sobre a possibilidade de concessão de mais de um contrato EPC na retomada de Angra 3; explicou como será a atuação de cada consorciada na estruturação do projeto; e detalhou um pouco os planos da Tractebel para o futuro: “Em especial no caso brasileiro, não olhamos só a questão dos SMRs [pequenos reatores modulares]. O mercado nuclear do país se mostra favorável nos campos de energia, defesa, medicina e pesquisas”, concluiu.
Poderia revelar como a Tractebel recebeu a notícia de ter sido escolhida como a vencedora dessa concorrência para a estruturação de Angra 3? Qual o sentimento ao participar de um projeto tão importante para o setor de energia no Brasil?
Trabalhar em um projeto da importância de Angra 3 é muito significativo para qualquer empresa. Para nós, é um grande orgulho. Não apenas pelo fato de Angra 3 precisar retomar suas atividades e começar a gerar ao final de 2026, mas também por tratar-se de um trabalho de tecnologia de ponta. São poucas as empresas no mundo que poderiam habilitar-se a ganhar um trabalho dessa complexidade.
A usina de Angra 3 é um projeto que está com pouco mais de 60% de avanço físico concluído. A usina precisa ter sua obra retomada e concluída com a tecnologia mais moderna disponível. Trata-se de um trabalho de muita complexidade, demandando assim uma empresa de engenharia consultiva com capacidade de entender toda a gama das tecnologias nucleares disponíveis.
Após a assinatura do contrato com o BNDES, quais serão os próximos passos do consórcio?
O contrato que assinamos com o BNDES terá duração de 24 meses. Os primeiros seis meses de trabalho serão os mais importantes. Ao final desse período inicial do contrato, faremos a entrega do produto chamado due diligence técnico. Esse trabalho será uma avaliação técnica do estado da usina. Ele apresentará também a proposição para as próximas etapas, inclusive com estimativas de custo e prazo para a conclusão das obras.
Com esses dados da due diligence em mãos, os proponentes, construtores e fornecedores interessados poderão fazer suas ofertas na etapa seguinte, que é o regime de concorrência.
As empresas do consórcio Angra Eurobras NES (Tractebel Brasil, Tractebel Bélgica e Empresários Agrupados) vão continuar o fornecimento de serviços, inclusive auxiliando na equiparação e comparação das ofertas; e no atendimento de engenharias pontuais necessárias até o final do contrato.
Quantos profissionais estarão envolvidos nos trabalhos do consórcio?
A Tractebel Bélgica é uma referência mundial em energia nuclear. A Tractebel Brasil, por sua vez, conta com sua presença local e tradição de quase seis décadas no Brasil. Por fim, a Empresários Agrupados, de Madrid, também detém uma experiência muito grande no ambiente nuclear.
Essas três empresas se mobilizam, nesse primeiro momento, com 30 profissionais de Brasil, Bélgica e Espanha atuando no atendimento ao escopo da due diligence técnica. Esse número de pessoas envolvidas aumentará gradativamente à medida que o projeto avançar.
Uma semana após recebermos a informação da concessão do contrato, mobilizamos o nosso time para que, na data da assinatura do contrato, já tivéssemos esses 30 profissionais disponíveis para o trabalho.
Seria interessante se pudesse detalhar como será a atuação de cada uma das empresas do consórcio.
Usina de Angra 3
Existe uma definição que está ancorada nos aspectos de fortaleza de cada uma das empresas. De uma maneira macro, podemos dizer que as avaliações sobre tecnologia nuclear estarão compartilhadas entre a Tractebel Bélgica e a Empresários Agrupados. Já os aspectos relativos ao custo e ao cronograma, que têm muito a ver com o ambiente local para obras complexas, ficarão a cargo da Tractebel Brasil.
O projeto de Angra 3 já possui alguns anos mas, ao mesmo tempo, a usina precisará incorporar os avanços tecnológicos mais recentes do setor nuclear. Poderia nos falar um pouco sobre esse desafio de conciliar essa questão?
A usina de Angra 3 possui um projeto antigo e, além disso, sua obra ficou parada por alguns anos. Por isso, é normal que na retomada da construção seja preciso incorporar os avanços tecnológicos mais recentes. No entanto, a informação sobre onde e como será necessário fazer essa incorporação tecnológica dependerá do resultado da due diligence técnica. Isso tudo poderá ser evidenciado apenas mais adiante, ao final do trabalho. Hoje, seria muito difícil apontar onde estaria qualquer gap de tecnologia.
Na divulgação do contrato entre o BNDES e o consórcio Angra Eurobras NES, foi revelada a possibilidade de Angra 3 ter um ou mais contratos de EPC. Gostaria que explicasse esse ponto aos nossos leitores.
Uma das particularidades de projetos que estão paralisados e precisam ser retomados é que as componentes usuais de um empreendimento dessa natureza estarão em pontos diferentes (como a parte civil e o fornecimento, por exemplo). É assim que acontece no caso de Angra 3.
Uma das melhores competências do nosso consórcio é a experiência em desenhar os pacotes de contratação necessários de uma maneira otimizada. Se Angra 3 precisar de um, dois ou mais pacotes, isso dependerá daquilo que ainda precisa ser completado nas grandes áreas principais de um fornecimento de uma usina nuclear.
É normal que não se conheça, a priori, o conjunto de pacotes de fornecimento que será contratado. Como eu disse antes, precisamos completar primeiro a etapa de due diligence técnica. Depois disso, será possível desenhar a segmentação de pacotes, com o conhecimento pleno dos fornecimentos armazenados e daquilo que está construído na usina. O inventário disso tudo nos dará a visão de como será a segmentação de pacotes [de contratos] a serem lançados no mercado, em conjunto com o BNDES e a Eletronuclear.
O Brasil vive um momento de crise na geração hidrelétrica. Qual será a importância de Angra 3 para mitigar crises como essa no futuro?
Angra 3 é uma usina de grande capacidade e fica próxima ao centro consumidor. Ela será sempre um fator de estabilização do sistema em tempos de redução hídrica. De uns anos para cá, as novas usinas hidrelétricas do Brasil deixaram de ter grandes reservatórios e passaram a ser do tipo fio d’água. Por conta disso, há uma maior volatilidade na geração hidrelétrica em função de mudanças no clima.
Então, usinas nucleares ou térmicas a gás, por exemplo, não têm dependência do clima e nem são intermitentes, como as renováveis. Tudo o que Brasil acrescentar ao seu parque gerador que funciona a partir de combustível ajudará [no enfrentamento de situações de crises hídricas]. A usina de Angra 3 vai aumentar o nosso parque gerador que independe do clima e não tem intermitência.
Por fim, gostaria que nos contasse os planos da Tractebel para o segmento nuclear brasileiro. E também, se possível, poderia nos falar sobre como enxergam as possibilidades envolvendo os pequenos reatores nucleares?
A Tractebel é uma empresa de ponta na área nuclear. Por esse motivo, já estamos estudando e trabalhando no tema de SMR. Vemos nesse nicho tecnológico um imenso potencial de crescimento. Em especial no caso brasileiro, não olhamos só a questão dos SMRs. O mercado nuclear do país se mostra favorável nos campos de energia, defesa, medicina e pesquisas. Eu imagino que o setor nuclear deve crescer bastante nos próximos anos. Olhamos com bons olhos as oportunidades nessa indústria e estamos investindo nelas.