Enquanto você lê este texto, um maravilhoso disco voador —na verdade dois— está cruzando o cosmo carregando consigo a esperança de que, um dia, realizaremos o sonho de entrar em contato com uma nova e avançada civilização.
E não são discos quaisquer. Eles foram feitos com uma placa de cobre banhada a ouro, com capa de urânio-238 galvanizado, e neste momento viajam a cerca de 20 bilhões de km do nosso maltratado planeta Terra.
Você conhece a história?
Esta jornada incrível começou nos dias 28 de agosto e 5 de setembro de 1977, datas em que a Nasa enviou ao espaço duas sondas do programa Voyager, as Voyager 1 e 2. O objetivo inicial, fotografar e estudar os gigantes Júpiter, Saturno, Urano e Netuno.
Concluída essa primeira fase, a missão tomaria outro rumo: levar ao “infinito”, acoplados na parte exterior de cada uma das naves, um exemplar do mais exclusivo disco da humanidade, o LP-protótipo que ficaria conhecido como “Voyager Golden Record”.
Estamos falando desta belezinha retratada acima, que carrega dezenas e dezenas de sons e imagens da Terra, de seu povo, suas espécies e sua vizinhança planetária. Há cantos de animais, barulhos de trens, trovões, ondas na praia, além de saudações em 55 idiomas.
Aqui está nosso ‘oi, ET’ em português brasileiro, com sotaque claramente carioca
Ou seja, nós despachamos sem endereço, mas com remetente, nada mais que um “press kit” da Terra, criado na tresloucada década de 1970 por cientistas marqueteiros “thinking totally outside the box“. A rigor seria isso.
E, para divulgar a indescritível cultura terráquea, nada como encher a coisa de música, não é mesmo?
A equipe do cientista-chefe Ed Stone, que contava com o cosmólogo Carl Sagan, inseriu 27 músicas. Obras de Bach (interpretado por Glenn Gould), Mozart, Beethoven (pelo Quarteto de Cordas de Budapeste), Stravinsky, além de uma gama de sonoridades folclóricas de várias localidades do planeta.
Clique aqui para ver e ouvir o conteúdo dos Golden Records.
Pop? Temos também
Embora as chances sejam remotas, o alienígena que encontrar esta mensagem na garrafa perdida no oceano cósmico —talvez perto do restaurante do fim do universo— poderá escutar o hino do blues “Dark Was the Night, Cold Was the Ground”, de Blind Willie Johnson, e nada menos que “Johnny B. Goode” de Chuck Berry.
Incluir rock nesta trilha intergaláctica alvoroçou a comunidade científica da época, que considerava o gênero “teen” e simplório demais para uma missão de tamanha grandeza. Uma bobagem sem fim, convenhamos, rebatida pelo próprio Sagan. Afinal, segundo ele e também na opinião deste datilógrafo, deve haver adolescentes em outros mundos.
Mas por que mandar uma mensagem em disco para o espaço? Você deve estar se perguntando
Já era consenso nos anos 1970 que qualquer componente eletrônico seria incapaz de sobreviver por séculos no vácuo e pelas intempéries espaciais. Logo, “lançar” um disco virtualmente indestrutível em plena era de ouro da indústria fonográfica parecia uma ideia sagaz.
As gigantes CBS e JVC, por sinal, demonstraram interesse e foram parceiras da empreitada da Nasa, que anos antes já enviara ao universo, no projeto Pioneer, placas de ouro com informações gráficas sobre nossa espécie. Mas nada se comparava aos discos da Voyager.
Como um ET seria capaz de tocar esses discos?
Primeiro, caso fosse dotado de audição análoga à nossa, ele precisaria de algo que se assemelhasse a um toca-disco, para converter energia mecânica em ondas sonoras. Segundo, teria de ter uma paciência de outro mundo para desvendar as inscrições da capa, que traz símbolos como instruções de uso.
Curiosidade aos aficionados por discos: os Golden Records têm o tamanho de um LP tradicional —12 polegadas— e foram projetados para rodar a 16,66 rotações por minuto —o LP normal gira a 33,33. A principal diferença: ele também é capaz de originar imagens, de 512 linhas verticais, que precisam ser decodificadas a partir da emissão de “ruídos”.
Na borda central do disco, uma frase sintetiza todo o espírito de inovação e poesia do gênio Carl Sagan.
For makers of music of all worlds and all times.”
(“Para os produtores de música de todos os mundos e todos os tempos”)
Por fim, onde os discos estão agora?
Rumando em direções diferentes, as Voyagers 1 e 2 já cruzaram os limites do nosso sistema solar e estão, respectivamente, a “apenas” 23 bilhões km e 19 bilhões de km da Terra, rasgando o vácuo a mais de 61 mil km por hora. Parece muito, mas elas mal saíram do lugar em escala cosmológica.
Ainda assim, a Voyager 1, com sua reluzente circunferência dourada, é hoje o objeto mais distante da Terra produzido pelo ser humano. E está pronto para ser interceptado por um cargueiro extraterrestre agora ou daqui a centenas de milênios.
Não é força de expressão. Como o urânio-238 utilizado na capa possui uma “expectativa de vida” de 4.5 bilhões de anos, a civilização que por ventura encontrar a Voyager será capaz não só conhecer mais sobre nós, mas também calcular a idade do artefato.
O que já sabemos ao certo é que, dentro de poucos anos, a Nasa projeta perder totalmente o contato com as sondas. E desse dia em diante só nos restará torcer para que os aliens apreciem Chuck Berry e não resolvam colocar os discos à venda em sites como Discogs ou eBay.
Porque eles vão valer todo o dinheiro dos mundos.
PS: gostaria de ter na sua coleção uma cópia caprichada do “Voyager Golden Record”, que foi lançado comercialmente em 2017 pela Ozma Records? Clique aqui.
E até o próximo giro.