Por Fernanda Delgado e Heloisa Borges
A dinâmica dos preços do petróleo no mercado internacional é fundamentalmente regida pelo equilíbrio entre oferta e demanda do produto. Desta forma, o balanceamento dos fundamentos de mercado, sobretudo, tem ditado a dinâmica do petróleo como uma commodity, mesmo que fortemente influenciado pelos aspectos geopolíticos.
Os aumentos dos preços desde o final de 2020 trouxeram um otimismo cauteloso para o mercado de energia. Depois de um ano inteiro praticamente com preços em torno de 40 dólares, a sinalização altista para patamares de 60-70 dólares deixa mixed feelings no mercado. Para evitar o contagio por uma euforia momentânea é sempre bom entender os fundamentos mercadológicos básicos e analisar o que esta por trás de movimentos repentinos, tanto de baixa quanto de alta.
Vale destacar que por ciclos econômicos entende-se a alternância que acontece na economia entre períodos fortes e de crescimento, com períodos de baixa e de recessão econômica.
O movimento de baixa que solapou o mercado no ano de 2020 é notoriamente conhecido e já foi massificadamente discutido em muitos artigos. Não cabe aqui cansar o leitor com essa rediscussão. Pandemia, descasamento entre oferta e demanda, recessão econômica, redução de investimentos, excesso de estoques e paralização de atividades produtivas, criaram uma espiral descendente dos preços.
Em contrapartida, o inicio das campanhas mundiais de vacinação contra a Covid-19 e o poder discricionário e a disciplina dos cortes de produção da OPEP+, que vigora desde abril de 2020, levaram a percepção de algum nível de retomada de normalidade do mercado e provocaram um ramp-up nos preços de dezembro de 2020 para cá (março de 2021).
O espraiamento da vacinação por vários países do mundo enseja a retomada da mobilidade, e no curto e médio prazos, os pacotes de alívio aos impactos econômicos nos EUA, aliados aos investimentos em renováveis, criarão aumentos na receita disponível e dos gastos do governo americano. Pensando em se tratar de um novo ciclo econômico, essa recuperação no país maior consumidor de energia do mundo, pode se tornar intensiva em hidrocarbonetos, incrementando a demanda por petróleo muito antes de reduzi-la, como almeja a administração Biden-Harris. O que reverberará nos preços, forçando-os para cima, podendo chegar a 70 – 75 dólares (Goldman).
O economista do IBRE (FGV), Samuel Pessôa, acredita que haja um potencial inflacionário nos muitos estímulos que se acumulam na economia norte-americana. Um pacote fiscal de cerca de 10% do PIB, como o de Biden na mais modesta hipótese, mesmo se considerando multiplicadores pequenos, representa, na visão do pesquisador, um impulso bem maior que a atual ociosidade de fatores nos Estados Unidos. Segundo suas estimativas, o mercado de trabalho no quarto trimestre de 2021 estará um ponto percentual mais apertado do que o vigente no mesmo período de 2019.
Contudo, outras visões sugerem que a retomada econômica pode não ser tão positiva assim. Júlio Senna, também pesquisador do IBRE, considera que a pandemia deve reforçar alguns fatores da estagnação secular, o que já não aqueceria a demanda no setor petrolífero. O menor crescimento populacional, por exemplo, inibe investimentos em infraestrutura, assim como o baixo crescimento da produtividade. Adicionalmente, a pandemia aumenta a insegurança e as incertezas, o que inibe o consumo e estimula a poupança precaucional. Mesmo após o controle da Covid-19 pela vacinação, permanecerão dúvidas sobre o futuro da mobilidade e das viagens internacionais, com o advento da massificação do home office, que podem afetar o consumo, os investimentos e contratação de mão de obra nos setores atingidos. O grande desafio econômico pós-pandemia no mundo todo, incluindo no Brasil, é a geração de emprego, que liquidamente tornou-se nula nos últimos meses na economia americana.
Corroborando com essa perspectiva, a Agencia Internacional de Energia publicou em março de 2021 seu relatório mensal, onde conclui: “a demanda de petróleo provavelmente nunca alcançará sua trajetória pré-pandemia. Pode não haver retorno ao ‘normal’ para o mercado de petróleo na era pós-Covid” (WorldOil, 2021, tradução livre das autoras). Destaca o mesmo relatório que se os governos agirem com mais rapidez nas reformas ambientais do que o esperado e os consumidores evitarem as viagens de negócios e aderirem a medidas ambientais mais rígidas, cerca de 5,6 milhões de barris da demanda diária de petróleo poderão ser eliminados até 2026.
Já a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) indica que o crescimento acelerado da geração de energia por fontes renováveis não deverá ser suficiente para atender a todo o crescimento da demanda, exigindo um aumento da oferta petrolífera mundial. Isso, associado à falta de capacidade produtiva adicional da maior parte dos países não-Opep, deve conduzir ao aumento do preço no médio prazo. Porém, essa elevação de preços não deverá ser excessiva. Considerando as revisões de investimentos já observadas, no longo prazo a EPE indica que a principal questão de longo prazo não deverá ser a ausência, ou a redução, da demanda, mas a que preço os produtores conseguirão ofertar e comercializar um volume marginalmente crescente nas próximas décadas.
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Por outro lado, pelo lado da oferta, o 14º encontro da OPEP+ decidiu estender os cortes de produção e algumas compensações dos países-membros. Em vigor desde janeiro (2021), a isenção amplia 130 mil bpd à Rússia e 200 mil bpd ao Cazaquistão de flexibilização de produção em relação a março de 2020. Apesar da produção russa não ter aumentado por causa dos impactos do inverno sobre os campos maduros, a continuidade das isenções atendem ao interesse de Moscou em conter o aumento dos preços e da competitividade do shale oil dos Estados Unidos (EL GAMAL & ASTAKHOVA, 2021). Estabilizar os preços por meio do controle artificial da oferta foi o objetivo da OPEP+ há um ano, com um cronograma claro e específico e cortes escalonados até 2022. Os preços foram, de fato, estáveis entre junho e novembro (2020), pairando em torno de 40-45 dólares por barril. Dessa forma, a oferta do cartel segue artificialmente controlada, removendo do mercado internacional aproximadamente 8,7 milhões de barris todos os dias.
Fora a artificialidade deste controle importa mencionar que existe um excedente de oferta no mundo represado por cortes de capex das empresas, capacidade ociosa de países como Arábia Saudita, embargos comerciais a economias como Líbia e Irã, que, ao terem permitidos acesso às suas produções ao mercado internacional certamente agregariam componentes à oferta desestabilizando o tráfico.
Ao Irã cabe analisar que sua capacidade produtiva está em aproximadamente 4 milhões bpd mas o país só tem produzido (e exportado) aproximadamente 2 milhões bpd. O país está sujeito a duras sanções dos Estados Unidos desde 2018, quando o então presidente Donald Trump retirou o país do acordo internacional para restringir as atividades nucleares. Ainda que alguns países, como a China, desafiem as sanções do Ocidente e mantenham ativas as exportações do petróleo, há uma capacidade ociosa no país que, ao serem removidas as sanções, incluiriam na oferta internacional aproximadamente 2 milhões bpd de petróleo a mais no mercado internacional.
Não foi objeto de análise aqui se questões como o atingimento do pico de demanda de petróleo e a transição energética já exercem algum nível de pressão nos preços por meio da redução dos investimentos em grandes projetos com longos tempos de maturação. Em sendo a volatilidade conhecidamente a maior inimiga dos investimentos de longo prazo, essas são algumas das razões pelas quais não há um maior otimismo no mercado diante da recente forte recuperação de preços.
O futuro, que sempre foi incerto, apresenta uma maior disparidade de cenários. A norte-americana EIA revisou suas projeções de Brent para 53,20 dólares por barril em 2021 e 55,19 para 2022. Para o longo prazo, os preços, no cenário referencial, devem subir para 73 dólares por barril em 2030 e 95 dólares em 2050. No cenário de preços baixos, as cotações não ultrapassam 50 dólares o barril até 2050, e no de preços altos as cotações sobem para 130 dólares por barril em 2030 e 170 em 2050. O equilíbrio ainda frágil de oferta e demanda tende a fazer com que os agentes permaneçam cautelosos.
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