Por Davi de Souza (davi@petronoticias.com.br) –
O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (IPEN) está em clima de celebração por conta de um importante marco: os 60 anos de produção de radiofármacos no Brasil. E o passar do tempo comprovou que foi acertada a decisão do país em investir neste tipo de atividade. Em 1959, o IPEN começou a fabricação de Iodo-131 (131I), usado para diagnóstico e terapia de doenças da tireoide. Passadas seis décadas de muita pesquisa e desenvolvimento, hoje o Brasil produz uma série de outras substâncias que ajudam no combate e na identificação de diversas enfermidades, como o câncer. Você pode conhecer mais sobre a história da instituição assistindo ao vídeo ao lado, na seção Vídeo em Destaque.
Enquanto festeja as conquistas do passado, o IPEN também já vislumbra os seus passos seguintes. Uma das metas da entidade nos próximos anos é reformar suas instalações e fornecer novos radiofármacos para o país, conforme conta o gerente do Centro de Radiofarmárcia do instituto, Efrain Perini. Em entrevista ao Petronotícias, ele revela que um dos objetivos é trazer ao Brasil radiofármacos já usados na Europa, que são usados no diagnóstico e tratamento de câncer de próstata. É uma excelente notícia em pleno Novembro Azul, mês onde o debate sobre a conscientização a respeito da doença está em alta. O IPEN também trabalha no desenvolvimento dos chamados radiofármacos inovadores – isto é, que não existem no exterior e estão sendo desenvolvidos pelo instituto.
Trabalhos como os do IPEN só reforçam a importância do Brasil se aprofundar ainda mais no campo da tecnologia nuclear, que pode ser usada para geração de energia, esterilização de alimentos e produção de medicamentos. Aliás, o setor de medicina nuclear no Brasil tem vivido um momento importante de fortalecimento, especialmente após as companhias do segmento terem se reunido na Associação Brasileira para Desenvolvimento de Atividades Nucleares (ABDAN). Segundo membros do setor, a construção de uma indústria cada vez mais robusta garantirá uma série de benefícios para a população brasileira.
Poderia começar falando sobre a importância desse marco de 60 anos de produção de radiofármacos no Brasil?
No ano em que o IPEN faz seu aniversário de 63 anos, o instituto também comemora os 60 anos de produção de radiofármacos. Isso demonstra a essência deste instituto no atendimento à população com radiofármacos ao longo desse período. Além disso, a especialidade de medicina nuclear no Brasil também está comemorando 60 anos. Então, podemos entender a parceria entre o desenvolvimento da medicina nuclear no país junto com os radiofármacos fornecidos pelo IPEN. As duas modalidades cresceram juntas.
Para a sociedade, isso representa um ganho muito grande no sentido de saúde pública. Hoje, o IPEN fornece 27 radiofármacos, todos eles produzidos aqui no instituto com matéria-prima importada. Atualmente, podemos nos orgulhar do número de 2 milhões de procedimentos médicos por ano no Brasil. Desse total, 30% é pago pelo SUS. Então, uma vez que a produção de radiofármacos é feita por uma instituição pública, a sociedade só tem a ganhar.
Alcançado este marco de 60 anos, quais serão os próximos passos a partir de agora?
Se você pensar na questão de diagnóstico e tratamento, o IPEN cumpriu seu caráter inovador, ao lançar novos medicamentos e radiofármacos no mercado ao longo de todo esse tempo. Pretendemos, nos próximos anos, seguir com esse caráter de inovação, para trazer ao Brasil moléculas usadas no exterior no diagnóstico e terapia contra doenças. Para trazê-los, precisamos cumprir aspectos regulatórios junto à CNEN [Comissão Nacional de Energia Nuclear] e à Anvisa [Agência Nacional de Vigilância Sanitária]. Existem normas e resoluções da Anvisa voltadas aos radiofármacos.
No passado, a especialidade foi se desenvolvendo e tomando vulto sem grandes necessidades de testes clínicos ou de cumprimento de normas perante à Anvisa. Esses são os radiofármacos de uso consagrado. Agora, para os radiofármacos novos ou inovadores, eles precisam cumprir diversos aspectos clínicos. Para isso, mais uma vez, o IPEN, com seu caráter inovador, está buscando parcerias com hospitais.
Já existem parcerias firmadas neste sentido?
Já temos uma parceria formada com o Hospital do Câncer de Barretos (SP) para trazer um radiofármaco (Lutécio marcado com PSMA) que já está apontando grandes resultados, na literatura, durante a terapia contra o câncer de próstata metastático.
Que passos são necessários para o desenvolvimento de novos radiofármacos?
Para cumprir o aspecto regulatório da produção de radiofármacos, precisamos reformar nossas instalações. E ao fazer isso, vamos cumprir com aspectos estabelecidos pela Anvisa, pela CNEN e por outros órgão reguladores. Ao reformar a instalação, também deixaremos os laboratórios prontos para o desenvolvimento de novas moléculas para testes clínicos em hospitais. A Anvisa também exige que, em testes clínicos, esses radiofármacos sejam feitos em linhas que cumprem boas práticas de fabricação.
O marco dos 60 anos é histórico para uma instituição pública no Brasil, que enfrenta tantos desafios. Mas para os próximos anos, o desafio ainda é muito grande. Eu costumo dizer que o desafio é grande e constante. Ele é grande porque temos toda a população do Brasil para ser atendida. Nossa missão é atingir mais brasileiros com os radiofármacos, ou seja, promover a democratização e o acesso da população aos nossos radiofármacos.
Temos também tem o desafio das reformas. Ou seja, não é só o desafio de manter a produção e implementar novas moléculas. É um desafio muito maior. Estamos falando em reformar toda uma instalação que foi inaugurada na década de 70. Naquela época, ainda não exista o conceito de boas práticas de fabricação no aspecto sanitário. Hoje, com a criação da Anvisa e a publicação de várias RDCs [Resoluções da Diretoria Colegiada da Anvisa], nós precisamos atender às boas práticas de fabricação para receber a certificação e licenciamento sanitário para seguir tanto com a continuidade da produção e também com o desenvolvimento de novas moléculas.
Poderia citar alguns desses novos radiofármacos?
Sim. Para o diagnóstico de câncer de próstata, existem o flúor marcado com PSMA e também o gálio-68 marcado com PSMA. Esses são radiofármacos já utilizados na Europa.
Também temos os radiofármacos inovadores, como o desenvolvimento de molécula com aptâmero, que tem afinidade com o câncer de cólo de útero. Só para ajudar no entendimento, é preciso explicar que os radiofármacos inovadores são aqueles que não existem no exterior e são desenvolvidos no IPEN.