Privatização da Eletrobras depende de solução para Angra 3

A privatização da Eletrobras pode ter outro obstáculo para se concretizar além dos prazos apertados e da resistência no Congresso: a viabilização da retomada das obras da usina nuclear de Angra 3. Em entrevista coletiva concedida ontem para comentar os resultados da companhia em 2017, o presidente da estatal, Wilson Ferreira Junior, disse que a cisão da Eletronuclear não vai sair do papel se o preço da energia de Angra 3 não for revisado.

As obras da usina foram suspensas em setembro de 2015, e a Eletrobras já reconheceu R$ 11,3 bilhões em perdas referentes ao ativo em seu balanço, sendo R$ 990 milhões apenas em 2017.

Segundo Ferreira Junior, a retomada das obras de Angra 3 é inviável considerando o preço do contrato de concessão, de cerca de R$ 240 por megawatt-hora (MWh). O executivo não informou o preço pleiteado ao governo, mas ressaltou já seria suficiente a definição de um novo valor inferior aos preços praticados por projetos de geração nuclear no mercado internacional, na faixa de R$ 500 o MWh. Ele lembrou, por exemplo, que Angra 1 e 2 operam com preço de cerca de R$ 300 o MWh.

Prejuízo de R$ 1,7 bilhão apurado em 2017 foi afetado pelo negócio de distribuição, que teve prejuízo de R$ 4,2 bilhões

A cisão da Eletronuclear é necessária para a privatização da estatal elétrica. Segundo Ferreira Junior, porém, isso não pode ser feito sem a redefinição dos preços. “Não podemos fazer uma cisão de uma empresa que apresenta prejuízos”, disse. Havendo uma solução para o imbróglio em torno do projeto, a Eletrobras deve reverter ao menos parte das baixas contábeis feitas até então, segundo o presidente da estatal.

A Eletrobras teve prejuízo líquido atribuível de R$ 1,76 bilhão ano passado, revertendo o lucro de R$ 3,51 bilhões apurado um ano antes. Como o resultado de 2016 tinha sido fortemente afetado pela contabilização financeira da indenização que a estatal vai receber por investimentos feitos e não amortizados em ativos antigos de transmissão, já havia uma expectativa de que o resultado de 2017 fosse pior.

Entre outros motivos, a perda líquida refletiu o provisionamento de R$ 5,7 bilhões no ano passado, montante que incluiu baixas contábeis em investimentos e também a atualização dos valores provisionados para as disputas judiciais em torno dos empréstimos compulsórios, da ordem de R$ 2,7 bilhões ano passado. Também entra na conta o provisionamento de R$ 1,1 bilhão referente à créditos que as distribuidoras pleiteiam com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel).

O desempenho das distribuidoras de energia do grupo, que devem ser privatizadas em maio, melhorou na comparação com 2016, mas ainda pressionou o resultado da estatal. As concessionárias somaram prejuízo de R$ 4,18 bilhões, redução de 37% ante a perda apurada um ano antes, de R$ 6,64 bilhões. Segundo Ferreira Junior, o resultado “muito ruim” do negócio de distribuição justifica os planos da empresa de privatizar as concessionárias.

Resolver a situação das distribuidoras continua sendo fundamental para a recuperação da estatal. Em parecer sobre o balanço, a auditoria externa KPMG disse que a continuidade operacional das seis distribuidoras depende da manutenção do suporte financeiro por parte de terceiros, da companhia, ou do sucesso do leilão de privatização previsto para 21 de maio. No certame, a estatal pretende vender as concessionárias Amazonas Energia (AM), Ceron (RO), Eletroacre (AC), Boa Vista (RR), Cepisa (PI) e Ceal (AL).

Caso a privatização das distribuidoras não seja bem sucedida, a Eletrobras já decidiu que sua alternativa será liquidar as concessões. Nas notas explicativas do balanço, a companhia atualizou o potencial custo dessa liquidação, para R$ 21,5 bilhões. Até então, a previsão da companhia era de um custo de R$ 17,7 bilhões. A Eletrobras considera esse cenário como “remoto”.

A venda da Celg Distribuidora para a Enel em 2016 já trouxe resultados positivos ao balanço de 2017 da Eletrobras. As despesas operacionais da companhia caíram 29% no quarto trimestre do ano, para R$ 10,3 bilhões. Segundo a estatal, porém, isso refletiu, principalmente, os números da Celg, que tinha envolvido despesas operacionais da ordem de R$ 1 bilhão nos últimos três meses de 2016. A transferência da concessão para a nova dona só foi concluída em fevereiro deste ano.

Ao mesmo tempo, a Eletrobras registrou aumento de 200% nas despesas operacionais com contingências no último trimestre de 2017, para R$ 3,62 bilhões. Os custos operacionais da estatal no período caíram 16%, para R$ 3,64 bilhões. Retirando o fator Celg D da conta, os custos teriam crescido 86%, para R$ 4,18 bilhões. Segundo a Eletrobras, os custos operacionais cresceram pelo aumento de compra de energia no mercado de curto prazo pela Amazonas Geração e Transmissão (Amazonas GT), em função das térmicas da companhia terem gerado abaixo da energia contratada, por problemas de manutenção.

 

Notícia publicada no portal Valor Econômico.